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Paixão Nacional
Posted by Cottidianos
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22:13
Quinta-feira,
10 de julho
Para
o brasileiro, quando se trata de futebol, não há meio-termo: ou nos alegramos
intensamente nas vitórias ou nos entristecemos profundamente nas derrotas. A
mesma afirmação serve para o time para o qual torcemos. Isso ficou evidente nos
acontecimentos dos últimos dias. Já pensou se nutríssemos pela educação a mesma
paixão que nos domina e nos envolve quando se trata de futebol? Quantos gols no
desenvolvimento teríamos, se contássemos em nosso país com, pelo menos uma
centena, de craques nas áreas de ciência e tecnologia? Ah, se essas
conjecturas, deixassem de ser apenas conjecturas, saíssem do plano das
hipóteses, abandonassem os céus dos sonhos e invadissem nossa realidade opaca
de lanterna do desenvolvimento e nos fizesse renascer para um mundo no qual a
educação fosse vivida em sua forma mais intensa?
Por que temos que nos defrontar com essa dura
realidade de falta de investimentos na educação, de analfabetismo e má
distribuição de renda? Que peça da engrenagem não funciona, uma vez que, entram
governos e saem governos, dos mais variados partidos, e o horizonte que se
descortina sobre nós é sempre o mesmo? Precisamos do brilho das estrelas do céu
do futebol para aliviar nossas tensões através de atividades lúdicas saudáveis?
Sem dúvida que precisamos do lúdico que ajude a descarregar nossas emoções de
forma organizada e controlada. Faz parte do ser humano desejar essa cartase. Em
nossa correria rotineira, necessitamos de atividades nas quais possamos nos
livrar das emoções contidas, incontidas, escondidas. Precisamos liberar
energias negativas e nos encher novamente de boas energias. O esporte é uma boa
mola propulsora para alcançarmos esses objetivos.
Mas é certo também que precisamos de bons
professores, pesquisadores, cientistas, de mestres nas artes e na literatura.
Precisamos dessas luzes que ajudam a humanidade a sair da ignorância e caminhar
em direção ao conhecimento e ao saber.
No dia em que a nação brasileira, enveredar
pelo caminho no qual ciência, literatura, tecnologia e outros ramos do
conhecimento, passem a ser prioridade governamental e necessidade coletiva,
então, nesse dia, veremos raiar sobre nós a liberdade e o horizonte do Brasil
será mais risonho e feliz. Nesse dia, sobre nossa nação brilharão a luz das
artes, da literatura, da ciência, da tecnologia, da igualdade de oportunidades…
E do esporte, de um modo geral. Assim, estaremos prontos para exibir também,
não apenas o orgulho de levantar um troféu no esporte, exibiremos também o
orgulho de levantar o Nobel triunfo das ciências e das artes.
O artigo do Senador, Cristovam Buarque,
publicado no jornal O Globo, no dia 10 de julho de 2006, é uma boa reflexão a
esse respeito. Abaixo, compartilho o artigo com vocês.
***
Paixão
Nacional
Cristovam Buarque*
Em cada dez dos melhores jogadores de futebol
do mundo, pelo menos cinco são brasileiros. Entre todos os prêmios Nobel do
mundo, nenhum é brasileiro.
Entre
os grandes jogadores brasileiros, quase todos têm origem pobre, enquanto quase
todos os profissionais de nível superior vêm das camadas ricas e médias. Nestes
tempos de Copa do Mundo, a TV e o rádio mostram, todos os dias, pequenas
biografias dos nossos grandes jogadores. Em comum, todos têm o fato de terem começado
a jogar futebol aos quatro anos de idade, em algum campo de pelada perto de
casa, às vezes no quintal de um amigo. Todos continuaram, com persistência, o desenvolvimento
de seus talentos. Transformaram-se em grandes craques, graças à oportunidade,
ao talento e à persistência.
No
Brasil de hoje, 20 milhões de meninos jogam futebol. Se apenas um, em cada dez
mil, tiver talento e persistência, nas próximas Copas teremos dois mil ótimos jogadores;
se for um em cada um milhão, ainda assim teremos dois times completos, formados
por grandes craques.
O
mesmo não vai acontecer com a ciência, a tecnologia e a literatura no Brasil.
Não teremos 20 prêmios Nobel, nem mesmo juntando, a esses meninos, os outros 20
milhões de meninas. Porque poucos entrarão na escola aos quatro anos. Não terão
acesso a verdadeiras escolas, não poderão persistir no desenvolvimento de talento,
não terão livros ou computadores, como têm bolas.
O
Brasil tem grandes craques graças ao gosto pelo futebol, ao tamanho da nossa
população e ao fato de que todos têm acesso à bola e ao campo de pelada. Nosso país
não tem, até hoje, nenhum Prêmio Nobel de Literatura ou Física, porque poucos
têm acesso a ensino de qualidade desde a primeira infância, com professores bem
remunerados, preparados e dedicados, dispondo de livros e computadores na
quantidade e qualidade necessárias.
Os
campos e as bolas surgem espontaneamente, ou pelo esforço da comunidade e dos
próprios meninos.A escola e os computadores só estarão à disposição se houver
um esforço deliberado do país inteiro.
Ninguém
vira craque por sorte, e sim por talento e persistência. Mas, no Brasil, o
desenvolvimento intelectual depende, antes de tudo, da sorte de nascer em uma
família rica, em uma cidade próspera, com um prefeito que dê prioridade à
educação. O talento e a persistência vêm depois porque, antes, precisam de oportunidade:
uma escola de qualidade. O desenvolvimento intelectual depende de condições
criadas pelo Estado nacional: escolas, livros, computadores, professores.
Se
tivéssemos feito isso há cinqüenta anos, o Brasil seria o campeão do saber, e
não o lanterninha, posição que ocupamos atualmente. Se o fizermos agora, daqui
a 20 anos teremos recuperado terreno, e aí teremos a chance de vencer não só a
Copa do Mundo, mas também a Copa do Saber, do conhecimento, da ciência, da
tecnologia, da literatura. Ganharemos as medalhas do Nobel, além das taças da Copa.
Além
do mais, teremos o capital e as bases para construirmos o Brasil do século XXI.
O futebol deslumbra, mas só o saber constrói. Tudo isso, porém, enfrenta um
grave impedimento: os brasileiros têm paixão pelo futebol. As vitórias emocionam,
as derrotas deixam todos abatidos. Mas não existe a mesma paixão pela educação.
Há
semanas, os meios de comunicação informaram que estamos perdendo para o Haiti
em termos de repetência escolar. Nada aconteceu, ninguém se incomodou. Se tivéssemos
perdido para o Haiti no futebol, nossos jogadores teriam sido muito mal
recebidos na sua volta ao Brasil.
Para
que as medalhas intelectuais cheguem, é preciso ter pela escola a mesma paixão
que o Brasil tem pelo futebol.
* Crisovan Buarque é Senador (PDT – DF)
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