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Um olhar de pai sobre o Portão de Brandemburgo

Posted by Cottidianos on 00:07
Quinta-feira, 17 de julho


Debulhar o trigo
Recolher cada bago do trigo.
Forjar no trigo o milagre do pão.
E se fartar de pão

Decepar a cana, recolher a garapa da cana.
Roubar da cana a doçura do mel.
Se lambuzar de mel


(O cio da terra – Milton Nascimento)



Sob os céus da Europa abriu-se uma janela, e Konrad Koch lançou um olhar sobre o neoclássico, Portão de Brandemburgo — um símbolo de sua querida Berlim. Reunidas naquela espécie de arco do triunfo, ele viu dezenas de milhares de pessoas eufóricas. Seu olhar voltou-se para mais além, indo pousar nas ruas da cidade. Vista do alto, toda a cidade parecia um formigueiro humano. As ruas estavam tomadas de crianças, jovens, moços e velhos. Em carro aberto, desfilava a seleção alemã, que acabara de conquistar o título de campeã do mundo do futebol pela quarta vez.

Não demorou muito e o carro trazendo os bravos guerreiros chegou ao local onde estava concentrada a multidão. O povo todo sorriu e cantou e se alegrou. Era um momento inesquecível, no qual os campeões foram saudados como reis: Reis do futebol. Por pelo menos quatro anos, eram eles os guardiões do tesouro, de ouro 18 quilates.

Konrad estava tão feliz quanto seu povo. Estendeu as mãos sobre o mar de gente reunida nos portais da cidade e sobre a seleção campeã. E abençoou a todos, como um pai abençoa aos filhos. De fato, ele se sentia pai de toda aquela festa proporcionada pelo futebol, afinal, fora ele que havia trazido a primeira bola de futebol para que ela corresse livremente em solo alemão. Havia sido ele que, no distante ano de 1874, fizera os garotos da cidade de  Braunschweing, darem os primeiros e desajeitados chutes à gol. Foi ele também o responsável por fazer os garotos, que nunca antes tinham ouvido falar de futebol, decorarem as regras daquele esporte absolutamente novo para eles.

Se os pioneiros recebem sempre o rótulo de loucos, pode-se dizer que Konrad foi maluco total. O jovem havia morado parte de sua vida na Inglaterra, onde estudara na Universidade de Oxford. Voltou à Alemanha durante o Império alemão, no século dezenove, época em que os ingleses eram odiados pelos germânicos. Foi encarregado de dar aulas de inglês para os alunos de uma escola conservadora, como eram todas as demais escolas da época. O esporte predominante era a ginástica. Não se tolerava novidades. Desafiando todo esse conservadorismo, o jovem professor ousou apresentar aos alunos uma bola de futebol... E os fez se apaixonarem pelo esporte de origem britânica, apesar de grande resistência da sociedade da época. Mais que isso, ensinou-lhe as lições de respeito, trabalho em equipe e solidariedade.

Não era a primeira vez que Konrad se orgulhava da semente que plantou com carinho, cuidado, dedicação e muito esforço, no solo fértil de Braunschweing. O pioneiro teve a felicidade de ver sua pequena semente crescer e se multiplicar por toda a Alemanha, fazendo aquele pequeno grão vicejar em brotos que se transformou em árvore frondosa e cheia de saudáveis frutos. Assim são os visionários: Konrad, ensinando a língua inglesa, naquela conservadora escola, desenvolveu uma  atividade que revolucionaria o próprio conceito de esporte no país.

Nem tudo foram glórias, porém. O professor já tinha visto as folhas da árvore murcharem e seus frutos ficarem escassos. Foi em 2000, na disputa do título da Eurocopa daquele ano. A seleção alemã jogou um futebol apagado, bem diferente dos esplendorosos tempos da conquista de grandes campeonatos. O desempenho do time foi medíocre em todo a competição. Perdeu da Inglaterra por 1 x 0, de Portugal por 3 x 0 e empatou com a Romênia em 1 a 1.  Com essa campanha desastrosa a Alemanha não conseguiu passar da primeira fase. Uma tremenda vergonha para uma seleção campeã mundial e, principalmente, para um país que sediaria um mundial dali a seis anos.

Do plano espiritual onde se encontrava, Konrad viu uma luz vermelha se acender e, imediatamente, passou a inspirar boas ideias ao povo alemão. Não era hora para lamentações, era hora sim de ação. Os bravos não ficam a chorar leite derramado. Não. De forma alguma, eles vão logo em busca de outra garrafa de leite fresquinho. Nessa busca por uma nova garrafa de leite, olharam ao redor e foram buscas inspiração em outros países da Europa. Os dirigentes alemães olharam para a França. Lá havia a academia de Clairefontaine, uma pequena comunidade na qual os franceses construíram uma indústria de sonhos. Explicando melhor: O Centro Técnico Nacional Fernand-Sastre, mais conhecido pelo nome de Instituto Nacional de Clairefontaine, está para o futebol como Oxford, Sobborne e Harvard, estão para o conhecimento.

O olhar alemão percorreu ainda as organizadas e bem desenvolvidas categorias de base de grandes times como o Ajax, Real Madrid e Barcelona.

A partir dessa busca por respostas e por melhores resultados, nasceu o Programa de Desenvolvimento de Talentos. Os clubes foram obrigados a investir em centros de treinamento de alto rendimento. Era-lhes necessário investir em professores de futebol, treinadores especializados em categorias de base e, acima de tudo, melhoria em toda a infraestrutura futebolística. Não havia outra opção: ou procediam assim, ou não lhes era dada permissão para que disputasse a primeira e segunda divisão da Bundesliga.

Academias de futebol foram espalhadas pela Federação Alemã de Futebol, em todo o território nacional. Investimento pesado foi feito em escolas e programas infantis, com a finalidade de que novos talentos fossem revelados. Além disso, houve uma mudança na filosofia dos dirigentes e técnicos. Por exemplo, antes dessa revolução no futebol, um garoto de menor estatura era logo descartado. Não servia para o futebol. Com a nova mudança de mentalidade, passou a se levar em conta o talento, e não a estatura dos garotos.

Veio a Copa de 2002, organizada por dois países: Japão e Coreia do Sul. Dessa Copa, os alemães saíram vice-campeões. Perderam na final para o Brasil, por 2 x 0. Mesmo não sendo campeões naquele ano, não perderam o foco, nem a esperança nas mudanças que haviam sido estabelecidas no futebol do país. Era uma semente que havia sido plantada e que estava germinando. Era preciso ter calma e paciência. Os frutos seriam colhidos no tempo certo.

Na Eurocopa de 2004, esses frutos ainda não estavam maduros e a Alemanha voltou a fracassar ainda na primeira fase. Foi quando surgiu a ideia: Porque não colocar o ex-atacante e ídolo local, Jürgen Klinsmann, para comandar a seleção alemã? De fato, Klinsmann assumiu o comando dos trabalhos na seleção, escolhendo como seu auxiliar, Joachim Löw. Os dois mudaram a cara da seleção alemã.

Os frutos começavam a brotar de forma intensa. A seleção começou a fazer boas campanhas e a conquistar títulos importantes. As mudanças introduzidas nas categorias de base começaram a se refletir no Campeonato Alemão. O futebol bem jogado e as equipes dispondo de atletas com excelente nível técnico, trouxe aos estádios uma avalanche de torcedores apaixonados. Estádios modernos foram construídos, outros sofreram reformas, ficando igualmente belos.

O resultado de todo esse meticuloso e paciente trabalho culminou em mais um título importante, agora celebrado pelas centenas de milhares de pessoas no Portão de Brandemburgo.

Konrade Koch, pai do futebol alemão, ficou ainda mais radiante por saber que o seu povo havia tido a humildade de aprender com os erros e, a partir dessa atitude, ir em busca de três pilares que ajudaram a futebol alemão a se reerguer: troca de ideias e experiências com outros países, forte investimento nas categorias de base, e a formação de uma arrojada comissão técnica — da qual Klinsmann foi o capitão — e provocou mudanças estruturais no estilo de futebol jogado no país. De todas essas mudanças, Konrad ainda achava a mais importante o investimento nas categorias de base. Como se pode cuidar para que uma árvore que está perdendo força e vigor se reerga, se não se cuida bem da raiz?


O pioneiro Konrad Koch, ainda sorria, quando fechou a janela que havia aberto no céu e foi cuidar dos seus muitos afazeres. Ali também, ele ainda tinha muitos atletas a treinar. Ali também, ele ainda comandava uma equipe que havia acabado de ingressar nas categorias de base. Sempre e em qualquer lugar, é preciso cuidar bem das raízes.

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