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Rio 2016: Jogos Olímpicos da exclusão e da ilusão
Posted by Cottidianos
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00:33
Quinta-feira,
04 de agosto
“Ontem um menino que brincava me falou
que
hoje é semente do amanhã...
Para
não ter medo que este tempo vai passar...
Não
se desespere não, nem pare de sonhar
Nunca
se entregue, nasça sempre com as manhãs...
Deixe
a luz do sol brilhar no céu do seu olhar!
Fé
na vida Fé no homem, fé no que virá!”
(Semente do Amanhã – Gonzaguinha)
Caros
leitores e leitoras,
Hoje
é um daqueles dias em que apenas compartilharei texto de outro veículo de
comunicação com vocês.
Mas,
mesmo assim, não perco a oportunidade de dirigir-lhes algumas palavras
relacionadas ao artigo que apresentarei.
No
domingo, assistia eu ao Fantástico, quando comecei a perceber que a Globo
estava apenas vendendo o seu peixe, o que é natural. Afinal, temos uma
Olimpíada acontecendo em nosso país, sem dúvida, um momento raro, histórico. Além
disso, a Globo é umas das grandes TVs do mundo, e, como tal, preparou uma
superestrutura, montada com as melhorias tecnologias e recursos. Isso sem falar
no time de profissionais de primeira linha, ex-atletas olímpicos, que a globo
escalou para fazer os comentários e transmissão das provas esportivas da Rio
2016, em suas mais diversas modalidades. Acresça-se a tudo isso o muito
dinheiro que entra para os cofres da emissora com todo esse trabalho que
reconheço feito com esmero.
Não
queria desligar a TV, mas também queria assistir todo aquele comércio em forma
de notícia, então fiquei vendo algumas coisas no computador, meio naquela “um
olho no peixe, outro no gato”.
Ao
mesmo tempo em que mais ouvia do que assistia a programação da Globo, fiquei pensando
na grandiosidade dos Jogos Olímpicos, em todas as delegações que aqui vem
competir, sem falar dos atletas brasileiros. Quantos sonhavam estar aqui, mas
ficaram no meio do caminho, seja por contusões, seja por acusações de doping,
mas enfim, é a roda da vida, girando, girando, e girando sem parar.
Também
tenho assistido em reportagens da emissora, algumas exaltações a uma linha de
trem no Rio, e que mais... Que mais tem sido exaltado? Deixe-me ver. Vasculho
em minha memória outras reportagens exaltando grandes feitos em infraestrutura
que poderão ficar como herança destes Jogos Olímpicos. Desisto. Se há algum
mais é tão ínfimo que nem consigo lembrar. Mas entendo a Globo, é preciso
mostrar algo de positivo, quero dizer, vender uma imagem positiva em meio ao
caos.
Meus
queridos pais costumavam dizer: “Quando a cabeça não pensa, o corpo é quem
padece”. Se neste dito popular, se
substituirmos as palavras cabeça e corpo por governantes e nação, teríamos
reescrito o ditado popular da seguinte forma: “Quando os governantes não
pensam, a nação é quem padece”.
Tomo
como linha de raciocínio para este parágrafo o anterior, e lamento as grandes
oportunidades que a nação perdeu de avançar em infraestrutura com estes dois
grandes eventos: a Copa do Mundo e as Olimpíadas. E a nação perdeu a
oportunidade de construir um legado a partir destas oportunidades porque
é governada por políticos hipócritas e incompetentes. Políticos que se acham os
grandes espertalhões, mas que não passam de pessoas carentes de Deus, e essa
segundo os mais evoluídos espiritualmente, é a pior das carências, porque faz
perder a alma.
É uma
pena que tenha sido assim. Dizem que cada nação tem o governo que merece. Eu, particularmente,
me recuso a acreditar que nós temos os governos que merecemos. Nós não
merecemos isso. O Brasil merece coisa melhor.
Enfim,
estou quase escrevendo outro texto, e ainda não fiz o link com o artigo que
quero compartilhar hoje com vocês.
Daqui
a algumas horas será realizada no histórico estádio do Maracanã, na Cidade
Maravilhosa, aos pés do Cristo Redentor, a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos
de 2016. Sempre gostei de assistir esse momento, acho sempre tudo tão mágico e
tão belo. Além dos efeitos especiais, esse momento representa o breve retrato
de um momento que deveria ser permanente no mundo todo: delegações de vários países
se dando as mãos e caminhando juntas, de mãos dadas: negros, brancos, jovens e
velhos, pessoas com suas limitações, e outras com grandes limitações físicas,
mas que puseram o coração e a vontade acima de todas as dificuldades e se
fizeram a si mesmas campeãs. Ainda que não conquistem medalhas de ouro, de
prata, ou de bronze, elas já serão vitoriosas.
Não
poderei assistir a cerimônia de abertura dos jogos, apesar de grande vontade
que sinto, devido a compromissos assumidos anteriormente que não será possível
desmarcar, mas verei os jogos, mergulharei na cartase do esporte, afinal, da
força de vontade dos atletas, também podemos tirar grandes lições para a nossa
própria vida.
Porém,
é preciso mergulhar nisso tudo, sem esquecer de que tudo isso é uma grande
farsa, uma grande ilusão, não por causa do esporte em si — louvado seja Deus
pelo esporte que encaminha para o bem tantas vidas que poderiam ter ficado
perdidas no meio do caminho, ou até mesmo, ter tomado o caminho errado.
Ao
falar de farsa e de ilusão, falo da segurança reforçada, das forças armadas nas
ruas do Rio, da grande concentração das agências de inteligência, nacionais e
internacionais, apenas porque é Rio 2016. Segurança pública não deveria ser
para nós, apenas artigo de luxo pra agradar e dar boa impressão aos gringos. Isso
deveria ser uma coisa permanente. Todo esse aparato militar nas ruas mostra
apenas que o que falta em nosso país é vontade política para acabar com o
terror que o tráfico e as milícias impõem aos moradores dos morros e favelas do
Rio e de todo o país, que, por extensão, acaba se estendendo a todos os que
vivem nas grandes cidades brasileiras.
Falo
eu das vidas que foram sacrificadas em nome dos interesses e do capital privado
para que as Olimpíadas pudessem acontecer, assim, meio de qualquer jeito. Falo das
milhares de crianças e jovens que não tendo atividades de lazer e de esporte,
ficam apenas a olhar o carregado céu das ilusões perdidas, tornando-se assim,
vítimas fáceis das garras do mal. Falo das obras que poderiam ter custado
menos, e nos custaram muito mais a todos nós, brasileiros e brasileiras, que
trabalhamos cinco meses por ano, para pagar impostos dos quais não vemos retorno,
ou o retorno que vemos é ínfimo. Falo do dinheiro desviado dessas obras que
foram abastecer os cofres das empreiteiras, dos partidos políticos, e de
empresários e políticos sem vergonha na cara.
Desejo
a todos, bons tempos de Jogos Olímpicos no Brasil. Faço votos de que eles
ocorram dentro da mais absoluta normalidade, sem atentados terroristas, nem a
peste da zika. Afinal, somos brasileiros, e queremos ver as coisas darem certo,
em todos os campos, olímpicos ou não. Entretanto,
não podemos nos deixar deslumbrar a ponto de esquecermos a noção de realidade.
Ah,
faltou dizer uma coisa. Na verdade, um elogio ao povo brasileiro. Foram a
gentileza e cordialidade do brasileiro que salvaram a Copa do Mundo, bem como
será essa qualidade que também salvará a Rio 2016. Porque se for esperar boa
vontade dos políticos para nos deixar algum legado, tanto a Copa, quanto a Rio
2016, seriam um fracasso total.
Acabei
me empolgando e escrevendo meu próprio texto como perceberam. Entretanto, como
promessa é dívida, segue artigo publicado na seção de opinião do jornal El PaísBrasil. O artigo foi intitulado, Os Jogos Olímpicos do Rio serão lembrados como os Jogos da exclusão?, e é de autoria da pesquisadora, Julia Mello Neiva.
***
Os
Jogos Olímpicos do Rio serão lembrados como os Jogos da exclusão?
As
instituições democráticas poderiam ter protegido e amparado brasileiros na
preparação para os Jogos. Mas isso não aconteceu
JÚLIA
MELLO NEIVA
2
AGO 2016
Em
agosto, a cidade do Rio de Janeiro vai sediar pela primeira vez os Jogos
Olímpicos e Paraolímpicos em meio a um dos momentos políticos mais turbulentos
que o país já viveu. A crise política e social no Brasil tem mostrado que
muitas de nossas instituições democráticas ainda carecem de consolidação. Estas
são as mesmas instituições que poderiam ter protegido e amparado brasileiros na
preparação para os Jogos, assegurando um legado positivo. Isso não aconteceu.
No
início deste ano, conheci e entrevistei lideranças comunitárias e moradores da
Vila Autódromo, bairro do Rio localizado ao lado do Parque Olímpico.
Acompanhada da Justiça Global, reconhecida organização de direitos humanos,
presenciamos um protesto de moradores, com apoio de pessoas e organizações que
lutam em favor da comunidade. O protesto era contra o fato de que moradores
cujas casas estavam dentro da construção do Parque Olímpico estarem sendo
impedidos pelas autoridades locais de entrar e sair livremente de suas casas.
Mulheres
líderes, corajosas e fortes, deram seus testemunhos sobre as violações dos
direitos humanos a que estavam sendo constantemente submetidas, devido às obras
para sediar os Jogos. Famílias foram despejadas e removidas sem consulta ou
acesso à informação. Foram deixadas sem voz para denunciar os problemas de sua
comunidade, que costumava ser uma área tranquila e segura, cercada de natureza.
Para algumas dessas famílias foram prometidas novas casas, e as chaves deveriam
ter sido entregues na semana passada. Durante anos de construção para receber
os Jogos, havia relatos frequentes de cortes de água e luz bem como de
violência perpetrada pelas forças de segurança. A moradora Heloisa Helena,
conhecida como Luizinha de Nanã, disse que por mais de dois anos teve o acesso
restrito a sua casa e centro religioso. A casa mais tarde foi demolida.
Como
afirmamos em outra ocasião, esses mesmos moradores já haviam denunciado que a
prefeitura do Rio teria negociado com empresas privadas a construção de prédios
a classe média no bairro onde vivem, causando com isso a remoção de ao menos
mil famílias pobres. Segundo os moradores, as obras planejadas excluíam os
pobres do que a prefeitura e empresas privadas têm chamado de “progresso”.
Além
disso, muitas famílias perderam suas casas para a especulação imobiliária ou
para reformas e construções classificadas pelo governo local como necessárias
ao desenvolvimento da cidade e recebimento dos Jogos. Os atingidos pelas
"remoções desnecessárias e injustas" nunca foram adequadamente consultados,
tampouco participaram de tomadas de decisão, como afirmam Raquel Rolnik,
ex-Relatora da ONU por Moradia Digna, RioonWatch e Lena Azevedo e Luiz Baltar
em seu estudo sobre as remoções no Rio. Sem dúvida, os atingidos não estarão no
público assistindo os Jogos; as construções transformaram suas vidas para
sempre, não apenas no período das Olimpíadas. Acrescente-se a este legado
sombrio, os trabalhadores que morreram durante as obras de construção para as
Olimpíadas e para a Copa do Mundo.
Aqueles
que têm resistido bravamente em protestos nas ruas em oposição aos abusos
relacionados aos Jogos têm muitas vezes sofrido com violência policial e das
forças de segurança. Infelizmente isso provavelmente ocorrerá novamente com
grupos e também membros do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas que estão
organizando mais uma vez importantes debates e protestos, dias antes dos Jogos
começarem, para mostrar o quanto tais jogos excluíram pessoas e direitos. Neste
contexto cabe lembrar que a lei de antiterrorismo, recentemente aprovada, já
tem sido usada infelizmente para deter manifestantes e continuará a colocar em
riscos direitos humanos muito tempo depois de terem terminado as Olimpíadas.
A
promessa de proteger o meio ambiente durante a preparação para os Jogos também
não foi cumprida. Muitas árvores foram derrubadas, piorando a já comprometida
qualidade do ar, afetando diretamente as comunidades do entorno. Exemplos
tristes e perturbadores do descaso com o meio ambiente são a Baía de Guanabara
contaminada e rios poluídos, os quais o governo havia prometido limpar. E chama
a atenção a construção controversa de um campo de golfe em área de proteção
ambiental, o que revela planejamento e políticas equivocadas, para dizer o
mínimo.
Os
Jogos receberam altos investimentos públicos mas que prioritariamente favorecem
interesses privados. Para muitos brasileiros, isto maculou o que poderia ter
sido um momento de orgulho para o país. É lamentável que uma vez mais a
oportunidade de deixar um legado duradouro e positivo tenha sido totalmente
perdida. Recentemente até o prefeito do Rio assumiu ser esta uma oportunidade
perdida, embora pouco tenha feito para impedir que isso acontecesse. Ainda está
por saber se haverá algum legado positivo decorrente dos dois grandes eventos
esportivos que o Brasil sediou a Copa do Mundo 2014 e Jogos Olímpicos 2016. No
momento, identificamos algumas instalações esportivas novinhas em folha e
algumas melhorias de transporte, resta saber porém se esses novos estádios e
outras construções terão de utilidade pública após os eventos.
Tanto
o governo como as empresas deveriam ter feito muito mais e tragédias não teriam
ocorrido. Más condições de trabalho e mortes teriam sido evitadas se os
direitos humanos e os princípios e as boas leis trabalhistas que o país tem
tivessem sido respeitados. O mesmo pode ser dito sobre as remoções e outras
violações já mencionadas. Infelizmente, porém, parece que os Jogos Olímpicos
Rio 2016 serão lembrados como os "Jogos da exclusão".
JÚLIA
MELLO NEIVA é pesquisadora sênior e representante para o Brasil, Portugal e
países Africanos de língua portuguesa no Centro de Informação sobre Empresas e
Direitos Humanos.
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