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Carta à um Campeão
Posted by Cottidianos
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14:31
Imagem: http://www.valor.com.br/internacional/3382130/michael-schumacher-permanece-em-estado-critico-diz-hospital |
Campinas, 03 de janeiro de 2014,
Caro
Schummy,
Resolvi
entrar em contato contigo através de um meio de comunicação tradicional e um
pouco fora de moda: a carta. Hoje, a moda é enviar e-mails, são mais
práticos... E chegam mais rápido. Optei pela carta, tendo em vista que, na sua
atual condição, é improvável que vá abrir sua caixa de e-mails por esses dias.
Porém, quando tiver oportunidade de abri-la... Ah, você vai ver quanta gente te
enviou mensagens positivas, desejando sua recuperação... E quantos votos de
FELIZ ANIVERSÁRIO! A carta, pelo menos, alguém recebe e pode ler para você. Sei
que, mesmo inconsciente, você estará ouvindo. Hoje, fui à uma igreja, aqui
perto de casa, e fiquei comovido ao ver um grupo de pessoas rezando pela sua
saúde. Milhões de pessoas pelo mundo inteiro estão fazendo a mesma coisa.
Gostaria
de cantar para você uma canção, chamada Noites Traiçoeiras, que se torna belamente
interpretada, na voz do padre Fábio de Melo. Pe. Fábio é aquele padre pop, do
qual havia te falado. Eu não canto muito bem, aliás, não canto nada bem, porém,
não sou completamente desafinado. Aí vai a canção:
***
Deus
está aqui nesse momento
Sua
presença é real em meu viver
Entregue
sua vida e seus problemas.
Fale
com Deus, ele vai ajudar você.
Ôôôô
Deus
te trouxe aqui para aliviar o seu sofrimento.
É
ele o autor da fé, do princípio ao fim
De
todos os seus tormentos.
E
ainda se vier, noites traiçoeiras.
Se
a cruz pesada for, Cristo estará contigo
O
mundo pode até chorar, mas Deus te quer sorrindo.
Seja
qual for o teu problema.
Fale
com Deus, ele vai ajudar você.
Após
a dor, vem a alegria.
Pois
Deus é amor e não te deixará sofrer.
Ôôôô
Deus
te trouxe aqui para aliviar o seu sofrimento.
É
ele o autor da fé, do princípio ao fim...
***
Viu,
até que cantei bem!
Imagem: http://chicos.laprensa.hn/blog/2013/04/24/los-autos-de-la-formula-1-viajan-bien-empaquetados/ |
Se
a Fórmula 1 fosse um céu, meu caro, você seria um astro de primeira grandeza.
Nasceste para voar alto. E como voaste pelos circuitos do mundo da velocidade. Tu
és um dos melhores pilotos que os autódromos do mundo já conheceram. Sempre me
lembro de quando me falavas da forma como começaste nessa modalidade. Eu diria
que foi por pura sorte. Se bem que isso iria acontecer, mais dias, menos dias.
Estavas predestinado a subir ao pódio muitas e muitas vezes. Mas naquele ano de
1991, a desculpa que o destino arranjou para te levar à Fórmula 1, foi uma
briga de transito. Isso mesmo, uma briga de trânsito. Quem diria!
Vou
ler aqui, o que escreveu Sérgio de Paula, da Universidade do Estado de Santa
Catarina, no trabalho acadêmico intitulado “Michael
Schumacher – O maior piloto da Fórmula 1 (Sua trajetória na mídia brasileira).
A monografia foi escrita, por ocasião da obtenção do título de bacharel em
História: “Em 1991, um taxista londrino
envolveu-se em uma briga de trânsito com um piloto belga de fórmula 1, da
equipe Jordan. O piloto, chamado Betrand Gachot, viu-se em desvantagem e usou
gás paralisante contra o motorista. Foi preso e condenado à prisão. A partir
desse fato surgiu a oportunidade para Michael Schumacher estrear na Fórmula 1”.
Chegaste
desacreditado ao ambiente hiper competitivo da F1. Risinhos irônicos e
comentários maldosos sussurrados pelos corredores: “O que é que esse alemão vem
fazer aqui? Não fez nenhum teste prévio no carro. Que resultados ele espera
obter?”, dizia um. “Nem a pista ele conhece. Se chegar por último ainda deve
ficar feliz por isto”. Dizia outro.
Calastes a boca deles já no grid de largada: conseguiste colocar o carro
em sétimo lugar. Detalhe: essa foi a melhor posição conseguida pela Jordan,
durante o ano inteiro, em um grid de largada. Na corrida, não foste muito bem.
Uma quebra de câmbio na primeira volta te atrapalhou por completo e não
conseguiste completá-la. Apesar disso, Flavio Briatore, chefe de equipe da
Benneton, conseguiu enxergar em ti, um piloto em potencial. Briatore agiu
rápido: despediu o piloto brasileiro, Roberto Pupo Moreno, e te contratou para
as quatro últimas corridas da temporada, fazendo dupla com o brasileiro, Nelson
Piquet. Da Benneton foste para a Ferrari com a difícil missão: trazer um título
para a escuderia que, desde 1979, não sabia o que era vencer um campeonato.
Começava aí, uma parceira vitoriosa e imbatível: Michael Schumacher X Ferrari.
Esse belo casamento entre o piloto alemão e a escuderia italiana durou até 2006
e foi coroado de vitórias. A soberania tua e da Ferrari era tão grande que,
entre 2000 e 2004, ganhaste cinco consecutivos títulos mundiais, coisa
absolutamente inédita na Fórmula 1.
Imagem: http://chicos.laprensa.hn/blog/2013/04/24/los-autos-de-la-formula-1-viajan-bien-empaquetados/ |
Nem
tudo eram flores, teu gênio forte te envolveu em muitas polemicas e discussões
durante e depois das corridas. Uma delas aconteceu durante o Grande Prêmio da
Austrália, em 1994. Penso ter sido nessa corrida, que ganhaste a fama de piloto
que não mede as conseqüências para conseguir uma vitória. Era dia 13 de
novembro. Nas ruas de Adelaide era disputada a última corrida do Campeonato
Mundial. Era muito difícil dizer quem ganharia a corrida. O certo era quem
ganhasse a prova, levaria o campeonato. Tu, Schumacher, havia conquistado 93
pontos durante todo o campeonato e Damon Hill, 92. Sabias que tinhas que
receber a bandeirada primeira de qualquer jeito. A pole position foi para nas
mãos de Nigel Mansel. Em segundo lugar, estava tu, meu caro amigo, e logo
atrás, em terceiro, aquele a quem querias ver bem longe de ti, naquela corrida.
Já na largada, tu, Schumacher, e o teu rival ultrapassaram Mansel. Assumiste a
liderança da prova. Naquele momento, tudo o que Hill podia fazer era te
pressionar e torcer para que cometesses um erro. O clímax, o momento polêmico,
aconteceu na volta 36. Nessa volta, abriste demasiado a curva, fostes de
encontro ao muro de proteção, batendo nele com as rodas do lado direito, mas
conseguiste voltar à pista. Na curva seguinte, Hill tentou te ultrapassar
quando abrias a curva. Deste uma guinada para a direita e ambos os carros
colidiram. Teu carro saiu da pista e ficou fora da prova. Hill ainda tentou
levar o carro para os boxes, porém os mecânicos detectaram danos num dos braços
da suspensão. Sem a menor condição de prosseguir Hill também abandonou a prova.
Como nenhum dos dois marcou ponto, foste declarado campeão. E, assim, envolto
nas nevoas da dúvida, chegaste ao primeiro de teus sete títulos mundiais. As
críticas vieram como vem as rajadas das metralhadoras: intensas. E vieram
pesadas. A imprensa foi impiedosa: disse que foi uma das maiores atitudes
anti-desportivas que já havia visto e coisas desse tipo. Claro, alguns saíram em
tua defesa, mas foi em minoria. O fato é que os organizadores da prova disseram
que foi apenas um incidente de corrida e, assim, ratificaram a tua vitória. No
fim, quem acabou ganhando a corrida foi mesmo Mansel, que havia largado na
pole. Vale lembrar que a bruxa estava solta nessa temporada de 1994. Parece-me
que ela não estava solta, mas também furiosa. Foi uma temporada muito tensa e
também, trágica.
Nesse
ano, o primeiro de tua vitória, a F1 havia acabado de passar por diversas
mudanças. Os hábeis pilotos não dispunham mais de alguns recursos tecnológicos
que haviam tido no passado. A equipe Willams, entretanto, foi quem mais teve a
lamentar nessa temporada. As coisas já começaram para valer no primeiro GP da
temporada que aconteceu no Brasil. Tu, Michael Schumacher, corrias para
alcançar Ayrton Senna. Após um pit stop conseguiste ultrapassar Ayrton e agora
era ele quem corria para te alcançar. Um erro de Senna fez com que ele
abandonasse a corrida e tu foste o vencedor do GP. Os primeiros indícios dessa
temporada já nos diziam que haveria uma bonita briga entre tu e Ayrton Senna
pelo Mundial. Porém, Senna estava sem sorte. No segundo GP do ano, ele também
abandonou a prova e tu foste novamente campeão. O terceiro GP, que aconteceu no
circuito de Imola, protagonizou um dos capítulos mais tristes da F1. Já na
sexta-feira, durante os treinos, Rubens Barichello bateu forte contra o muro de
proteção e quase morreu. No sábado, durante a etapa de classificação, Roland
Ratzemberg bateu fortemente contra o muro de proteção na curva Villenenueve e
perdeu a vida nesse grave acidente. Após esse acidente, o piloto brasileiro Ayrton
Senna, iniciou entre os pilotos, um movimento, a Associação dos Pilotos, por
mais segurança para os pilotos nos autrodómos. Não sabia ele que seria a
próxima vítima. O cenário do qual Ayrton Senna se despediu do mundo, foi a
curva Tamburello. Durante a sétima volta da corrida, no domingo, a coluna de direção
da Willians que Senna pilotava, quebrou, ele não conseguiu fazer a curva e
chocou-se violentamente contra o muro. Neste mesmo ano, ainda tiveste que ficar
do campeonato por duas corridas, como punição por teres ultrapassado Demon Hill,
na volta de apresentação, no GP da Inglaterra. Além dessas, passaste por outras
situações desagradáveis. Como se vê teu primeiro campeonato aconteceu em meio a
águas turbulentas.
Imagem: http://potenzablogdef1.blogspot.com.br/2013/03/desde-o-multi-21-ate-ao-sinal-abranda.html |
Outro
fato que acabou tendo uma repercussão bastante negativa foi no Grande Prêmio da
Áustria, em 2002. O brasileiro Rubens Barichello, que havia largado na pole
position, vinha bem na corrida, desde o início na liderança. Faltando alguns
metros para a linha de chegada, eis que uma voz no ouvido de Barichello disse-lhe
para não fazer aquilo que ele mais queria: vencer a corrida. Eram ordens da
Ferrari pedindo para o brasileiro diminuir a velocidade e deixar Schumacher
passar. Que vergonhoso e constrangedor aquele pódio. Recebeste o troféu debaixo
de vaiais do público que ali se fazia presente. Mas não tivestes culpa, tu e
Barichelo apenas cumpriam o que estava no contrato: obedecer as ordens da
Ferrari. Mais tarde, na mesma temporada, no Grande Prêmio dos Estados Unidos,
retribuíste a gentileza a Barrichelo, vinhas liderando a prova desde o início e
nos últimos segundos, deixaste o companheiro de equipe ganhar a corrida.
Não
posso deixar de falar também no acidente que sofreste em 1999, durante o Grande
Prêmio da Grã-Bretanha. As rodas travaram e perdeste o controle do carro, indo
bater violentamente no muro protegido por pneus. Fraturaste a perna direita e
ficaste fora por sete corridas, fato que te impossibilitou ganhar o campeonato.
Desculpa
Schummy, mas precisava falar também desses assuntos desagradáveis, afinal eles
também fazem parte da história.
Após
o ano de 2006, no qual fizeste uma das melhores de tuas temporadas, anunciaste
tua aposentadoria da F1. Mas a paixão pelo esporte era tão grande que não
resististe ficar longe dele e voltaste. Eras o piloto mais experiente, mas
estava em uma equipe que estava aquém da Ferrari e de outras grandes equipes e,
como conseqüência, o teu desempenho não foi tão brilhante como das outras
vezes. Em 2012 deixaste de vez a Fórmula 1. Mas como se diz aqui no Brasil:
“Quem foi rei, nunca perde a majestade”.
Hoje
é teu aniversário e te encontras em uma região de fronteira entre a vida e a
morte. Estás em estado de coma induzido num hospital francês de Grenoble,
devido a uma queda que sofreste enquanto praticavas um de teu hobby preferido:
esquiar. A queda provocou um grave traumatismo craniano. Hoje fiquei esperando
pronunciamento oficial sobre teu estado de saúde, mas não deram nenhuma
notícia. O que foi divulgado pela imprensa é que tua família agradeceu o apoio
dos fãs que torcem pela tua recuperação. Teus familiares disseram também que és
um lutador e que não irás desistir.
Já
ouvi muitos relatos de pessoas que estavam em coma e seus espíritos começam a
fazer uma viagem para ver lugares do passado e pessoas queridas. Certamente, se
teu espírito viaja, ele deve estar em Hürt-Hermülheim, Kerpen-Mannhein, em
Colonia, na Alemanha, em meio a tua família, formada por gente simples e
modesta. Feliz demais, brincando no teu pequeno kart, montado no quintal da tua
casa por teu pai. Um raio de sol brilhante descia de céu e banhava,
especialmente a ti.
A
ti, que já vencestes tantas corridas, tantas lutas, e que agora enfrentas a maior delas: a luta pela vida, te dedico um
trecho da canção Noites Traiçoeiras: “Seja qual for o teu problema. Fale com
Deus, ele vai ajudar você. Após a dor, vem a alegria. Pois Deus é amor e não te
deixará sofrer”. Como disse, estás num região de fronteira, se decidires voltar
para esta vida, e queremos muito que voltes, ficaremos muito honrados,
novamente, em habitar o mesmo mundo que habitas. Se tiveres que atravessar a
fronteira e seguires teu caminho iluminado nas sendas da eternidade,
choraremos, evidentemente, mas continuaremos rezando por ti, e no final, nos
reencontraremos.
E
assim, te desejo FELIZ ANIVERSÁRIO! E mais que isso: CORGEM SCHUMACHER! FORÇA,
CAMPEÃO! LUTE PELA VIDA, COMO LUTASTE PELAS VITÓRIAS!
São
os meus votos, os votos dos brasileiros e os votos do mundo inteiro.
Um abraço,
José
Flávio
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