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Maratona dos Jogos Olímpicos de Atenas, 2004: uma história dramática e curiosa
Posted by Cottidianos
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Segunda-feira,
08 de agosto
***
“Queridos amigos, Só Deus é mais
importante do que minha saúde! Em minha vida tive fraturas, cirurgias, dores,
internações em hospitais, vitórias e derrotas, e sempre respeitando aqueles que
me admiram. A responsabilidade das decisões é minha onde sempre procurei não
decepcionar a minha família e o povo brasileiro. Nesse momento eu não estou em
condições físicas de participar da abertura da Olimpíada. E como brasileiro,
peço a Deus que abençoe a todos que participarem desse evento e que seja um
grande sucesso e termine em paz!”
***
Palavras introdutórias
Quando Vanderlei Cordeiro de Lima
pegou a tocha olímpica das mãos da ex-jogadora de basquete, Hortência, nos
momentos finais da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2016, no estádio
Maracanã, Rio de Janeiro, dois surpresos olhos estavam sobre ele: um de raiva,
ódio, e rancor, e outro de orgulho, alegria e felicidade. O primeiro, numa
cidade ao sul de Londres, e o outro em alguma cidade da Grécia.
Lembram-se
daquelas novelas clássicas da Globo, que chegaram a ter dois finais gravados, e
sobre as quais se fazia absoluto mistério quanto ao desfecho da trama,
reveladas, quase sempre, no último capítulo, a exemplo de Rock Santeiro, e
mais, recentemente, Avenida Brasil?
Pois
bem, o momento mais importante da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos do
Rio, também foi aguardado com ansiedade. Ninguém sabia até o último momento
quem seria aquele, ou aquela que acenderia a tocha olímpica, dando início, de
fato, aos jogos olímpicos e paraolímpicos de 2016.
Havia
muitas especulações, mas ninguém sabia quem acenderia a tocha, mesmo entre os
mais influentes no mundo esportivo ninguém sabia. Esse foi um segredo guardado
a sete chaves.
A
mensagem em parágrafo recuado, e em
itálico, que abre esse texto é de Pelé — atleta que dispensa apresentações — e
foi publicada pelo atleta em suas redes sociais.
Pelé,
o rei do futebol, segundo o diretor de comunicação do Comitê Organizador dos
Jogos Olímpicos, Mário Andrada, era a primeira opção para acender a pira
olímpica. Ele chegou a ser esperado até os últimos momentos, porém, o médico
que trata do problema no quadril de Pelé, achou melhor que seu paciente, não
participasse da cerimônia a fim de não prejudicar a saúde do atleta.
Durante
a semana houve muitas especulações sobre quem seria teria a honra desse momento
sublime. Guga, Hortência, Pelé. Pelé, como já disse, não pôde. Guga e
Hortência, até participaram desse momento. O primeiro entrou com a tocha
olímpica no estádio Maracanã. A segunda passou a tocha olímpica para Vanderlei
Cordeiro que, subindo os degraus que representavam o Monte Olimpo, morada dos
deuses, acendeu a tocha olímpica dos jogos Olímpicos de 2016, sob as bençãos do
Cristo Redentor, em uma cerimônia de abertura, memorável, esplendorosa.
O
momento sublime de acender a tocha acabou ficando sob a responsabilidade de
Vanderlei, que, na verdade, era o plano B. Porém, foi uma escolha que agradou
imensamente aos brasileiros. Acender a tocha em jogos olímpicos é tarefa apenas
reservada a atletas de grande expressão. E porque Vanderlei Cordeiro de Lima
conquistou esse direito?
Para
compreender isso, vamos voltar no tempo a outros Jogos Olímpicos.
Maratona dos Jogos Olímpicos de
Atenas. 2004
Era
tarde de domingo. 29 de agosto de 2004.
Em
Atenas, acontecia mais uma edição dos Jogos Olímpicos.
Naquele
domingo, acontecia a maratona olímpica de Atenas. O brasileiro Vanderlei
Cordeiro de Lima voava na pista de corrida. Liderando a maratona, o brasileiro
sentia a medalha, em volta do pescoço, cada vez mais perto.
Vanderlei
tinha entrado o ano de 2004, com o pé direito. No inicio daquele ano, ele havia
vencido a Maratona de Hamburgo, na Alemanha. Após isso, ele partiu para a
altitude da cidade colombiana de Paipa. Um paraíso de águas termais. Ali naquele
paraíso de águas quentes, perfeito para recuperação de corredores de longas
distâncias, Vanderlei se estabeleceu, junto com seu treinador, Ricardo D’Angelo,
e iniciou a preparação para a sua terceira participação em jogos olímpicos.
Enfim,
chegou agosto do ano em questão, e era hora de arrumar as malas e partir para
Atenas. Técnico e atleta foram para a terra dos deuses. Porém, por não
pertencer ao grupo de técnicos do COB, Ricardo não pode acompanhar Vanderlei,
nem nos preparativos finais para a maratona, nem na largada.
Assim,
nesse momento tão importante de uma prova tão importante, sem a presença
daquele que o ajudara tanto durante a preparação em Paipa, o maratonista
brasileiro largou na pista como uma flecha.
Quando
chegou ao quilometro 30, um dos trechos mais difíceis do percurso, Wanderley
tinha uma folgada distância entre ele e seu principal adversário, Paulo Tergat,
do Quênia. Nesse momento, o brasileiro lembrou-se das palavras escritas na
carta de seu treinador, e que ele havia lido ainda na Vila Olímpica, momentos
antes de sair para o local de largada da maratona. Dizia a carta: “Lembre-se da forte subida no quilômetro 30.
Se você estiver se sentindo bem, arrisque, porque se não arriscar, você nunca
vencerá. Minha confiança em você é imensa, então vamos lutar pelo objetivo com
que sonhamos há tanto tempo. Não importa o que aconteça no fim, lembre-se que
você sempre terá minha amizade e confiança, e também lembre-se que eu o admiro
pela pessoa maravilhosa que você é. Então, boa sorte, e vamos tomar uma cerveja
juntos depois da corrida”.
Entretanto,
aquela era uma pista cheia de feras. Nela também estavam: Lee Bong-Ju, que
havia sido medalha de prata, em Atlanta, 1996, Stefano Baldini, campeão
europeu, e Erick Wainaina, medalhista de bronze em Atlanta, e de prata em Sydney,
em 2000.
Seguia
a maratona de Atenas, e havia mais de uma hora, Vanderlei liderava a corrida
sozinho, e o que era melhor, via a distância entre eles e os outros
competidores aumentar cada vez mais.
Vanderlei
chegara ao quilometro 35. Olhou mais uma vez por sobre os ombros. Um confiante sorriso
de satisfação de ouro iluminou seu sorriso e se estendeu por toda a sua face. A
distância entre seus adversários era enorme. Tudo bem que ainda faltavam sete quilômetros
para a chegada ao estádio Panathinaiko. Se continuasse naquele ritmo, pensava
ele, só uma grande onda de azar tiraria dele o prazer de segurar a medalha de
ouro. Afinal a distancia entre ele e as outras feras da maratona era de cerca
de 150 metros.
E
veio uma grande maré de azar veio na pessoa de um padre irlandês.
Quando
havia chegado ao km 36, Cornelius Horan, um padre irlandês, saiu dentre a
multidão que assistia a prova, e agarrou o maratonista brasileiro. Horan puxou Vanderlei
para fora da pista de corrida. O brasileiro tentava, desesperadamente, se
desvencilhar das mãos do padre irlandês, mas sem sucesso. Até que um grego que
assistia a corrida, e presenciava a cena, correu em direção aos dois, agredido
e agressor, e ajudou Vanderlei a se desvencilhar das mãos do irlandês.
Polyvios
Kossivas, o grego que ajudou Vanderlei, não estava na rua assistindo à corrida.
Ele estava na tranquilidade do sofá da casa dele, vendo a corrida. Gostou do
estilo arrojado de corrida do brasileiro, e resolveu então desligar a TV e ir
pra rua, assistir a passagem do brasileiro, ao vivo e a cores. Acompanhado da
mulher e da filha, o grego esperava a passagem do brasileiro, quando o viu se
debatendo nas mãos do irlandês. Não teve dúvidas. Correu em direção à confusão,
com o intuito de livrar o brasileiro daquele embaraço. E essa foi a maré de
sorte de Wanderley. Esse acaso levou Polyvios a ser participe de um episódio,
no mínimo, curioso.
Livre
da agressão, com a importante ajuda do grego, Vanderlei conseguiu voltar à
prova ainda na condição de liderança. Entretanto, a distância entre ele os demais
maratonistas já havia diminuído pela metade. Esse fator, aliado ao esforço que
havia feito para se livrar do incomodo e maldoso padre, bem como o estresse que
toda cena havia causado, fez Vanderlei perdeu a concentração, o ritmo, e ele foi
ultrapassado pelo norte-americano Meb Keflezighi.
Apesar
de todos esses contratempos, Vanderlei conseguiu chegar em terceiro lugar, e conquistar
a medalha de bronze.
São
nesses momentos em que os valores que um homem traz no peito, e que medem a
grandeza de sua personalidade aparecem. Wanderley poderia, muito bem, ter
esbravejado contra a organização da prova, contra o irlandês, e contra tudo o
mais. Mas não foi isso que ele fez. O maratonista brasileiro levou tudo na
esportiva. Chegou à linha de chegada fazendo um gesto que ficou conhecido como “aviãozinho”,
na qual ele abria os braços e imitava um avião. Subiu ao pódio com um sorriso
de ouro, e foi ovacionado pelo público presente, assim como foi ovacionado,
ontem, ao acender a pira olímpica.
Os desfechos
O
padre irlandês, logo após o incidente, quase foi linchado pela multidão, que
batia nele e gritava: “O que foi que você fez, seu louco? O que você fez?”. Então,
chegou a polícia, o algemou, e o tirou do local da agressão. O louco irlandês,
um ano antes já havia invadido uma prova de Fórmula 1, em Silverstone,
Inglaterra. Após atrapalhar a corrida do
brasileiro, o padre, que também foi expulso do sacerdócio, foi deportado da Grécia,
e condenado a um ano de prisão, mas pagou fiança e conseguiu sair livre.
Os
anos passaram, porém, o coração cheio de ódio, maldade, e rancor de Cornelius
Horan, não mudou. Segundo informações do The
New York Times, retransmitidas pelo jornal Folha de São Paulo, o ex-padre,
sentiu raiva quando viu Vanderlei acender a tocha olímpica. Diz ele que a raiva
vem de tentativas fracassadas de reconciliação. De louco, é melhor querer
distância, digo eu. Horan, hoje com 69 anos, continuar aproveitando-se de
eventos para fazer suas paranoias e chamar a atenção para o que ele chama de “missão”:
alertar o mundo sobre a volta de Jesus Cristo e os valores da Bíblia. Sua
esposa morreu em 2012 e, desde então, ele vive sozinho, em uma casa alugada, em
Peckham, sul de Londres.
Quanto
a Polyvios, após a confusão, é claro que o que ele mais queria era descansar e,
principalmente, ver o final da corrida. Acompanhado da mulher e da filha,
voltou para casa, ligou a TV, à tempo de ver Vanderlei receber a medalha de
bronze. Emocionado, chorou ao presenciar esse momento. O grego foi jogado na
calçada pelo irlandês, e pelo seu gesto nobre e corajoso, foi homenageado pelo
Comitê Olímpico Brasileiro.
Meses
depois, Vanderlei Cordeiro de Lima, por ter demonstrado espírito esportivo, e
por ter continuado na disputa, mesmo após ser agredido por Cornelius Horan,
recebeu do Comitê Olímpico Internacional, a Medalha Pierre de Coubertin: uma
alta honraria concedida apenas aos atletas que demonstrarem alto grau de
esportividade e espírito esportivo em Jogos Olímpicos. A medalha foi entregue a
Vanderlei, no dia 07 de dezembro de 2004, na cidade do Rio de Janeiro, em uma cerimônia
especial na qual o maratonista também recebeu o título de Atleta Brasileiro do Ano de 2004. Nesta cerimônia também estava
presente Polyvios Kossivas, o grego que salvou Wanderley do louco irlandês.
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