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A voz sábia dos sem voz e sem vez

Posted by Cottidianos on 17:34
Sábado, 30 de abril


Prezados leitores e leitoras, na postagem de hoje apenas compartilho um texto do Dr. Drauzio Varella, publicado na Folha de São Paulo, deste sábado, 30 de abril. O Dr. Drauzio é médico cancerologista, dirigiu o serviço de Imunologia do Hospital do Câncer. Um dos pioneiros no tratamento da AIDS no Brasil e do trabalho em prisões. A cada duas semana, em dias de sábado, ele escreve textos para a Folha.

Resolvi publicar o texto do médico e jornalista, pois, coincidentemente, ele complementa minhas reflexões da última postagem, acerca da reforma que a sociedade brasileira precisa sofrer, e de certo modo já está nesse processo, e, principalmente, a reforma interior que cada um de nós, na condição de brasileiros e participes dessa nação, precisamos, urgentemente fazer.

Pois, nós apontamos o dedo para os políticos e os chamamos de corruptos, mas será que nós, em nosso agir cotidiano, somos honestos? Somos éticos? Apontamos o dedo para a presidente Dilma e dizemos que ela foi omissa quando, de certo modo, protegeu os seus pares envolvidos nos escândalos de desvios de dinheiro da estatal brasileira, mas será que também não somos nós omissos para com os desvios éticos de nossos pares?

No texto, o Dr. Drauzio dá voz a uma mulher, brasileira, nordestina, pobre a julgar pelas evidências as quais vocês terão oportunidade analisar no texto dele, que com sua simplicidade e humildade, falou muito mais aos seus nacionais, do que os próprios políticos estudados — alguns nem tanto — e engravatados, que votaram o impeachment da presidente. A brasileira anonima coloca o dedo na ferida das mazelas da nossa nação. Talvez, por isso, não pelo texto do Dr. Drauzio em si, é que resolvi partilhar o texto com vocês, e provocar também em vocês uma reflexão, assim como eu também fui provocado a fazê-la.

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Dr. Drauzio Varella

O poder do voto

Drauzio Varella

Pela primeira vez em 70 anos senti vergonha de ser brasileiro. Culpa da TV, que me manteve hipnotizado na frente da tela, enquanto transmitia a votação do impeachment na Câmara, duas semanas atrás.

Não posso alegar desconhecimento, ingenuidade ou espanto, vivo no Brasil e acompanho a política desde criança. Todos sabem que é lamentável o nível da maioria de nossos deputados, mas vê-los em conjunto despejando cretinices no microfone foi assistir a um espetáculo deprimente protagonizado por exibicionistas espertalhões, travestidos em patriotas tementes a Deus.

Votavam o impeachment de uma presidente da República como se estivessem num programa de auditório, preocupados somente em impressionar suas paróquias e vender a imagem de mães e pais amantíssimos. Nem sequer lhes passou pela cabeça confortar as famílias brasileiras afetadas pela crise; antes delas as deles, conforme deixou claro a sucessão infindável de nomes de progenitores impolutos, filhos, netos e tias virtuosas.

É o que temos, dirá você, leitor fatalista, antes o país com Câmara e Senado funcionando com essa gente do que fechados por uma ditadura. Lógico, também acho, mas esse argumento não apaga de minha memória o show de horrores a que assisti.

E pensar que aqueles homens brancos enfatuados, com gravatas de mau gosto, os cabelos pintados de acaju e asa de graúna, com a prosperidade a transbordar-lhes por cima do cinto, passaram pelo crivo de 90 milhões de eleitores que os escolheram para representá-los. Para aqueles que não viveram como nós as trevas da ditadura, manter a crença na democracia brasileira chega a ser um ato de fé.

Estava nesse estado de espírito quando recebi um vídeo caseiro, gravado sob um teto de amianto, que aparentava cobrir a sala de uma casa humilde. Na frente da câmera, uma moça de uns quarenta anos, em pé, de camiseta branca; no fundo, atrás dela, uma prateleira alta com frascos de plástico espremidos uns contra os outros e um fio de eletricidade pendente de uma viga do teto.

Com os olhos negros cheios de expressão, o sotaque e a energia da mulher nordestina, ela gravou as seguintes palavras, articuladas com espontaneidade, como se conversasse com o espectador:

“O problema não tá no ladrão corrupto que foi Collor, não, nem na farsa que foi Lula. O problema tá em nós como povo, porque a gente pertence a um país em que a esperteza é a moeda que é sempre valorizada. É um país onde a gente se sente o máximo porque consegue puxar a TV a cabo do vizinho. A gente frauda a declaração do Imposto de Renda para poder pagar menos imposto. Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo na rua e depois reclamam do governo porque não limpa os esgotos. Saqueia as cargas dos veículos acidentados. O camarada bebe e depois vai dirigir. Pega um atestado sem tá doente só pra poder faltar no trabalho. Viaja a serviço de uma empresa, o que é que ele faz? Se o almoço foi dez reais, ele pega a nota fiscal de 20. Entra no ônibus, se senta, se tem uma pessoa idosa, se faz que tá dormindo. E querem que o político seja honesto. O brasileiro tá reclamando de quê? Com a matéria prima desse país? A gente tem muita coisa boa, mas falta muito pra gente ser o homem e a mulher que nosso país precisa. Porque eu fico muito triste, quando uma pessoa... Ainda que Dilma renunciasse, hoje, o próximo seria... a suceder ela, teria que continuar trabalhando com essa mesma matéria-prima defeituosa, que somos nós mesmos, como povo. E não poderá fazer nada, porque, enquanto alguém não sinalizar o caminho destinado a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá, não. Nós é que temos que mudar. O novo governante com os mesmos brasileiros não pode fazer nada não. Antes da gente chegar e culpar alguém, botar a boca no trombone, a gente tem que fazer uma autorreflexão: Fique na frente do espelho, você vai ver quem é o culpado. Eu espero que nessa próxima eleição, dessa vez, o Brasil todo tenha noção do que realmente significa o poder de um voto".


A mensagem não traz o nome nem diz quem é essa brasileira.

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