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Gestão do Samba - II Parte
Posted by Cottidianos
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21:09
Sábado, 15 de março
Imagem: http://g1.globo.com/sao-paulo/carnaval/2012/fotos/2012/02/veja-fotos-do-barracao-da-vai-vai.html |
Como fazer?
Como
fazer para criar uma organização como uma escola de samba, que tenha sucesso em
um ambiente complexo –e, por vezes, caótico– como o do Carnaval? Fazendo um
paralelo entre a gestão de uma escola de samba e as ideias defendidas pelo
consultor Didier Marlier,
proponho que as organizações empresariais trabalhem com três agendas, como
fazem as escolas de samba na prática e intuitivamente: logos, ethos e pathos.
A
agenda intelectual (logos) indica que os líderes devem proporcionar
oportunidade para que as pessoas contribuam para o desenvolvimento das
organizações. Uma escola de samba é um grande exemplo de criatividade, e essa
criatividade só se consegue com a participação de todos, pois as boas ideias
não são propriedade apenas dos ocupantes de níveis hierárquicos superiores.
Exatamente por isso, as escolas não só aceitam, como também incentivam as novas
ideias: novos materiais, novos andamentos de bateria, novas coreografias, novos
efeitos e novos enredos só se conseguem com a participação ativa de todos.
A
agenda comportamental (ethos) mostra que a credibilidade dos líderes é
resultado de seu comportamento, que deve ser coerente com seu discurso. As
pessoas costumam observar detalhadamente seus líderes antes de segui-los, para
ver se eles têm um comportamento compatível com as intenções declaradas. Em
palavras mais simples, o exemplo vem de cima. Nas escolas de samba isso também
é visível. Cientes de que todos os integrantes da escola precisam cantar o
samba, para que não se perca ponto no quesito harmonia, os diretores de uma
escola são os primeiros a decorar a letra. Só assim é possível cobrar que,
durante os ensaios e especialmente durante o desfile, a escola cante em
uníssono.
A
agenda emocional (pathos) explica que os líderes devem criar “marcadores
emocionais” para começar a mover as pessoas. Isso geralmente é feito com o uso
de símbolos, histórias, metáforas, gestos, ou seja, elementos que existem à
vontade dentro de uma escola de samba. Daí a importância de iniciar os ensaios
com todos cantando o samba de exaltação à escola. Também fica claro porque os
símbolos das escolas e suas histórias são conhecidos por grande parte da
comunidade, ou porque os líderes sempre iniciam os rituais de, por exemplo,
reverenciar o pavilhão.
Imagem: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2013/fotos/2013/01/veja-fotos-do-barracao-da-mocidade-2013.html |
Antiestrutura estruturada
Essa
forma de gestão, que todos os anos nos brinda com um espetáculo maravilhoso,
não é obra do acaso. Ao contrário, é fruto do trabalho incansável de inúmeras
pessoas que, trabalhando em equipe, conseguem criar um show que conquistou o
mundo. Ampliando para o universo de todas as escolas de samba uma ideia
desenvolvida pela antropóloga Maria Júlia Goldwasser, ao estudar a Estação
Primeira de Mangueira, podemos dizer que as escolas de samba “se configuram
como uma solução entre o princípio de estrutura, dada sua ordenação
institucional, e o princípio da antiestrutura, dado seu caráter carnavalesco.
Ou seja, é sua antiestrutura estruturada que representa sua contradição essencial”.
Podemos
afirmar, portanto, que aquele aparente caos que se verifica nos ensaios e na
concentração dos sambódromos na verdade não é um caos, e também não é uma ordem
completa. Preferimos pensar naquilo como uma “reordem”, muito mais adequada a
um ambiente que, como já mostramos, pode ser complexo, caótico e sempre muito
criativo. Um último comentário: muitas pessoas questionam se o Carnaval é uma
brincadeira. Minha resposta favorita é: “Sim, o Carnaval é uma enorme
brincadeira. Porque não existe nada mais sério do que uma brincadeira”. Afinal,
como nos ensina a velha sabedoria, “se você não está se divertindo, é porque
não está fazendo direito”. Uma lição inestimável para as empresas.
Saiba mais sobre o negócio do samba
O
Carnaval brasileiro movimenta cerca de R$ 5,5 bilhões por ano, segundo dados do
Ministério do Turismo.
A
festa consegue impactar 52 setores da economia, entre os quais hotelaria,
alimentação, transporte, varejo, indústrias gráfica e editorial, bebidas,
instrumentos musicais, indústrias de plástico, ferragens, isopor, tintas e
têxtil, audiovisual (televisão, cinema, CD s e DVD s), entretenimento (bailes,
espetáculos, shows).
O
Carnaval também alavanca uma variada gama de atividades informais, que geram
empregos para artesãos, marceneiros, eletricistas, aramistas, escultores,
pintores, seguranças, modeladores, garçons, enfermeiros, motoristas, músicos,
bailarinos, produtores, e até mesmo para profissionais com alta qualificação,
como arquitetos, engenheiros, designers de moda, historiadores, entre outros.
Apenas
a confecção de uma fantasia envolve o trabalho de sete diferentes
profissionais: costureira, serralheiro, chapeleiro, aderecista, sapateiro,
decorador e moldador de vacuum forming (profissional que faz moldes plásticos).
Essa
cadeia produtiva começa nos fornecedores de materiais para a confecção de
fantasias e carros alegóricos e termina com a transmissão da televisão para
mais de cem países, fazendo com que o evento seja assistido por milhões de
pessoas no mundo todo.
Imagem: http://zecarlosborges.blogspot.com.br/2012/12/estado-fecha-2012-com-quase-r-70.html |
A
receita, por João Luiz de Figueiredo e Marcelo Guedes
O
custo de um desfile do grupo especial de escolas de samba do Rio de Janeiro,
que dura cerca de 82 minutos uma vez por ano, gravita em torno dos R$ 10
milhões. O gestor conta com uma receita inicial de aproximadamente R$ 4
milhões, oriundos das cotas de transmissão para a televisão e também do poder
público, e a outra parte tem vindo, nos últimos tempos, de um patrocínio
associado ao enredo. Será esse um modelo sustentável? Tudo indica que não.
Apesar de ter rendido carnavais vitoriosos para escolas como Beija-Flor,
Imperatriz Leopoldinense e Vila Isabel, pode limitar a criatividade do
carnavalesco e está longe de garantir o sucesso, uma vez que há casos de
escolas patrocinadas rebaixadas à divisão de acesso do Carnaval carioca. O
rebaixamento é algo muito grave em termos práticos, tanto porque a receita
inicial da escola do grupo de acesso A despenca para aproximadamente R$ 450 mil
como porque se perde um lugar adequado na produção do Carnaval –só as escolas
do grupo especial dispõem de espaços na Cidade do Samba.
Uma nova solução
Já
há casos em curso no Rio de Janeiro nos quais o patrocínio não se associa ao
enredo, mas à escola, como acontece com os clubes de futebol. Dessa forma,
pode-se construir um vínculo mais sólido entre as partes, transformando o
patrocínio em uma grande parceria. Nesse cenário, a função do gestor da escola
de samba passa a ser fazer de sua escola e do Carnaval carioca uma grande
plataforma de comunicação para uma marca. E, de quebra, o gestor, não mais
focado na “luta” anual por patrocinadores, pode atuar em outras frentes capazes
de redefinir ainda mais um modelo de receita sustentável para a agremiação,
desenvolvendo um portfólio de serviços a ser oferecido em qualquer época do
ano, como apresentações da comissão de frente, da bateria, dos passistas, da
velha guarda, além de oficinas e cursos destinados às pessoas que desejam
estudar as diversas artes envolvidas na produção do Carnaval, como dança,
música e artesanato.
Escolas
como Unidos da Tijuca e Portela têm mostrado algumas iniciativas nesse sentido.
Na exploração da marca e da história de cada escola também é possível
incrementar as receitas por meio de uma série de produtos, semelhantes aos que
encontramos nas lojas dos grandes clubes de futebol, que remetem aos grandes
momentos vividos, aos personagens ilustres, aos carros alegóricos, aos trechos
de sambas- -enredo memoráveis, por exemplo. Ao que parece, essa realidade não
está muito distante de acontecer e pode servir de inspiração para inúmeros
setores em uma época em que o desenho de um modelo de receita sustentável é tão
desafiador.
Fontes:
Marcelo Chiavone Pontes é doutor em administração pela Universidade de São
Paulo, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo
(ESPM-SP) e diretor da empresa de consultoria Brand Leader. Escreveu este
artigo com exclusividade para HSM MANAGEMENT. João Luiz de Figueiredo é
coordenador do Núcleo de Economia Criativa e chefe da área de gestão do
entretenimento da ESPM-RJ e Marcelo Guedes é diretor dos cursos de graduação em
administração e relações internacionais da ESPM-RJ. Artigo publicado na revista
HSM Management.
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