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Maratona dos Jogos Olímpicos de Atenas, 2004: uma história dramática e curiosa

Posted by Cottidianos on 00:15
Segunda-feira, 08 de agosto

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“Queridos amigos, Só Deus é mais importante do que minha saúde! Em minha vida tive fraturas, cirurgias, dores, internações em hospitais, vitórias e derrotas, e sempre respeitando aqueles que me admiram. A responsabilidade das decisões é minha onde sempre procurei não decepcionar a minha família e o povo brasileiro. Nesse momento eu não estou em condições físicas de participar da abertura da Olimpíada. E como brasileiro, peço a Deus que abençoe a todos que participarem desse evento e que seja um grande sucesso e termine em paz!”

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Palavras introdutórias


Quando Vanderlei Cordeiro de Lima pegou a tocha olímpica das mãos da ex-jogadora de basquete, Hortência, nos momentos finais da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2016, no estádio Maracanã, Rio de Janeiro, dois surpresos olhos estavam sobre ele: um de raiva, ódio, e rancor, e outro de orgulho, alegria e felicidade. O primeiro, numa cidade ao sul de Londres, e o outro em alguma cidade da Grécia.

Lembram-se daquelas novelas clássicas da Globo, que chegaram a ter dois finais gravados, e sobre as quais se fazia absoluto mistério quanto ao desfecho da trama, reveladas, quase sempre, no último capítulo, a exemplo de Rock Santeiro, e mais, recentemente, Avenida Brasil?

Pois bem, o momento mais importante da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio, também foi aguardado com ansiedade. Ninguém sabia até o último momento quem seria aquele, ou aquela que acenderia a tocha olímpica, dando início, de fato, aos jogos olímpicos e paraolímpicos de 2016.

Havia muitas especulações, mas ninguém sabia quem acenderia a tocha, mesmo entre os mais influentes no mundo esportivo ninguém sabia. Esse foi um segredo guardado a sete chaves.

A mensagem  em parágrafo recuado, e em itálico, que abre esse texto é de Pelé — atleta que dispensa apresentações — e foi publicada pelo atleta em suas redes sociais.

Pelé, o rei do futebol, segundo o diretor de comunicação do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos, Mário Andrada, era a primeira opção para acender a pira olímpica. Ele chegou a ser esperado até os últimos momentos, porém, o médico que trata do problema no quadril de Pelé, achou melhor que seu paciente, não participasse da cerimônia a fim de não prejudicar a saúde do atleta.

Durante a semana houve muitas especulações sobre quem seria teria a honra desse momento sublime. Guga, Hortência, Pelé. Pelé, como já disse, não pôde. Guga e Hortência, até participaram desse momento. O primeiro entrou com a tocha olímpica no estádio Maracanã. A segunda passou a tocha olímpica para Vanderlei Cordeiro que, subindo os degraus que representavam o Monte Olimpo, morada dos deuses, acendeu a tocha olímpica dos jogos Olímpicos de 2016, sob as bençãos do Cristo Redentor, em uma cerimônia de abertura, memorável, esplendorosa.

O momento sublime de acender a tocha acabou ficando sob a responsabilidade de Vanderlei, que, na verdade, era o plano B. Porém, foi uma escolha que agradou imensamente aos brasileiros. Acender a tocha em jogos olímpicos é tarefa apenas reservada a atletas de grande expressão. E porque Vanderlei Cordeiro de Lima conquistou esse direito?

Para compreender isso, vamos voltar no tempo a outros Jogos Olímpicos.


Maratona dos Jogos Olímpicos de Atenas. 2004


Era tarde de domingo. 29 de agosto de 2004.

Em Atenas, acontecia mais uma edição dos Jogos Olímpicos.

Naquele domingo, acontecia a maratona olímpica de Atenas. O brasileiro Vanderlei Cordeiro de Lima voava na pista de corrida. Liderando a maratona, o brasileiro sentia a medalha, em volta do pescoço, cada vez mais perto.

Vanderlei tinha entrado o ano de 2004, com o pé direito. No inicio daquele ano, ele havia vencido a Maratona de Hamburgo, na Alemanha. Após isso, ele partiu para a altitude da cidade colombiana de Paipa. Um paraíso de águas termais. Ali naquele paraíso de águas quentes, perfeito para recuperação de corredores de longas distâncias, Vanderlei se estabeleceu, junto com seu treinador, Ricardo D’Angelo, e iniciou a preparação para a sua terceira participação em jogos olímpicos.

Enfim, chegou agosto do ano em questão, e era hora de arrumar as malas e partir para Atenas. Técnico e atleta foram para a terra dos deuses. Porém, por não pertencer ao grupo de técnicos do COB, Ricardo não pode acompanhar Vanderlei, nem nos preparativos finais para a maratona, nem na largada.

Assim, nesse momento tão importante de uma prova tão importante, sem a presença daquele que o ajudara tanto durante a preparação em Paipa, o maratonista brasileiro largou na pista como uma flecha.

Quando chegou ao quilometro 30, um dos trechos mais difíceis do percurso, Wanderley tinha uma folgada distância entre ele e seu principal adversário, Paulo Tergat, do Quênia. Nesse momento, o brasileiro lembrou-se das palavras escritas na carta de seu treinador, e que ele havia lido ainda na Vila Olímpica, momentos antes de sair para o local de largada da maratona. Dizia a carta: “Lembre-se da forte subida no quilômetro 30. Se você estiver se sentindo bem, arrisque, porque se não arriscar, você nunca vencerá. Minha confiança em você é imensa, então vamos lutar pelo objetivo com que sonhamos há tanto tempo. Não importa o que aconteça no fim, lembre-se que você sempre terá minha amizade e confiança, e também lembre-se que eu o admiro pela pessoa maravilhosa que você é. Então, boa sorte, e vamos tomar uma cerveja juntos depois da corrida”.

Entretanto, aquela era uma pista cheia de feras. Nela também estavam: Lee Bong-Ju, que havia sido medalha de prata, em Atlanta, 1996, Stefano Baldini, campeão europeu, e Erick Wainaina, medalhista de bronze em Atlanta, e de prata em Sydney, em 2000.

Seguia a maratona de Atenas, e havia mais de uma hora, Vanderlei liderava a corrida sozinho, e o que era melhor, via a distância entre eles e os outros competidores aumentar cada vez mais.

Vanderlei chegara ao quilometro 35. Olhou mais uma vez por sobre os ombros. Um confiante sorriso de satisfação de ouro iluminou seu sorriso e se estendeu por toda a sua face. A distância entre seus adversários era enorme. Tudo bem que ainda faltavam sete quilômetros para a chegada ao estádio Panathinaiko. Se continuasse naquele ritmo, pensava ele, só uma grande onda de azar tiraria dele o prazer de segurar a medalha de ouro. Afinal a distancia entre ele e as outras feras da maratona era de cerca de 150 metros.
E veio uma grande maré de azar veio na pessoa de um padre irlandês.

Quando havia chegado ao km 36, Cornelius Horan, um padre irlandês, saiu dentre a multidão que assistia a prova, e agarrou o maratonista brasileiro. Horan puxou Vanderlei para fora da pista de corrida. O brasileiro tentava, desesperadamente, se desvencilhar das mãos do padre irlandês, mas sem sucesso. Até que um grego que assistia a corrida, e presenciava a cena, correu em direção aos dois, agredido e agressor, e ajudou Vanderlei a se desvencilhar das mãos do irlandês.

Polyvios Kossivas, o grego que ajudou Vanderlei, não estava na rua assistindo à corrida. Ele estava na tranquilidade do sofá da casa dele, vendo a corrida. Gostou do estilo arrojado de corrida do brasileiro, e resolveu então desligar a TV e ir pra rua, assistir a passagem do brasileiro, ao vivo e a cores. Acompanhado da mulher e da filha, o grego esperava a passagem do brasileiro, quando o viu se debatendo nas mãos do irlandês. Não teve dúvidas. Correu em direção à confusão, com o intuito de livrar o brasileiro daquele embaraço. E essa foi a maré de sorte de Wanderley. Esse acaso levou Polyvios a ser participe de um episódio, no mínimo, curioso.

Livre da agressão, com a importante ajuda do grego, Vanderlei conseguiu voltar à prova ainda na condição de liderança. Entretanto, a distância entre ele os demais maratonistas já havia diminuído pela metade. Esse fator, aliado ao esforço que havia feito para se livrar do incomodo e maldoso padre, bem como o estresse que toda cena havia causado, fez Vanderlei perdeu a concentração, o ritmo, e ele foi ultrapassado pelo norte-americano Meb Keflezighi.

Apesar de todos esses contratempos, Vanderlei conseguiu chegar em terceiro lugar, e conquistar a medalha de bronze.

São nesses momentos em que os valores que um homem traz no peito, e que medem a grandeza de sua personalidade aparecem. Wanderley poderia, muito bem, ter esbravejado contra a organização da prova, contra o irlandês, e contra tudo o mais. Mas não foi isso que ele fez. O maratonista brasileiro levou tudo na esportiva. Chegou à linha de chegada fazendo um gesto que ficou conhecido como “aviãozinho”, na qual ele abria os braços e imitava um avião. Subiu ao pódio com um sorriso de ouro, e foi ovacionado pelo público presente, assim como foi ovacionado, ontem, ao acender a pira olímpica.


Os desfechos


O padre irlandês, logo após o incidente, quase foi linchado pela multidão, que batia nele e gritava: “O que foi que você fez, seu louco? O que você fez?”. Então, chegou a polícia, o algemou, e o tirou do local da agressão. O louco irlandês, um ano antes já havia invadido uma prova de Fórmula 1, em Silverstone, Inglaterra.  Após atrapalhar a corrida do brasileiro, o padre, que também foi expulso do sacerdócio, foi deportado da Grécia, e condenado a um ano de prisão, mas pagou fiança e conseguiu sair livre.

Os anos passaram, porém, o coração cheio de ódio, maldade, e rancor de Cornelius Horan, não mudou. Segundo informações do The New York Times, retransmitidas pelo jornal Folha de São Paulo, o ex-padre, sentiu raiva quando viu Vanderlei acender a tocha olímpica. Diz ele que a raiva vem de tentativas fracassadas de reconciliação. De louco, é melhor querer distância, digo eu. Horan, hoje com 69 anos, continuar aproveitando-se de eventos para fazer suas paranoias e chamar a atenção para o que ele chama de “missão”: alertar o mundo sobre a volta de Jesus Cristo e os valores da Bíblia. Sua esposa morreu em 2012 e, desde então, ele vive sozinho, em uma casa alugada, em Peckham, sul de Londres.

Quanto a Polyvios, após a confusão, é claro que o que ele mais queria era descansar e, principalmente, ver o final da corrida. Acompanhado da mulher e da filha, voltou para casa, ligou a TV, à tempo de ver Vanderlei receber a medalha de bronze. Emocionado, chorou ao presenciar esse momento. O grego foi jogado na calçada pelo irlandês, e pelo seu gesto nobre e corajoso, foi homenageado pelo Comitê Olímpico Brasileiro.

Meses depois, Vanderlei Cordeiro de Lima, por ter demonstrado espírito esportivo, e por ter continuado na disputa, mesmo após ser agredido por Cornelius Horan, recebeu do Comitê Olímpico Internacional, a Medalha Pierre de Coubertin: uma alta honraria concedida apenas aos atletas que demonstrarem alto grau de esportividade e espírito esportivo em Jogos Olímpicos. A medalha foi entregue a Vanderlei, no dia 07 de dezembro de 2004, na cidade do Rio de Janeiro, em uma cerimônia especial na qual o maratonista também recebeu o título de Atleta Brasileiro do Ano de 2004. Nesta cerimônia também estava presente Polyvios Kossivas, o grego que salvou Wanderley do louco irlandês.

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