0

Thiago: Um homem dividido entre as orações na Igreja e a produção de letras de funk

Posted by Cottidianos on 23:35
Quarta-feira, 19 de março



Imagem: http://www.jovemx.com/site/?pagina=noticia_conteudo&&cod=2989

Musicalmente, tenho o gosto bem eclético. Gosto de ouvir samba, MPB, forró. Curto o folk de Simon e Gurfunkel e o gospel dos Jordanaires. Ouço funk, de vez em quando, por imposição da indústria cultural, que faz o ritmo ser tocado nas rádios ou em programas de TV. Também ouço quando estou no carro de algum amigo que curte funk. Não iria cometer o exagero de pedir para sair do carro por causa da música. Seria até indelicado de minha parte. Também não digo que não ouço esse ouço esse gênero musical por uma questão de preconceito. Pelo meu posicionamento a respeito desse tema e pelas coisas que já escrevi no blog, se olhasse para qualquer manifestação cultural de modo preconceituoso, estaria sendo incoerente. 

O Funk é uma manifestação cultural, é uma realidade, acontece num tempo ao qual me faço presente e assim vou fazendo meu caminho em paralelo a essa realidade. O funk, o hap, o hip-hop, ritmos oriundas do universo negro sempre foram, inicialmente, vistas sob o estigma do preconceito. Hoje, o funk saiu das favelas e dos morros e invadiu o asfalto. Isso também aconteceu com o samba. Antigamente quem fazia samba, ou quem ia a uma roda de samba, não era visto com bons olhos. Samba e marginalidade eram sinônimos, porém, a batida contagiante desse estilo musical, não apenas desceu do morro e foi para o asfalto, como também consquistou o mundo. Sou fã do Elvis, e com o rei do rock, também aconteceu a mesma coisa. Quando um garoto chamado Elvis Presley, começou a cantar, tocar e dançar de modo diferente do convencional, os moralistas de plantão, logo trataram de atirar pedras nele, algumas bem pesadas, diga-se de passagem. Então, eu que gosto dos bambas do samba e, também, gosto de Elvis Presley, que já sentiram na pele o gosto amargo da discriminação, da não aceitação, como poderia eu fazer outro sentir essas sensações desagradáveis.

Se não gosta de funk, então porque aborda esse tema no blog? Pergunta você. Acontece que alguns detalhes me chamam a atenção. Hoje, conversava sobre música com um amigo que gosta de funk e ele me perguntou:

_ Você sabia que um dos melhores letristas do funk carioca é um evangélico, da Igreja Assembleia de Deus?

Tive que colocar a mão no queixo para ele não cair. Brincadeiras a parte, confesso que fiquei surpreso com essa revelação, pois, a última pessoa a quem imaginaria escrevendo letra de funk seria um evangélico. A partir do comentário dele fui buscar informações na Internet sobre tal compositor.

O artista em questão chama-se Thiago Jorge Rosa dos Santos, mora na Vila-Cruzeiro, Rio de Janeiro,  e é respeitado pelos MCs - nome dado aos artistas que cantam músicas do gênero. As iniciais são uma sigla para Mestre de Cerimônia – sejam eles adpetos do funk “pancadão”, que possui letras com forte conotação sexual, quanto do funk “ostentação” que enfatiza os bens materiais, passando ainda pelo funk “proibidão”, cujas letras falam da realidade violentas das favelas, nas quais é recorrente o tráfico de drogas.

Thiago é mais conhecido como Praga. Um apelido que não lhe foi dado por acaso e que surgiu ainda nos tempos de escola.

O compositor não era o tipo de criança comportada, ao contrário, dava muito trabalho aos professores, diretores e aos colegas de turma. Os outros alunos se referiam a ele como “praga”, sinônimo de pessoa importuna. Na adolescência, também fez pichações e assinava-as com o apelido que recebeu na escola. Foi aí que o nome, Praga, se firmou para valer.

Entretanto, os anos se passaram e, o menino sapeca, se tornou um homem responsável. Hoje, ele é casado, vive do seu trabalho como letrista – chega a cobrar até R$ 5.000 por uma composição – e também é assíduo freqüentador da Igreja Assembléia de Deus. Modera na linguagem e evita usar palavrão.

Um fato raro no mundo do funk é o artista que se dedica apenas a produzir letras. Geralmente os MCs querem mais é saber de shows, palcos, badalação, em outras palavras, querem visibilidade. Praga escolheu o caminho inverso. Começou cantando, porém, logo descobriu que era tímido demais para a badalação que exigia a vida de cantor. O assédio dos fãs o incomodava e ele decidiu dedicar-se apenas às composições. Enquanto os MCs procuram o brilho dos palcos e agito das multidões, Praga prefere ficar em casa, lendo, vendo documentários e filmes e escrevendo as letras das músicas.

A falta de conteúdo nas produções culturais e artísticas, nos dias atuais, não é apenas privilégio do mundo do funk. Praga percebeu esse detalhe e começou a produzir letras mais bem elaboradas, com mais conteúdo e, com isso, conquistou o respeito dos artistas e do publico que curte esse gênero musical.

Os primeiros sucessos de sua carreira, Vida Bandida e Visão de Cria, interpretadas por MC Smith, causaram polêmica no Rio. Muitas pessoas achavam que essas letras faziam apologia ao crime. MC Smith chegou a ser preso por esse motivo.

Praga não entende as coisas dessa forma. Para ele, as letras que faz, são apenas crônicas de uma realidade presente no dia a dia de quem mora nas favelas e morros cariocas. “A gente faz uma crônica do dia a dia. Se não houvesse o crime, nós não falaríamos disso”. Afirma ele em uma entrevista ao jornal Folha de São Paulo.


É certo que Praga é um dos grandes talentos do mundo do funk. Permanecerá nele, porém? O compositor, apesar de ser assíduo freqüentador da Igreja, não é, ainda, membro efetivo dela. Por enquanto, ele se divide entre o sublime mundo das orações e as letras que produz e que falam da realidade de um mundo cão. Um dia, uma escolha terá que ser feita. Por qual dos mares ele irá navegar? Como diria Bob Dylan, na música Blowin’ In The Wind: “A resposta, meu amigo, está voando no vento”.

0 Comments

Postar um comentário

Copyright © 2009 Cottidianos All rights reserved. Theme by Laptop Geek. | Bloggerized by FalconHive. Distribuído por Templates