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Lá vem o pato, pato aqui, pato acolá
Posted by Cottidianos
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00:15
Quinta-feira,
28 de julho
“Lá vem o Pato
Pata
aqui, pata acolá
Lá
vem o Pato
Para
ver o que é que há”
(O pato – Vinicius de Moraes)
Prezados
leitores e leitoras, olhando para o relógio e vendo o adiantado da hora, nem
vou escrever texto de minha autoria hoje, em parte por causa do cansaço normal
do dia-a-dia, e em parte porque o dia de amanhã promete ser longo.
Porém,
compartilho com vocês o excelente artigo do colunista do El País Brasil, Luiz
Ruffato, intitulado, Quem paga o pato?
Essa
pergunta seria obvia se vivêssemos em um país no qual as lógicas não fossem
invertidas, mas, como temos visto, o Brasil é o país que subverte qualquer
lógica, chegando a serem inverossímeis os fatos que testemunhamos, diariamente,
através dos meios de comunicação.
Por
exemplo, o país precisa de ajustes fiscais sérios, mas quem, geralmente, paga o
preço nessas ocasiões não é a elite, mas as classes menos favorecidas. Essas não
esperem benefícios em um definitivo governo Temer. Dizem que, onde há fumaça há
fogo, e Temer já sinaliza a fumaça de um aumento nos impostos, uma espécie de
privatização do SUS (Sistema Único de Saúde).
Enquanto
isso, projetos de lei como as 10 medidas de combate à corrupção estão paradas
em alguma gaveta, sem interesse de nenhum partido político. Também enquanto
isso, as casas de fazer e fiscalizar leis continua a ignorá-las, e a empurrar
para debaixo dos tapetes os maus atos das elites corruptas.
***
Quem
paga o pato?
Todas
as vezes em que a elite econômica sente-se ameaçada em seus privilégios recorre
a seu braço político para resolver o impasse. Não está sendo diferente agora,
sob o Governo de Michel Temer
LUIZ
RUFFATO
27
JUL 2016
Somos
o país dos cínicos. A elite econômica, cujos interesses a elite política
defende, vem dilapidando o bem público desde que aqui pisaram os primeiros
europeus no século XVI. Transformaram cada palmo do território em espaço de
exploração privada visando manter umas poucas famílias no gozo da riqueza e do
conforto. E para isso sempre fizeram uso da mentira, da fraude, da violência. A
maior parte da população, acuada pela opressão, pela miséria e pelo
analfabetismo, tem como única serventia oferecer sua força de trabalho em troca
de salários irrisórios e do usufruto de uma cidadania capenga.
Todas
as vezes em que a elite econômica sente-se ameaçada em seus privilégios – por
incompetência ou por excesso de exploração – recorre a seu braço político para
resolver o impasse. Em geral, a única solução que compreende é o de impor
sacrifícios ao povo. Não está sendo diferente agora, sob o governo do
presidente interino, Michel Temer. Para enfrentar um quadro internacional
desfavorável e uma série histórica de decisões equivocadas, Temer acena com o
aumento de impostos e a supressão de direitos básicos que atingem
essencialmente a classe média e os pobres.
O
ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, avisou que, caso o Congresso não
estabeleça um teto para os gastos públicos, haverá aumento de impostos e os
juros serão mantidos em patamar alto por longo período. Contraditoriamente, em
apenas dois meses, Temer provocou um rombo de 127 bilhões de reais no orçamento
da União, entre ampliação de despesas e renúncia de receitas. Foram destinados
67,8 bilhões de reais para reajuste dos salários dos servidores da ativa e
aposentados; 4,8 bilhões de reais para correção do valor da bolsa-família e 2,9
bilhões de reais para ajuda para o falido Rio de Janeiro. Além disso, a União
abriu mão de 50 bilhões de reais na renegociação da dívida dos Estados e de 1,7
bilhão de reais com a ampliação do Supersimples.
O
Brasil, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação
(IBPT), é o país onde os impostos arrecadados menos se convertem em serviços
para a população. No entanto, possuímos uma das maiores cargas tributárias do
mundo – a soma de todos os impostos pagos pelos indivíduos e empresas em
proporção ao Produto Interno Bruto (PIB) -, equivalente a 36%. Também somos
líderes mundiais da taxa de juros reais – juros nominais menos inflação do
período –, 4,5% ao ano, segundo o ranking da Infinity Asset Management, um
ponto percentual acima do segundo colocado, Rússia, com 3,5%. Impostos e juros
altos são combustível para destruir o orçamento doméstico.
Outra
medida pensada pelo Governo Temer para diminuir os gastos públicos é o da
supressão de direitos. Uma das mais importantes conquistas da frágil e confusa
Constituição de 1988 foi a de garantir a universalização do acesso ao sistema
de saúde. Embora precário, o pouco que o Estado oferece hoje, principalmente
aos pobres, é muito mais que se oferecia antes. Cirurgias sofisticadas como
transplantes, medicamentos e exames de última geração ou transporte para
tratamento em outras cidades só são possíveis a boa parte da população devido à
existência do Sistema Único de Saúde (SUS).
Entretanto,
o ministro da Saúde, Ricardo Barros, acredita que o conceito do SUS deve ser
revisto. Ele quer impor limites ao direito de o paciente recorrer à Justiça
para garantir determinado tratamento ou acesso a uma medicação específica.
Barros pleiteia, junto ao Conselho Nacional de Justiça, a criação de varas
únicas nos Estados, de núcleos técnicos e de formulários que dificultariam o
processo. O ministro defende ainda o ressarcimento pelos planos de saúde
privados toda vez que um paciente usar o hospital público, o que geraria uma
espécie de reserva de vagas privadas, pondo em marcha a privatização do SUS.
Enquanto
isso, o projeto de lei que engloba as chamadas “10 medidas de combate à
corrupção”, elaboradas pelo Ministério Público Federal, está parado na Câmara
dos Deputados. O projeto, que angariou mais de dois milhões de assinaturas, tem
que ser analisado preliminarmente por uma comissão especial, que sequer foi
instalada quatro meses após entregue com pompa e circunstância. Já a CPI da
Carf, que investiga um esquema de corrupção descoberto no Conselho de
Administração de Recursos Fiscais, será abruptamente encerrada, segundo
anunciou o novo presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), por
acordo de seu partido com o PSDB e o PSB. O Carf é o órgão que julga recursos
contra autuações da Receita Federal —várias empresas de grande porte estão
envolvidas em fraudes para anular multas milionárias.
Levantamento
do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional indica que alcançam
1,2 trilhão de reais os débitos tributários inscritos na Dívida Ativa da União,
ou seja, tudo aquilo que o Estado tem a receber de pessoas físicas e jurídicas
que deixaram de recolher impostos —62% deste total é devido por 12 mil
empresas, principalmente do ramo industrial. Por outro lado, o procurador da
República, Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa do Ministério Público
Federal na Operação Lava Jato, calcula que o esquema de corrupção desvia dos
cofres públicos algo em torno de 200 bilhões de reais por ano. Só para se ter
uma ideia, o orçamento da saúde para este ano é de 118,5 bilhões de reais.
Em
1852, Victor Hugo, em prefácio a um de seus livros mais famosos, o romance Os
miseráveis, escreveu: “enquanto os três problemas do século – a degradação do
homem pelo proletariado; a prostituição da mulher pela fome; e a atrofia da
criança pela ignorância – não forem resolvidos; enquanto houver lugares onde
seja possível a asfixia social; em outras palavras, e de um ponto de vista mais
amplo ainda, enquanto sobre a terra houver ignorância e miséria, livros como
este não serão inúteis”. Triste saber que 154 anos depois nos mantemos
chafurdando na mesma lama.
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