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Religiões afro-brasileiras: Um justo direito de resposta nos canais Rede Record e Rede Mulher
Posted by Cottidianos
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Sexta-feira, 18 de dezembro
“Ainda vai levar
um tempo
Pra fechar
O que feriu
por dentro
Natural que
seja assim
Tanto pra
você
Quanto pra
mim...
Ainda leva
uma cara
Pra gente
poder dar risada
Assim caminha
a humanidade
Com passos de
formiga
E sem
vontade...”
(Assim caminha
a humanidade – Lulu Santos)
Se a humanidade fosse um livro e estivéssemos
nos debruçando sobre suas páginas a fim de conhecer seus muitos capítulos,
veríamos que muita coisa boa foi realizada. Ficaríamos fascinados com homens e
mulheres que, resignada e confiantemente, entregaram suas vidas em prol de
causas nobres. Muitos morreram em combate. Muitos são conhecidos em todo o
mundo, mas a maioria tombou anonimamente. Famosos ou anônimos, o fato é que esses
valentes e corajosos, fizeram suas vidas valerem a pena ter sido vivida, e
deram um novo rumo, e apontaram caminhos de paz, solidariedade e esperança
possíveis em uma humanidade cheia de conflitos das mais variadas formas. Também
nos emocionaríamos e nos orgulharíamos com as muitas conquistas científicas e
tecnológicas que ajudaram o mundo a ter algumas facilidades que não havia em
tempos imemoriais.
Nessa empolgante leitura do mundo,
também nos entristeceríamos com as barbaridades que foram cometidas por
indivíduos que não souberam aproveitar os dons e potenciais que lhes foram
confiados, e usaram esses mesmos dons para fazer morrer milhares de vidas e,
matando vidas, esses homens insanos mataram também gerações e gerações. Eles
não mataram apenas vidas, mas também sonhos de futuro.
Revoltados, até gostaríamos de rasgar
estas páginas do livro, mas aí seríamos nós a cometer um sacrilégio, pois
ceifaríamos a outros o conhecimento de um passado iníquo, feito por homens
iníquos, e assim, tolheríamos a esses outros o descimento de, ao lerem aquelas
terríveis páginas que falam sobre tempos sangrentos e cruéis, fazerem
diferente, completamente diferente.
Uma desses crimes que se cometeu contra
a humanidade chama-se escravidão, especialmente nas Américas, nas quais o povo
negro, depois de sequestrados em sua terra natal, a África, atravessaram
oceanos e vieram sofrer violências, maus tratos, castigos e humilhações em
terras do continente americano.
Também não podemos deixar de citar o
criminoso genocídio imposto por Hitler aos judeus. Milhões deles tiveram suas
vidas exterminadas por motivos mesquinhos e torpes, da mesma forma que milhões
de negros foram exterminados por motivos semelhantes.
E que arma poderosa o Führer Adolf
Hitler usou para exterminar tantas vidas? O Führer usou uma arma da qual eu
disponho, você que lê este texto dispõe, e também que não lê este texto também
dispõe. É uma arma inerente a todos nós humanos que temos uma língua na boca. Essa
terrível arma, que pode ser mais forte e matar mais que as bombas dos canhões
chama-se, simplesmente, palavra.
E o estrago que as palavras fazem não parou
por aí, continuou servindo como instrumento para mentes insanas, disseminarem
ódio, violência e terror. Ora, o que fazem os terroristas do autointitulado,
Estado Islâmico, senão usar, fortemente, palavras e ideias, para conquistar
jovens tão normais quanto quaisquer outros, a militarem e se engajarem em uma
luta macabra.
Por isso eu digo a vocês, cuidado com
os discursos proferidos pelas línguas que se dizem cultas e conhecedoras dos
mistérios divinos, pois também elas, cedendo aos seus humanos egoísmos, podem
espalhar o ódio, a discórdia, e a violência, disfarçados em mensagens de paz e
de amor. Ora, com não foi assim com Jesus Cristo. Não foi ele vítimas de
líderes religiosos ambiciosos e maus que incentivaram as altas autoridades da
época e o povo a fazê-lo morrer pregado no alto de uma cruz.
No Brasil, há um grupo que há muito vem
sendo perseguido por diversos setores da sociedade. Um povo que sofre
preconceitos em suas mais variadas formas. Falo não apenas dos negros, mas também
dos brancos que foram chamados pelas forças do alto a cultuar o Deus do
universo nos terreiros de umbanda e candomblé e demais religiões afros. Os
maiores perseguidores dos adpetos dessas religiões são os seguidores de algumas
religiões, que se autointitulam neopentecostais, e isso é sabido de todos. Comparo
a situação dos irmãos das religiões de matrizes afros ao calvário de Cristo. Pois
Cristo não sofreu toda sorte de humilhações, sejam elas, chicotadas, cuspe na
cara, e palavras irônicas? Também não se dizia dele que tinha parte com
Belzebu? Ora, não é a mesma coisa que fazem e dizem dos adeptos das religiões
de matrizes afros?
Porém, chega um dia que aquele que
sofre humilhações, não mais as suportando, diz: “Chega!”, partindo então para a
luta. Mas não uma luta sangrenta, mas uma luta pelas vias do direito, da
justiça e da paz. Isso foi o que fez um grupo de advogados e instituições que,
vendo as barbaridades que se dizia contra o povo dessas religiões, foi à
justiça e venceu a demanda.
Em 2004, o Ministério Público Federal
(MFP), o Instituto Nacional de Tradição e Cultura Afro Brasileira (Intecab), e o
Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade (Ceert) perceberam
que as religiões de matrizes afro-brasileiras estavam sofrendo constantes
agressões em programas exibidos pelas Rede Record, e Rede Mulher. As entidades
perceberam que os canais de TV citados estavam incitando o ódio e a
discriminação.
A luta foi árdua, mas a vitória veio
coroá-la em maio deste ano, quando a Justiça Federal de São Paulo, na pessoa do
juiz Djalma Moreira Gomes, da 25ª Vara Cível Federal, condenou as emissoras a
exibir, em horário nobre, quatro programas de televisão como direito de
resposta às religiões atingidas. Os programas serão exibidos no programa “Mistérios”
e no quadro “Sessão de Descarrego”. O juiz determinou ainda que cada programa
deverá ter a duração de uma hora. Cada programa deverá ser exibido duas vezes,
durante oito dias, no mesmo horário dos programas nos quais ocorreram as
ofensas. Não bastasse isso, o juiz determinou ainda que os canais de TV
realizem três chamadas na véspera e no dia da apresentação dos programas. Todos
os custos dos programas serão de responsabilidade dos canais de TV já citados. Os
programas ainda não tem data definida a serem exibidos.
Dia 20 do mês passado, dia em que se
celebrava o Dia da Consciência Negra, conversei com o advogado Hédio Silva Jr.,
um dos autores da ação, na cidade de São Caetano do Sul. Entrevistei o Dr.
Hédio após a celebração da missa afro realizada no templo de umbanda, Casa de
Pai Benedito de Aruanda. A seguir, apresento a entrevista que fiz com o
advogado.
***
José Flávio — O Sr. é um dos autores da ação judicial que obriga
a TV Record a dar o direito de resposta às religiões afro-brasileiras?
Hédio Silva — Sou advogado de várias organizações que ingressaram
com uma ação pedindo para que as religiões afro brasileiras possam se
manifestar em relação aos ataques que elas sofrem cotidianamente.
José Flávio — Foi difícil essa luta?
Hédio Silva — Doze anos, a ação está tramitando há doze anos. Nós
já havíamos tido um provimento liminar, determinando a veiculação de um
programa, depois essa liminar foi cassada, e agora, ao fim de doze anos,
tivemos uma decisão de mérito favorável.
José Flávio — O Sr. acha que isso vai inibir as agressões das
quais as religiões de matrizes afro são alvo constante?
Hédio Silva — É um caminho para inibir, quer dizer, ações como
essa, tem um valor econômico extraordinário. São dezesseis programas, veiculados
em horário nobre, das 21 às 23 horas, e isso vai custar muito dinheiro para
essas empresas. E a gente espera que isso sirva de lição para que as religiões.
Qualquer religião tem direito de ocupar um veículo de comunicação para fazer
sua pregação, mas não tem o direito de propagar o ódio, a discriminação, a
violência, que é o que está acontecendo hoje. Certamente, a partir dessa ação,
a tendência é diminuir a intolerância.
José Flávio — Na opinião do Sr, por que há tanta intolerância
contra os seguidores das religiões afro-brasileiras?
Hédio Silva — A discriminação contra as religiões
afro-brasileiras, elas são um subproduto do racismo. A umbanda é discriminada,
e o candomblé também, porque é religião, ainda associada a preto. Hoje ela é
uma região democrática, tem todos os seguimentos sociais, mas historicamente,
ela está associada aos africanos. E também o fato de que algumas denominações
fazem a sua propaganda incutindo o medo nas pessoas. Incutem o medo para
vender, e caro, a salvação. Daí, a forma que elas têm de, digamos assim,
materializar a ideia do mal é apontar para as religiões afro-brasileiras.
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