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Entrevista concedida pelo Papa Francisco a Rede Globo/GloboNews – Parte 2
Posted by Cottidianos
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01:28
Quarta-feira, 31 de Julho
Segue, conforme prometido, a segunda parte da entrevista que o Papa Francisco concedeu ao repórter Gerson Camarotti e que foi ao ar no Fantástico e na Globo News. Na primeira parte da entrevista, o leitor encontrará link para o vídeo no site da emissora.
Segue, conforme prometido, a segunda parte da entrevista que o Papa Francisco concedeu ao repórter Gerson Camarotti e que foi ao ar no Fantástico e na Globo News. Na primeira parte da entrevista, o leitor encontrará link para o vídeo no site da emissora.
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O Papa Bento XVI renunciou em fevereiro, no momento em que a Cúria Romana, o organismo que administra a Igreja, era alvo de escândalos; lavagem de dinheiro no banco do Vaticano, o vazamento de documentos sigilosos – conhecidos com Vatealiks - e no mundo havia também os casos de pedofilia envolvendo muitos países. Assim que assumiu, o Papa Francisco iniciou uma série de mudanças, criou uma comissão para reformar a Cúria e alterou o código penal do Vaticano para punir com mais rigor os abusos sexuais contra crianças, crimes financeiros e vazamento de documentos. Recentemente, depois que o Papa nomeou uma comissão para fiscalizar o Banco do Vaticano, investigações sobre lavagem de dinheiro levaram à prisão o Monsenhor Nunzio Scarano, acusado de levar vinte milhões de euros da Suíça para a Itália em jatinho privado. Nesse trecho da entrevista eu pedi a ele que falasse especificamente dos escândalos que envolvem a Cúria
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Gerson Camarotti - Papa Francisco, quando o Sr. foi escolhido no conclave, a Cúria Romana, especificamente, era alvo de críticas, inclusive, críticas internas de vários cardeais. E o sentimento que eu percebi, ao menos, dos cardeais com quem conversei, era um sentimento de mudança. Esse sentimento está correto?
Papa Francisco - Vou abrir um parênteses um momento. Quando fui eleito tinha ao meu lado o meu amigo, o cardeal Hummes. Porque, pela ordem do mais antigo, estávamos um atrás do outro. E foi ele que me disse uma frase que me fez tanto bem: “Não se esqueça dos pobres.” É lindo. Quanto a Cúria Romana, ela sempre foi criticada. Ás vezes mais, às vezes menos. A Cúria se presta a críticas. E como têm que resolver muitas coisas, algumas coisas as pessoas gostam outras não. Alguns tramites estão bem direcionados. Outros mal enfocados, mal direcionados. Como em toda organização. Eu diria isto: na Cúria Romana há muitos santos. Cardeais santos, bispos santos, sacerdotes, religiosos, leigos santos... Gente de Deus que ama a igreja. Isso não aparece. Faz mais barulho uma árvore que cai do que um bosque que cresce. Ouvem-se os ruídos dos escândalos. Agora mesmo, temos um. Escândalo de transferência de 10 ou 20 milhões de dólares de monsenhor Nunzio Scarano. Belo favor faz esse senhor à Igreja, não é? Mas é preciso reconhecer que ele agiu mal, e a Igreja tem que dar a ele a punição que merece. Agiu mal. Há casos desse tipo. No momento do conclave, antes temos o que chamamos congregações gerais - uma semana de reuniões dos cardeais. Naquela ocasião, falamos claramente dos problemas. Falamos de tudo. Porque estávamos sozinhos, e para saber qual era a realidade e traçar o perfil do novo Papa. E dali saíram problemas sérios, derivados em parte de tudo o que vocês conhecem: do Vatileaks e assim por diante. Havia problemas de escândalos. Mas também havia os santos. Esses homens que deram sua vida para trabalhar pela Igreja de maneira silenciosa no Conselho Apostólico. Também se falou de certas reformas funcionais que eram necessárias. Isso é verdade. E foi pedido ao novo Papa que formasse uma comissão de fora, para estudar os problemas de organização da Cúria Romana. Um mês depois da minha eleição eu nomeei essa comissão de oito cardeais, um de cada continente, para a America, dois um da América do Norte e outro da América do Sul. Com um coordenador que é também latino-americano e um secretário italiano. E já chegaram muitos documentos obtidos pelos membros das comissões e que estamos examinando. Teremos uma primeira reunião oficial sobre isso nos dias 1, 2 e 3 de outubro. E discutiremos algumas pautas. Não creio que sairão decisões definitivas. Porque a reforma da Cúria é muito séria, e as propostas são muito sérias, precisam ser amadurecidas. Calculo que sejam necessárias duas ou três mais, antes que apareça alguma reforma. Por outro lado, os teólogos dizem, não sei se desde a Idade Média, em latim dizem: “A Igreja sempre precisa ser reformada.” Para não ficar para trás. Então isto é importante não só pelos escândalos do Vatealiks, conhecidos em todo o mundo, mas porque a Igreja sempre precisa ser reformada. Há coisas que serviam no século passado, para outras épocas, outros pontos de vista, que agora não servem mais. E é preciso reorganizar. A Igreja é dinâmica e responde às coisas da vida. E isso foi pedido nas reuniões prévias dos cardeais.
Gerson Camarotti - Nesse momento, quero saber da sua mensagem aos jovens brasileiros. Estamos na Jornada Mundial da Juventude, sua mensagem, no momento em que os jovens estão nas ruas do Brasil protestando e demonstrando insatisfação. Insatisfação de uma forma muito ampla. Eu queria saber qual a mensagem para este jovem?
Papa Francisco - Em primeiro lugar, preciso ser claro, ao dizer que não conheço os motivos dos protestos dos jovens. Então se digo algo a respeito sem tomar conhecimento, faço mal, faço mal a todos. Pois daria uma opinião sem conhecer. Com toda a franqueza não sei bem porque os jovens estão protestando. Primeiro ponto. Segundo ponto: um jovem que não protesta não me agrada. Porque o jovem tem a ilusão da utopia, e a utopia não é sempre ruim. A utopia é respirar e olhar adiante. O jovem é mais espontâneo, não tem tanta experiência de vida, é verdade. Mas às vezes a experiência nos freia. E ele tem mais energia para defender suas ideias. O jovem é essencialmente um inconformista. E isso é muito lindo! Isso é algo comum a todos os jovens. Então eu diria que de uma forma geral, é preciso ouvir os jovens, dar-lhes lugares para se expressar, e cuidar para que não sejam manipulados. Porque há tanta exploração de pessoas, trabalho escravo há tantos tipos de exploração... Eu me atreveria a dizer uma coisa, sem ofender. Há pessoas que buscam a exploração de jovens. Manipulando essa ilusão, esse inconformismo que existe. E depois arruínam a vida dos jovens. Portanto cuidado com a manipulação dos jovens. Temos sempre que ouvi-los. Cuidado. Uma família, um pai, uma mãe, que não escutam o filho jovem, o isolam, geram tristeza em sua alma e não tem uma experiência enriquecedora...
Na seqüência o Papa abordou um assunto sobre o qual ele havia falado no encontro com os fiéis argentinos, na Catedral Metropolitana do Rio, na mesma quinta-feira: o dinheiro.
Este mundo atual em que vivemos, tinha caído na feroz idolatria do dinheiro. E há uma política mundial, muito impregnada pelo protagonismo do dinheiro. Quem manda hoje é o dinheiro. Isso significa uma política mundial economicista, sem qualquer controle ético, um economicismo autossuficiente, e que vai arrumando os grupos sociais de acordo com essa conveniência. O que acontece então? Quando reina este mundo da feroz idolatria do dinheiro, se concentra muito no centro. E as pontas da sociedade, os extremos, são mal atendidos, não são cuidados e são descartados. Até agora, vimos claramente, como se descartam os idosos. Há toda uma filosofia para descartar os idosos. Não servem, não produzem. Os jovens também não produzem muito. É uma carga que precisa ser formada. O que estamos vendo agora é que a outra ponta, a dos jovens, está em vias de ser descartada. O alto percentual de desemprego entre os jovens da Europa é alarmante. Nós vemos um fenômeno de jovens descartados. Então para sustentar esse modelo político mundial, estamos descartando os extremos. Curiosamente os que são promessas para o futuro. Porque o futuro quem vai nos dar são os jovens que seguirão adiante e os idosos que precisam transferir sabedoria para os jovens. Descartando os dois, o mundo desaba. Hoje, há crianças que não tem o que comer no mundo. Crianças que morrem de fome, de desnutrição, basta ver fotografias de alguns lugares do mundo. Há doentes que não tem acesso a tratamento. Há homens e mulheres que são mendigos de rua e morrem de frio no inverno. Há crianças que não tem educação. Nada disso é notícia. Mas quando as bolsas de algumas capitais caem 3 ou 4 pontos, isso é tratado como uma grande catástrofe mundial. Compreende, esse é o drama desse humanismo desumano que estamos vivendo. Por isso é preciso recuperar os extremos, crianças e jovens. E não cair numa globalização da indiferença, em relação a esses dois extremos que são o futuro da população. Perdoe se me estendi e falei demais. Mas acho que com isso lhe passo o meu ponto de vista. O que está acontecendo com os jovens no Brasil, não sei. Mas não se deve manipulá-los e é preciso escutá-los, pois esse é um fenômeno mundial que vai muito além do Brasil.
Gerson Camarotti - Papa Francisco, a última pergunta: que mensagem o Sr. falaria para os brasileiros católicos, mas também para os brasileiros que não são católicos, ou seja, de outras religiões?
Papa Francisco - Creio que é preciso estimular uma cultura do encontro, em todo o mundo. No mundo todo. De modo que cada um sinta necessidade de dar a humanidade os valores éticos que a humanidade necessita. E defender essa realidade humana. Nesse aspecto acho que é importante que todos trabalhemos pelos outros, podar o egoísmo. Um trabalho pelos outros segundo os valores da sua fé. Cada religião tem suas crenças. Mas dentro dos valores de sua própria fé, trabalhar pelo próximo e nos encontrarmos todos para trabalhar pelos outros. Se há uma criança que tem fome, que não tem educação, o que deve nos mobilizar é que deixe de ter fome, que tenha educação. Se essa educação virá dos católicos, dos protestantes, dos ortodoxos ou dos judeus, não importa. O que me importa é que o eduquem e saciem a sua fome. Temos que chegar a um acordo quanto a isso. Hoje a urgência é de tal ordem que não podemos brigar entre nós, à custa do sofrimento alheio. Primeiro trabalhar pelo próximo, depois conversar entre nós com muita grandeza, levando em conta a fé de cada um, buscando nos entender. Mas, sobretudo hoje em dia, urge a proximidade. Sair de si mesmo para solucionar os tremendos problemas mundiais que existem. Acredito que as religiões, as diversas confissões não podem dormir tranquilas, enquanto exista uma única criança que morra de fome, uma só criança sem educação. Um só jovem ou idoso sem atendimento médico. Mas o trabalho das religiões, das confissões, não é beneficência. É verdade. Mas pelo menos em nossa fé católica, e em outras fés cristãs vamos ser julgados por essas obras de misericórdia.
Gerson Camarotti - Muito obrigado Papa Francisco, muito obrigado.
Papa Francisco - Eu é que agradeço você, e a sua gentileza.
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