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Oh, chuva, onde estás estais?
Posted by Cottidianos
on
01:12
Quarta-feira,
28 de janeiro
Onde
estás? Porque tens te ausentado de nossas terras?
Lembro-me
dos meus tempos de criança na comunidade de Capela, em Ceará-mirim, no Rio
Grande do Norte. Ah, como ficávamos felizes
quando chegavas. Tu, chuva, fazias a festa da meninada. Caías do céu, às vezes,
fininha e intermitente, às vezes forte e demorada. De qualquer modo era como o
céu estivesse chorando... Ah, como eram doces as lágrimas choradas pelos
infinitos céus potiguares... E quanto eras bem vindas entre nós, crianças.
Saíamos de peito nu, e nos deixávamos inundar por teus pingos abençoados que,
pouco a pouco, iam encharcando nossos corpos inquietos e travessos. Uma das
nossas brincadeiras preferidas era fazer represas com as águas que escorriam brejeiras
pelos quintais. Acho que elas buscavam um rio onde pudessem se banhar e
juntar-se às águas barrentas e abundantes que neles corriam.
Nós,
maliciosamente, erguíamos barreiras em teu caminho. Aos poucos tu ias te
juntando a outras águas que vinha logo atrás de ti, ganhavas uma força descomunal...
E estouravas as pequenas e frágeis represas por nós construídas... Continuando,
tu, soberana teu caminho em direção ao rio, com a mesma alegria, com que o rio corre
para o mar... Ias, talvez, quem sabe, rindo de nossa infantil inocência. Naquela
divertida queda de braço, nos ensinávamos uma importante lição: a de que a
união faz a força.
Ainda
hoje, sinto vivamente o aroma que deixavas ao molhar a areia. Era um cheirinho
tão gostoso, que dava até vontade de comer a areia. Com os rios mais cheios
devido a tua rica contribuição, construíamos balsas com os troncos de uma
planta que nascia à beira d’água, e a qual dávamos o nome de “aninga”. Arrastávamos
essas balsas para dentro do rio... E nos sentíamos os próprios bravos
marinheiros, singrando os mares, enfrentando perigos. Claro de vez em quando,
algum marinheiro caia naquelas “perigosas” águas, mas logo era resgatado pelo
restante da tripulação.
Às
vezes o céu ficava bravo e vinhas acompanhada de muitos raios e fortes
trovoadas. Nem precisa dizer que, nessas horas, ficávamos bem quietinhos,
escondidos dentro de casa.
Nossas
mães aproveitavam para recolher em vasilhas, o quanto podiam daquela água
abençoada. Água que, posteriormente, era usada, na maioria das vezes, para
molhar a horta, lavar roupas, ou alguma outra atividade na qual te achassem
útil.
Nossos
pais ficavam felizes, pois deixavas a terra pronta para o plantio e, além do
que, tua chegada representava indícios de uma boa colheita.
Hoje, estou em Campinas, no estado de São Paulo.
Antes, caias em abundância sobre as terras paulistas. Enchias as represas e a as águas corriam farta pelos rios
paulistas. Na cidade grande não eras recebidas com a mesma festa com que eras
recebidas pela criançada do Rio Grande do Norte. Mas chegavas do mesmo jeito e,
muitas vezes, com grande intensidade, provocando inundação e alagamentos. Ninguém
imaginava que pudesses cessar de vez e esvaziar nossos rios. O desperdício de
água era enorme. Pessoas passavam horas lavando calçadas e carros. Pelas ruas,
os canos vazavam metros e metros cúbicos de água por segundo... E o perigo se
aproximando, sorrateiramente, sem que déssemos conta disso. Os governos municipais
não esboçavam nenhum plano de armazenamento e contenção. Pensávamos que eras um
bem eterno, desses que não acabam nunca.
Então,
o pior aconteceu, desde o início do ano passado, começasses a rarear. Tua falta
começou a fazer com que as águas das represas que abastecem grandes cidades
fossem diminuindo, diminuindo e diminuindo. Mesmo assim, houve quem, do alto
dos montes, gritasse: “Podem ficar tranquilos, em nosso estado nunca vai faltar
água. Em novembro ou dezembro chove e a situação volta ao normal”. Vieram então
os meses de novembro e dezembro e não chegaste com a intensidade com que eras
esperada. Enquanto isso, os rios agonizavam cada vez mais. Belas cachoeiras foram vendo suas águas
minguarem. Grandes rios foram sendo reduzidos a riachos. Os grandes mananciais
de abastecimento tiveram seu volume drasticamente reduzido.
Foi
então que os profetas colocaram as barbas de molho e estão admitindo que é
preciso fazer racionamento, e apontando soluções nunca antes imaginadas. As pessoas
que, antes desperdiçavam metros cúbicos de teu liquido precioso começaram a
ficar assustadas e, somente agora, estão pensando em alternativas para te
economizar.
A
verdade é que não sabemos como tudo isso vai acabar, mas é verdade que a
situação é cada vez mais critica. Vendo a água dos rios indo embora me fica a
curiosidade: Para onde será que elas estão indo que não retornam? Por que tu, abençoada
chuva, tens te tornado tão escassa?
Há
algum tempo, profetas sérios, desses que estudam muitos anos, vem anunciando,
pregando no deserto. Diziam e dizem eles: “Olha esse tal de aquecimento global
é coisa séria. Temos que diminuir a emissão de gases poluentes na atmosfera
porque isso pode alterar drasticamente as condições de vida no planeta”. Não demos
ouvidos a eles e deu no que deu. Alguns corações e mentes ainda não acordaram
para essa realidade. Outro dia, vi no noticiário que, no oeste do Pará, foi
desmatada uma área equivalente a 3 mil campos de futebol. Ah, insensatos, quanto
mal causais a vós mesmos e a todos nós.
Esperamos
com ansiedade que os infinitos céus voltem a chorar de alegria sobre nossas
represas, nossos rios e nossos riachos, e que essas mesmas lágrimas abençoadas
lavem as ruas de nossa cidade e refresque o ar que respiramos que, por sinal,
tem estado extremamente quente.
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