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Nova República: 30 anos sem o peso da cortina de ferro da ditadura
Posted by Cottidianos
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Sábado,
17 de janeiro
Posse de Tancredo Neves |
Dia
15 de janeiro do ano de 1985. Era terça-feira, chuvosa, mesmo assim, milhares
de pessoas se concentraram em frente ao Congresso Nacional. As galerias e o
plenário do Congresso estavam lotados. Do lado de fora, aqueles que não haviam
conseguido lugar para ver a cerimônia mais de perto, abrigavam-se embaixo de
uma bandeira nacional, ou da fachada de algum prédio, outros mais empolgados,
escalavam as cúpulas de concreto, a maioria não estava nem aí para chuva. O
momento era de festa: A festa da democracia.
Naquele
dia, o Brasil elegia Tancredo Neves: o primeiro presidente civil, após 21 anos
sob o regime militar. Naquele dia nublado e chuvoso, resplandecia no céu do
Brasil o sol da democracia com seus raios de liberdade iluminando o povo
brasileiro. Povo que não tinha a oportunidade de ver essa luz brilhar fazia
duas décadas. Nascia a Nova Republica.
Tancredo
fez um discurso emocionado e cheio de esperança, dizia ele ao povo brasileiro: “Esta
foi a última eleição indireta do país. Venho para realizar urgentes e corajosas
mudanças políticas, sociais e econômicas indispensáveis ao bem-estar do povo.
Não foi fácil chegar até aqui. Nem mesmo a antecipação da certeza da vitória,
nos últimos meses, apaga as cicatrizes e os sacrifícios que marcaram a história
da luta que agora se encerra”, disse Tancredo em seu discurso.
Ainda
não era o sonho das eleições diretas, com um presidente, verdadeiramente,
escolhido pelo povo, uma vez que a eleição de Tancredo havia se dado por um
colégio eleitoral, mas já era um sinal forte de que a cortina de ferro estava
ruindo. Ela já havia começado a ruir um ano antes, quando começou, em todo o
país, a campanha pelas eleições diretas. O nome daquela campanha recebeu o nome
de Diretas Já. A liberdade de escolher o seu próprio
presidente era um sonho de toda a sociedade brasileira, à exceção dos militares
e alguns de seus partidários. Em abril de 1984, mais um milhão e meio de
pessoas se reuniram no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, solidificando ainda
mais o apelo por eleições diretas. Tancredo Neves estava lá afirmando que era
hora de os militares deixarem o comando da nação e o entregarem nas mãos do
povo, não necessariamente com essas palavras, mas era isso que o seu discurso
inspirava.
Durante
sua campanha a presidência da nação, devido a uma agenda cheia de compromissos
no Brasil e no exterior, Tancredo começou a sentir fortes dores abdominais, poucos
dias antes da posse, porém, não tornou isso público, pois temia que, caso lhe acontecesse
algo, os militares não quisessem entregar o poder nas mãos do vice-presidente,
José Sarney. Na noite que antecedia a posse, Tancredo estava em uma cerimônia
religiosa, em um Santuário, em Brasília, quando as dores abdominais se
intensificaram. Na época os médicos fizeram o máximo para evitar que fosse
utilizada a palavra câncer. O vice-presidente, José Sarney, foi empossado no
seu lugar, enquanto Tancredo permanecia em agonia no hospital. E assim ficou até
o dia 21 de abril, quando o país recebeu a notícia de seu falecimento. Muitas
lágrimas rolaram pelo Brasil naquele triste dia.
No
ano de 1891, o saudoso cantor e compositor, Gonzaguinha, junto com o pai, o
também saudoso Luiz Gonzaga, gravou o disco, A Vida do Viajante. Os dois saíram em turnê pelo país com esse
belíssimo show. Nesse disco, Gonzaguinha canta uma música de sua própria
autoria, chamada Pequena Memória Para um
Tempo sem Memória, que não é muito conhecida pelo público, mas que é uma
fotografia daqueles dias nos quais se vivia sob a mordaça da ditadura. Liberdade
de expressão era que uma palavra que havia sido riscada do nosso dicionário no
dia 01 de abril de 1964, dia em que os militares assumiram o poder. Nas duas décadas
seguintes muitos brasileiros foram presos, torturados e mortos por lutar contra
um sistema que era a personificação da morte. No tempo em que estiveram no poder,
os militares tentaram mataram nossa cultura, nossa alegria, nossa liberdade. Não
fizeram isso de vez, porque surgiram, bravos heróis, que com seu engajamento,
suas canções, seus escritos, jornalísticos ou literários, souberam manter vivo
o sonho da liberdade.
Memória
para um tempo sem memória é uma homenagem a todos aqueles que lutaram para
que a democracia voltasse a reinar no Brasil. São lembranças de um tempo em que
lutar pelos direitos era um grave defeito, punido com a cadeia, com o exílio ou
com a morte. A música de Gonzaguinha é uma homenagem às vidas que, como tochas
acesas, alimentaram o fogo da esperança de que dias melhores seriam uma
realidade depois do pesadelo. O que, de fato, aconteceu.
Naquela época, o inimigo a ser combatido
no Brasil era o governo militar. Hoje, o inimigo a ser combatido é a corrupção
e os seus agentes. Assim como a sociedade brasileira que viveu aqueles tempos difíceis,
sem cruzar os braços e sem perder a esperança, que assim também saibamos nós, que
vemos os braços da corrupção estrangularem o nosso sempre tão querido Brasil,
acreditar que ainda veremos um Brasil mais justo e mais humano.
Abaixo, compartilho com vocês, Pequena Memória Para
um Tempo sem Memória, essa bela e profunda letra de Gonzaguinha.
***
Gonzaguinha |
Pequena Memória Para Um Tempo
Sem Memória
Memória de um tempo onde lutar
Por seu direito
É um defeito que mata
São tantas lutas inglórias
São histórias que a história
Qualquer dia contará
De obscuros personagens
As passagens, as coragens
São sementes espalhadas nesse chão
De Juvenais e de Raimundos
Tantos Júlios de Santana
Uma crença num enorme coração
Dos humilhados e ofendidos
Explorados e oprimidos
Que tentaram encontrar a solução
São cruzes sem nomes, sem corpos, sem
datas
Memória de um tempo onde lutar por seu
direito
É um defeito que mata
E tantos são os homens por debaixo das
manchetes
São braços esquecidos que fizeram os
herois
São forças, são suores que levantam as
vedetes
Do teatro de revistas, que é o país de
todos nós
São vozes que negaram liberdade
concedida
Pois ela é bem mais sangue
Ela é bem mais vida
São vidas que alimentam nosso fogo da
esperança
O grito da batalha
Quem espera nunca alcança
Ê ê, quando o Sol nascer
É que eu quero ver quem se lembrará
Ê ê, quando amanhecer
É que eu quero ver quem recordará
Ê ê, não quero esquecer
Essa legião que se entregou por um novo
dia
Ê eu quero é cantar essa mão tão
calejada
Que nos deu tanta alegria
E vamos à luta.
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