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Entrevista concedida pelo Papa Francisco à Rede Globo/GloboNews – Parte 1

Posted by Cottidianos on 01:16
O Papa Francisco esteve no Brasil? Sério?! Eu não vi. Na verdade eu vi sim. Mas não foi um Papa. Esta palavra remete a um líder religioso, mas também a chefe de Estado. E, portanto, está ligada a uma palavra forte: poder. O que eu vi durante esta semana em que se desenrolou a 28ª oitava Jornada Mundial da Juventude - que teve como palco as areias de Copacabana - Rio de Janeiro, foi um pastor apascentando suas ovelhas. Não um homem distante, mas um servo próximo. Não um bispo de que se fecha numa caixa de vidro, mas um pastor que vai ao meio do povo e os acolhe, os abraça, que diz com verdade: eu amo vocês. Francisco em sua primeira viagem internacional cativou a todos: católicos, não católicos, autoridades, gente humildade. Com seu sorriso cativante, seus gestos humildes nos mostrou um novo jeito de ser Igreja. Um novo jeito de ser gente. Que na verdade não deveria ser “um novo jeito”, deveria, em verdade, ser a nossa essência. Mostrou também um vigor impressionante para um homem de 76 anos. Foi uma semana de muitos, muitos compromissos. E em nenhuma das vezes que a TV mostrou sua imagem eu vi homem cansado. Ao contrário, vi em seus gestos, além de humildade, alegria, entusiasmo. Acho que gostamos tanto de Francisco porque nos reconhecemos nele como latino-americanos que somos. Em nossa seriedade; alegres e divertidos. Daqueles que “perdem o amigo, mas não perdem a piada”. Foi o que vi ele fazer quando encontrou um bispo já de idade avançada. Francisco abriu um largo sorriso e disse: “Você, por aqui?! Pensei que já tivesse morrido”. E, as gargalhadas se abraçaram. Não é fato, a imagem da TV mostrou claramente essa cena.
Enfim, a JMJ chegou ao fim, por volta da 19h15 deste domingo o avião que levava o pastor de volta à Itália levantou voo. Logo em seguida, a TV Globo anunciou uma joia rara. O Papa Francisco havia concedido uma entrevista exclusiva mundial - a primeira depois de sua eleição no Vaticano, em março deste ano - ao repórter Gerson Camarotti, da Globo News, na verdade uma parceria entre Globo News e Rede Globo. Em uma longa entrevista o Papa falou, dentre outras coisas sobre os escândalos no Vaticano e o trabalho da igreja para conquistar novos fieis. A entrevista foi ao ar neste domingo (28/07), em primeira mão, no Programa Fantástico, da Rede Globo de Televisão. A seguir  a entrevista transcrita na integra. Tomei a liberdade de dividi-la em duas partes. Sendo a primeira parte postada hoje. Ao repórter Gerson Camarotti, meu parabéns, por uma entrevista de tamanha relevância. Gerson é repórter especial do Jornal das 10, na Globo News. Para quem não viu a entrevista, no Fantástico deste domingo, segue o link para o vídeo com a entrevista no site da emissora: 


Vamos à entrevista!

***
Gerson Camarotti - Papa Francisco o Sr. chega ao Brasil. Tem uma receptividade muito calorosa dos brasileiros. Há uma rivalidade histórica, Brasil e Argentina, pelo menos no futebol. Como o Sr. recebeu este gesto de afeto dos brasileiros?

Papa Francisco - Eu me senti recebido com um afeto que não conhecia, de forma muito calorosa. O povo brasileiro tem um grande coração. Quanto à rivalidade, creio eu, já está superada totalmente porque negociamos bem: o Papa é argentino, mas Deus é Brasileiro. Acho que... Me senti muito bem recebido, com muito carinho.

Gerson Camarotti - Santo Padre, o Sr. utilizou no Brasil, ao chegar, e continua utilizando um carro modelo muito simples. Há notícias de que o Sr. condenou padres que usavam carros, de luxo.  O Sr. inclusive optou por morar na Casa Santa Marta. Essa sua simplicidade é uma determinação a ser seguida por padres, por bispos e por cardeais?

Papa Francisco - O carro que estou usando aqui é muito parecido com o que uso em Roma. Simples, do tipo que qualquer um pode ter. Sobre isso penso que temos que dar testemunho de certa simplicidade. Eu diria inclusive de pobreza. Nosso povo exige a pobreza de nossos sacerdotes. Exige no bom sentido, não pede isso. O povo sente seu coração magoado quando nós,  as pessoas consagradas, estamos apegadas a dinheiro. Isso é ruim.  E realmente não é um bom exemplo que um sacerdote tenha um carro último tipo, de marca. Isso digo aos párocos, em Buenos Aires, dizia sempre: é necessário que o padre tenha um carro. É necessário. Porque na paróquia há mil coisas a fazer, deslocamentos são necessários. Mas tem que ser um carro modesto. Isso quanto ao automóvel. Quanto a decisão de viver em Santa Marta, não foi tanto por razões de simplicidade. Porque o apartamento papal é grande, mas não é luxuoso. Mas a minha decisão de ficar em Santa Marta tem a ver com meu modo de ser. Não consigo viver só. Não posso viver fechado. Preciso do contato com as pessoas. Então... costumo explicar da seguinte forma: Fiquei em Santa Marta por razões psiquiátricas. Para não ter que estar sofrendo essa solidão que não me faz bem. E também para economizar, porque caso contrário teria que gastar muito dinheiro com psiquiatras. E isso não é bom. Mas é para estar com as pessoas. Santa Marta é uma casa de hospedes em que vivem uns 40 bispos e sacerdotes que trabalham na Santa Sé. Tem uns 130 cômodos, mais ou menos. E sacerdotes, bispos, cardeais e leigos que se hospedam em Roma e ficam lá. Eu como no refeitório com todos. Café da manhã, almoço e jantar. E a gente sempre encontra gente diferente, e isso me faz bem. São essas as razões. E agora, a regra geral: Acredito que Deus está aí nos pedindo , neste momento, mais simplicidade. É algo interior que ele pede à Igreja.

Gerson Camarotti - Santo Padre, quando o Sr. chegou ao Rio de Janeiro, houve falhas na segurança, inclusive, o seu carro foi levado para o meio da multidão. O Papa Francisco ficou com medo? Qual o seu sentimento naquele momento?

Papa Francisco - Eu não sinto medo. Sou inconsciente, não sinto medo. Sei que ninguém morre de véspera. Quando for minha vez, o que Deus permitir, assim será. Mas, antes de viajar fui ver o papamóvel  que seria trazido para cá. Era cercado por vidros. Se você vai estar com alguém a quem ama, amigos e quer se comunicar, você vai fazer essa visita dentro de uma caixa de vidro? Não.  Então eu não poderia vir ver este povo que tem um coração tão grande, por trás de uma caixa de vidro. E nesse automóvel, quando ando pela rua, baixo o vidro. Para poder estender a mão, cumprimentar as pessoas. Quer dizer, ou tudo ou nada, ou a gente faz a viagem como deve ser feita, com comunicação humana, ou não se faz. Comunicação pela metade não faz bem. Eu agradeço – e nesse ponto tenho que ser muito claro – agradeço a segurança do Vaticano, pela forma como preparou esta visita. O cuidado que sempre tem. E agradeço a segurança do Brasil. Agradeço muito. Porque aqui estão tendo todo o cuidado comigo, ao evitar que haja algo desagradável. Pode acontecer, pode acontecer de alguém me dar um soco... Pode acontecer. As duas seguranças trabalharam muito bem. Mas as duas sabem que sou um indisciplinado, nesse aspecto. Mas não por agir como um menino levado, não. E sim porque vim visitar gente e quero tratá-la como gente. Tocá-la.

Nas duas últimas décadas, houve uma redução de quase 20% percentuais no número de católicos no Brasil. No mesmo período a população evangélica aumentou.

Gerson Camarotti - Papa Francisco, seu grande amigo, o cardeal Dom Cláudio Hummes, aqui do Brasil, ele falou algumas vezes já, sobre a pedra de fieis católicos aqui no continente, no Brasil, especificamente, para outras religiões, principalmente religiões evangélicas. Eu lhe pergunto: porque acontece isso? E o que pode ser feito?


Papa Francisco - Não conheço as causas, e tampouco as porcentagens. Não as conheço. Não conheço a vida do Brasil o suficiente para dar uma reposta. Acredito que o cardeal Hummes foi um dos que falaram, mas não tenho certeza. Mas se você está dizendo, sabe. Não saberia explicar esse fenômeno. Vou levantar uma hipótese. Pra mim é fundamental a proximidade da Igreja. Porque a Igreja é mãe, e nem você nem eu conhecemos uma mãe por correspondência. A mãe... dá carinho, toca, beija, ama. Quando a Igreja, ocupada com mil coisas, se descuida dessa proximidade, se descuida disso e só se comunica com documentos, é como uma mãe que se comunica com seu filho por carta. Não sei se foi isso o que aconteceu no Brasil. Não sei, mas sei que em alguns lugares da Argentina que conheço isso aconteceu. Essa falta de proximidade... a falta de sacerdotes. Faltam sacerdotes, então alguns locais ficam desassistidos. E as pessoas buscam, sentem necessidade do Evangelho. Um sacerdote me contou que foi como missionário a uma cidade do sul da Argentina onde não havia um sacerdote há quase 20 anos. Evidentemente as pessoas ouviam um pastor. Porque sentiam a necessidade de escutar a palavra de Deus. Quando ele foi até lá uma senhora, muito culta disse a ele: “Tenho raiva da igreja porque nos abandonou. Agora vou ao culto todos os domingos ouvir o pastor, que foi quem alimentou nossa fé durante todo esse tempo”. Ou seja, a falta de proximidade. Falaram sobre isso, o sacerdote a ouviu, e quando ia se despedir,  ela disse: “Padre, um momento. Venha”. E foi até um armário, abriu o armário, onde havia a imagem da virgem.  E disse a ele: “Eu a escondo aqui para que o pastor não a veja”. Essa mulher ia ao pastor, respeitava o pastor, ele falava a ela de Deus, e ela aceitava. Porque não tinha seu sacerdote. Mas as raízes da fé, ela as conservou escondidas num armário. Mas estavam lá. Esse é o fenômeno para mim mais sério. Esse episódio me mostra muitas vezes o drama da fuga, desta mudança. Falta de proximidade. Vou repetir essa imagem. A mãe faz assim com o filho (faz gesto deu quem segura uma criança nos braços): cuida, beija, acaricia e o alimenta. Não por correspondência.

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