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Ciberespaço Vigiado - Parte II
Posted by Cottidianos
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00:17
Terça-feira, 27 de agosto
Domingo,
25 de agosto. 13h45min
Em
algum de lugar de Moscou, Rússia.
Imagem: http://www.almanar.com.lb/english/adetails.php?eid=99469&cid=22&fromval=1 |
Um momento de lazer
Fazia
quase dois meses que estava em solo russo, contando o tempo que passara no
aeroporto. Moscou o surpreendera pela beleza de suas arquiteturas e pela
organização da cidade. Admirava o charme dos velhos edifícios e palácios, as
igrejas com suas torres em forma de cebola, isso sem falar do Kremlin e da
Praça Vermelha. A cidade amanhecera, naquele domingo, com tempo frio e nublado.
No início da tarde, começara a cair uma chuva fina e insistente baixando um
pouco mais a temperatura e, ao que parecia, permaneceria assim o restante do
dia. Eduard Snoweden ainda não se acostumara ao clima da cidade e resolveu
permanecer em casa.
Almoçara
tranquilamente e agora assistia, pela terceira vez, ao filme Missão Impossível (Mission: Impossible, título do original em inglês), com Tom Cruise,
no papel principal. No filme, Cruise é Ethan Hunt, agente secreto
norte-americano em missão na cidade de Praga, Tchecoslováquia. Em Praga, a equipe de trabalho de Hunt é assassinada
por outros agentes da mesma organização a qual ele pertence. Incriminado pela
morte dos companheiros, a missão de Hunt torna-se fugir dos assassinos, invadir
a impenetrável fortaleza da CIA, no Estado da Vírginia/USA, e roubar documentos
eletrônicos secretos que o levariam aos autores do assassinato de sua equipe.
Apesar de já ter visto o filme algumas vezes, Snowden não conseguia tirar os
olhos da tela. Era realmente um filme excelente.
Ao
final do filme, desligou o aparelho de DVD. O enredo do filme o fizera lembrar-se
de Bradley Manning, soldado norte-americano, acusado de fornecer mais de 700
mil arquivos secretos; vídeos de confrontos e comunicações diplomáticas, ao
site Wikileaks – um site de pró-transparência, em 2010. O soldado trabalhava
como analista de dados no Iraque. Através da Internet, fez contato com o hacker
Adrian Lamo, também americano. Bradley disse a Lamo que tinha em seu poder uma
base de dados que mostravam o modo como o primeiro mundo explorava o terceiro
mundo. Os dados foram entregues a Julian Assange – jornalista, escritor e
ciberativista australiano. Assange encarregou-se de divulgar as informações no
site Wikileaks. Depois de alguns dias, Bradley foi denunciado ao FBI por Lamo.
Snoweden soube, através da imprensa, que Bradley havia sido condenado a trinta
e cinco anos de prisão pelo vazamento das informações. Respirou aliviado por si
mesmo. Havia conseguido fugir antes que a polícia o prendesse. Era isso que aconteceria
se tivesse permanecido em solo americano.
Levantou-se,
enfim, da poltrona na qual havia se sentado para assistir ao filme. Olhou em
volta para o modesto apartamento que ocupava atualmente na capital russa. Caminhou
até a janela e abriu-a. Uma rajada de vento gelado roçou-lhe as faces, mesmo
assim, permaneceu na janela permitindo que sua vista passeasse pela cidade fria
e chuvosa.
Imagem: http://tcheinverno.blogspot.com.br/2011/09/conheca-lendaria-moscou.html |
Saudades
de casa
Enquanto
seus olhos vagavam por Moscou, seus pensamentos voaram até o Havaí. Levava uma
vida confortável e tranqüila. Ganhava um
bom salário trabalhando na Booz Allen Hamilton, uma multinacional subcontratada
pelo Pentagono, para assegurar serviços a National Security Agency (NSA).
Trabalhava na empresa como analista de comunicações. Alem disso, tinha o afeto
e carinho da bela dançarina Lindsay Mills, sua namorada, com quem dividia a
casa e a vida. Lembrava-se nitidamente das lágrimas que rolaram pelas faces
dela, quando se despediram no dia 20 de maio. A partir daí sua vida mudara “da
água para o vinho”, (mudara completamente).
Perdera
o carinho da namorada, o aconchego da família, o conforto, a
tranquilidade. Ás vezes se perguntava a
si mesmo: Teria valido a pena tamanho sacrifício? Chegava sempre à conclusão de
que sim. Consciência tranquila e sensação
de dever cumprido são tesouros valiosos.
Antes
de se despedir de Lindsay fizera outra coisa importante. Uma jogada de mestre á
qual lhe valera a liberdade. Estivera na
empresa onde trabalhava, no mesmo dia em que se despedira da namorada, e pedira
baixa com a desculpa de que precisava se submeter a um tratamento contra
epilepsia. Desse modo, conseguiu sair da empresa e do país sem levantar
suspeitas. Sabia de antemão que, quando as informações entregues a Gleen
Greenwald, – jornalista pelo qual tinha grande admiração - viesse à tona e ele,
Eduard, estivesse ainda em solo americano, seria preso imediatamente.
Denunciar
a teia de espionagem com que o governo americano envolve o mundo havia sido uma
decisão corajosa e nada fácil. Saíra dos Estados Unidos em direção a Hong Kong
no dia 20 de maio. Esperava encontrar asilo político ali. O governo chinês,
porém, não havia lhe concedido asilo no país. De Hong Kong, partiu em voo
comercial em direção a Moscou, onde no dia 24 de junho fez com que sua pista
fosse perdida no Aeroporto Internacional de Moscou. Pediu asilo em dezenas de
países e todos negaram. Pediu asilo
também na Rússia, onde estava. Vladimir Putin aceitou, com uma condição: a de
que ele parasse de fazer denúncias contra os Estados Unidos. Havia retirado o
pedido de asilo que fizera ao governo russo, pois não concordara com os termos
impostos. Finalmente depois de conversas que ele preferia manter em segredo, o
governo russo lhe concedeu asilo por um ano.
Enfim, era assim que estava sua vida depois que resolvera denunciar o
programa PRISM – programa através do qual a NSA armazena informações digitais
de toda a população do planeta; telefones, e-mails, sites de busca, dentre
outros.
Imagem: http://abcnews.go.com/US/nsa-leaker-edward-snowden-whistle-blower/story?id=19374578 |
Reflexões
Ele,
Eduard mudara radicalmente a própria vida e com isso proporcionara ao mundo a chance
de uma reflexão em relação a atitudes quanto a exploração do ciberespaço e das
tecnologias digitais. Está na hora de o mundo pensar uma legislação que proteja
a privacidade dos cidadãos. A Internet é hoje uma ferramenta indispensável na
vida de todos nós, não é o caso de se pensar numa autocensura. Isso não seria
bom para ninguém.
Os
governos precisam pensar em políticas que protejam a privacidade dos cidadãos.
Tivera contato com integrantes de uma organização francesa, a Comissão Nacional de Informática e
Liberdades que cuida de proteger dados pessoais. Essa organização amplia
seus objetivos ao pensar a construção de uma ética digital, ao capacitar as
pessoas para enfrentar os excessos dos grandes operadores de Internet e os excessos
do próprio Estado. Outra questão que o incomodava era ver, através dos meios de
comunicação, sua imagem tratada, ora como vilão, ora como herói. Ele, Eduard
Joseph Snowden, não se considerava nenhuma coisa nem outra. Era apenas um cidadão americano querendo
viver em paz.
Durante
o tempo em que fizera essas considerações a temperatura havia caído um pouco e
ele nem se dera conta. Tratou de fechar rapidamente a janela. Pelo tempo que
fazia lá fora, a promessa era de uma noite muito fria e solitária.
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