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Thiago: Um homem dividido entre as orações na Igreja e a produção de letras de funk
Posted by Cottidianos
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23:35
Imagem: http://www.jovemx.com/site/?pagina=noticia_conteudo&&cod=2989 |
Musicalmente,
tenho o gosto bem eclético. Gosto de ouvir samba, MPB, forró. Curto o folk de
Simon e Gurfunkel e o gospel dos Jordanaires. Ouço funk, de vez em quando, por
imposição da indústria cultural, que faz o ritmo ser tocado nas rádios ou em
programas de TV. Também ouço quando estou no carro de algum amigo que curte
funk. Não iria cometer o exagero de pedir para sair do carro por causa da música.
Seria até indelicado de minha parte. Também não digo que não ouço esse ouço
esse gênero musical por uma questão de preconceito. Pelo meu posicionamento a
respeito desse tema e pelas coisas que já escrevi no blog, se olhasse para
qualquer manifestação cultural de modo preconceituoso, estaria sendo
incoerente.
O
Funk é uma manifestação cultural, é uma realidade, acontece num tempo ao qual me
faço presente e assim vou fazendo meu caminho em paralelo a essa realidade. O
funk, o hap, o hip-hop, ritmos oriundas do universo negro sempre foram, inicialmente,
vistas sob o estigma do preconceito. Hoje, o funk saiu das favelas e dos morros
e invadiu o asfalto. Isso também aconteceu com o samba. Antigamente quem fazia
samba, ou quem ia a uma roda de samba, não era visto com bons olhos. Samba e
marginalidade eram sinônimos, porém, a batida contagiante desse estilo musical,
não apenas desceu do morro e foi para o asfalto, como também consquistou o
mundo. Sou fã do Elvis, e com o rei do rock, também aconteceu a mesma coisa.
Quando um garoto chamado Elvis Presley, começou a cantar, tocar e dançar de
modo diferente do convencional, os moralistas de plantão, logo trataram de
atirar pedras nele, algumas bem pesadas, diga-se de passagem. Então, eu que
gosto dos bambas do samba e, também, gosto de Elvis Presley, que já sentiram na
pele o gosto amargo da discriminação, da não aceitação, como poderia eu fazer
outro sentir essas sensações desagradáveis.
Se
não gosta de funk, então porque aborda esse tema no blog? Pergunta você. Acontece
que alguns detalhes me chamam a atenção. Hoje, conversava sobre música com um
amigo que gosta de funk e ele me perguntou:
_
Você sabia que um dos melhores letristas do funk carioca é um evangélico, da
Igreja Assembleia de Deus?
Tive
que colocar a mão no queixo para ele não cair. Brincadeiras a parte, confesso
que fiquei surpreso com essa revelação, pois, a última pessoa a quem imaginaria
escrevendo letra de funk seria um evangélico. A partir do comentário dele fui
buscar informações na Internet sobre tal compositor.
O
artista em questão chama-se Thiago Jorge Rosa dos Santos, mora na Vila-Cruzeiro,
Rio de Janeiro, e é respeitado pelos MCs
- nome dado aos artistas que cantam músicas do gênero. As iniciais são uma
sigla para Mestre de Cerimônia – sejam eles adpetos do funk “pancadão”, que
possui letras com forte conotação sexual, quanto do funk “ostentação” que
enfatiza os bens materiais, passando ainda pelo funk “proibidão”, cujas letras
falam da realidade violentas das favelas, nas quais é recorrente o tráfico de
drogas.
Thiago
é mais conhecido como Praga. Um apelido que não lhe foi dado por acaso e que
surgiu ainda nos tempos de escola.
O
compositor não era o tipo de criança comportada, ao contrário, dava muito
trabalho aos professores, diretores e aos colegas de turma. Os outros alunos se
referiam a ele como “praga”, sinônimo de pessoa importuna. Na adolescência,
também fez pichações e assinava-as com o apelido que recebeu na escola. Foi aí
que o nome, Praga, se firmou para valer.
Entretanto,
os anos se passaram e, o menino sapeca, se tornou um homem responsável. Hoje,
ele é casado, vive do seu trabalho como letrista – chega a cobrar até R$ 5.000
por uma composição – e também é assíduo freqüentador da Igreja Assembléia de
Deus. Modera na linguagem e evita usar palavrão.
Um
fato raro no mundo do funk é o artista que se dedica apenas a produzir letras. Geralmente
os MCs querem mais é saber de shows, palcos, badalação, em outras palavras,
querem visibilidade. Praga escolheu o caminho inverso. Começou cantando, porém,
logo descobriu que era tímido demais para a badalação que exigia a vida de
cantor. O assédio dos fãs o incomodava e ele decidiu dedicar-se apenas às
composições. Enquanto os MCs procuram o brilho dos palcos e agito das
multidões, Praga prefere ficar em casa, lendo, vendo documentários e filmes e
escrevendo as letras das músicas.
A falta
de conteúdo nas produções culturais e artísticas, nos dias atuais, não é apenas
privilégio do mundo do funk. Praga percebeu esse detalhe e começou a produzir
letras mais bem elaboradas, com mais conteúdo e, com isso, conquistou o respeito
dos artistas e do publico que curte esse gênero musical.
Os
primeiros sucessos de sua carreira, Vida
Bandida e Visão de Cria,
interpretadas por MC Smith, causaram polêmica no Rio. Muitas pessoas achavam
que essas letras faziam apologia ao crime. MC Smith chegou a ser preso por esse
motivo.
Praga
não entende as coisas dessa forma. Para ele, as letras que faz, são apenas
crônicas de uma realidade presente no dia a dia de quem mora nas favelas e
morros cariocas. “A gente faz uma crônica do dia a dia. Se não houvesse o
crime, nós não falaríamos disso”. Afirma ele em uma entrevista ao jornal Folha
de São Paulo.
É certo
que Praga é um dos grandes talentos do mundo do funk. Permanecerá nele, porém?
O compositor, apesar de ser assíduo freqüentador da Igreja, não é, ainda,
membro efetivo dela. Por enquanto, ele se divide entre o sublime mundo das
orações e as letras que produz e que falam da realidade de um mundo cão. Um dia,
uma escolha terá que ser feita. Por qual dos mares ele irá navegar? Como diria
Bob Dylan, na música Blowin’ In The Wind:
“A resposta, meu amigo, está voando no vento”.
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