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Lamentável: três casos de racismo no futebol brasileiro em apenas uma semana
Posted by Cottidianos
on
00:31
Quarta-feira,
12 de março
Imagem: http://www.gazetadailha.com.br/2014/03/07/arouca-sofre-racismo-em-jogo-do-santos/ |
“Tenho muito orgulho das minhas origens
africanas, que foi o que o sujeito tentou usar para me ofender, dizendo que eu
deveria procurar alguma seleção de lá para jogar. Dando a entender que um negro
igual a mim não serve para defender a seleção brasileira. Como se algumas das
páginas mais bonitas da história da nossa seleção não tivessem sido escritas
por jogadores como Leônidas, Romário e pelo Rei Pelé, também negros. Não ouvi
os gritos de 'macaco' que alguns repórteres disseram ouvir, mas, caso tenha realmente
acontecido, é ainda mais triste.
Eu sei muito bem de onde venho e de
toda a minha luta para chegar onde cheguei. Por isso, sentir na pele o que
aconteceu comigo hoje - logo depois do que fizeram com o Tinga outro dia e
também do caso do juiz no Rio Grande do Sul - me deixa muito decepcionado.
Acabou com a alegria pela boa atuação do nosso time, pelo belo gol que fiz, ou
seja, pelo que deveria ser a essência do esporte”.
Essa
foi a nota divulgada por Arouca, jogador do Santos Futebol Clube, após sofrer
racismo em jogo contra a equipe do Mogi-Mirim, na cidade de Mogi-Mirim,
interior de São Paulo. O Santos jogou contra o Mogi, na noite de quinta-feira
(06), e venceu a partida por um placar de 5 a 2, em partida realizada pela
décima segunda rodada do Campeonato Paulista. Logo após o jogo o atleta ouviu
vários xingamentos contra ele.
O
árbitro já havia dado o apito final, a torcida começava a deixar o campo,
alguns jogadores se dirigiam aos vestiários e outros falavam com a imprensa.
Era o caso de Arouca. O jogador havia feito o quarto e belo gol pela equipe do
Santos e estava feliz com o resultado do jogo. Á beira do gramado, uma reporter
conversava com ele sobre a partida que acabara de jogar, quando um torcedor que
estava ainda nas arquibancadas, junto com um pequeno grupo que ainda não havia
se dispersado, gritou palavras ofensivas em direção ao jogador.
Aquelas palavras
passaram pelos ouvidos de Arouca com o poder de uma espada afiada e atingiram
no coração. Imediatamente, perdeu completamente o raciocínio, as lagrimas
começaram a escorrer pelo seu rosto e as únicas palavras que ele conseguiu
pronuniciar diante do microfone foi “lamentável”. Depois disso, saiu
transtornado para o vestiário. Após o acontecido os jornalistas passaram a
noticiar o lamentável episódio racista que havia acabado de ocorrer naquele
estádio. O torcedor que provocou a confusão – se é que uma pessoa com essa
visão de mundo pode ser chamada de torcedor – saiu calmamente, sem que nenhuma
medida contra ele fosse tomada. Depois dessa manifestação racista a Federação
Paulista de Futebol interditou o Estádio Romildo Vitor Gomes Ferreira, de
propriedade do Mogi-Mirim.
Acho
que as federações esportivas brasileiras deveriam tomar medidas mais enérgicas
em relação a esses casos, como se pode praticar um esporte saudavel se, alguns
poucos torcedores, ainda possuem mentalidades atrasadas?
No
outro dia, já mais tranqüilo, Arouca, cobrou medidas mais enérgicas por parte das
autoridades: “A gente pede que as
autoridades punam com rigor, porque não dá para aceitar esse tipo de
preconceito. Esperava que o caso do Tinga mudasse a mentalidade das pessoas,
mas alguns ainda cismam com isso”, disse ele.
Nessa
mesma semana que Arouca passou por esse incidente desagradável, houve mais dois
casos semelhantes no futebol brasileiro. Um deles aconteceu com o arbitro Márcio
Chagas da Silva, que apitava uma partida, na noite de quarta-feira (05) entre
as equipes, Esportivo e Veranopólis, no Estádio Montanha dos Vinhedos, na
cidade de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. O profissional sofreu ofensas
à sua moral desde que saiu do vestiário, quando ouviu xingamentos contra sua
pessoa, do tipo “macaco, volta para a selva”. Essas atitudes desprezíveis não
pararam por aí. Logo após o fim do jogo o arbitro dirigiu-se ao estacionamento
no qual estava seu carro. Quando chegou lá teve outra desagradável surpresa: o
carro estava com as portas amassadas e havia bananas sobre o capô. O arbitro denunciou
o caso aos órgão competentes.
O
outro caso aconteceu em Natal, capital do Rio Grande do Norte. Dessa vez foi o
goleiro do América Futebol Clube, que sofreu na pele insultos por causa da cor
de sua pele. O fato aconteceu no domingo (02), durante o clássico entre as
equipes Alecrim e América.
O
brasileiro que se revela preconceituoso, confessa sua própria ignorância. Faço
essa afirmação, baseado nas palavras de Gilberto Freire, um dos mais
importantes sociólogos do século XX, em um clássico do pensamento sociológico
brasileiro: Casa Grande e Senzala. Para
finalizar esse texto, deixo como reflexão, um pequeno trecho dessa obra de
fundamental importância para compreensão da formação da sociedade brasileira.
“Todo o brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo
louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo – há muita gente de jenipapo
ou mancha mongólica pelo Brasil – a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena
ou do negro. No litoral, do Maranhão ao Rio Gran¬de do Sul, e em Minas Gerais,
principalmente do negro. A influência direta, ou vaga e remota, do africano.
Na ternura, na mímica excessiva, no
catolicismo em que se deliciam nossos sentidos, na música, no andar, na fala,
no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera de vida,
trazemos quase todos a marca da influência negra. Da escrava ou sinhama que nos
embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de comer, ela própria amolegando na mão
o bolão de comida. Da negra velha que nos contou as primeiras histórias de
bicho e de mal-assombrado. Da mulata que nos tirou o primeiro bicho-de-pé de
uma coceira tão boa. Da que nos iniciou no amor físico e nos transmitiu, ao
ranger da cama-de-vento, a primeira sensação completa de homem. Do moleque que
foi o nosso primeiro companheiro de brinquedo”.
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