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O Presente dos Reis Magos
Posted by Cottidianos
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02:21
Sexta-feira,
25 de dezembro
Na
noite de Natal,conta a tradição cristã, os reis magos vieram do oriente para
adorar o tão esperado recém-nascido, menino Jesus. E eles trouxeram presentes
valiosos: Ouro, incenso e mirra. Os relatos bíblicos não falam desse modo, mas
havia na visita dos reis magos à gruta de Belém, um quarto presente: a fé e a
confiança inabaláveis de que Deus não abandonou a humanidade, e amando-a,
enviou seu próprio filho para ensinar os homens a amar. Que pena que a imensa
maioria dos homens e mulheres não aprendeu a lição ensinada por aquela Sagrada
Família. Muitos não dão a mínima importância para a simplicidade do menino
Jesus, e sua imensa capacidade de amar. Outros até acreditam, acham bela a
história, mas apenas como relatos do livro santo. Depois que o fecham, fecham
também seus corações ao amor fraterno que deveria ser parte da vida dos
habitantes de todos os cantos do planeta.
Há
a letra de uma música de Pe. Zezinho que diz: “Tudo seria bem melhor se o Natal
não fosse um dia, e se as mães fossem Maria, e se os pais fossem José. E se os
filhos parecessem com Jesus de Nazaré”. Certamente, o mundo seria muito mais
cheio de paz, amor e perdão.
Como
homenagem a essa data tão especial, ofereço a vocês um belo conto buscado nas
páginas da literatura americana, chamado, O Presente
dos Reis dos Magos (The Gift of the Magi). O conto faz parte do livro,
Quatro Contos, escrito por Edgar Allan Poe, Washington Irving, O. Henry, e Arthur
Conan Doyle. Na verdade, O. Henry é o pseudônimo de um dos maiores contista
americanos do século XIX, chamado, William Sydney Porter.
Em,
O Presente dos Reis Magos, O. Henry narra à história de um jovem casal pobre
que vive em um apartamento de periferia que, com a proximidade do Natal, e
vendo-se se dinheiro, por amor, vendem as suas coisas mais preciosas que cada
qual possui, apenas para ter a felicidade de trocarem presentes no Dia de
Natal.
É
certo que, se você tem presentes caros para a pessoa amada, que tenha a alegria
de presenteá-los. Mas se você não tem presentes caros, dê um presente original,
que agrade aqueles que você ama. E se você não tem dinheiro algum para dar
presentes, lembre-se de que o carinho, a atenção, a alegria, o sorriso, o amor
e o perdão são presentes tão valiosos quanto as mais valiosas joias.
***
O Presente dos Reis Magos (The Gift of the Magi)
O. Henry
Um
dólar e oitenta e sete centavos. Era tudo. E dos oitenta centavos, sessenta
eram moedas. Moedas economizadas, uma ou duas de cada vez, pechinchando com
insistência junto ao dono da mercearia, ao verdureiro e ao açougueiro, até que
seu rosto ardesse de vergonha com a silenciosa parcimônia que tal ato
implicava. Três vezes Della os contou. Um dólar e oitenta e sete centavos. E o
próximo dia seria Natal.
Claro
que não havia nada a fazer, a não ser se atirar num sofá esfarrapado e soluçar.
Foi o que Della fez, então. O que nos remete a uma reflexão moral de que a vida
é feita de soluços, resmungos e sorrisos, com a predominância de resmungos.
Enquanto
a dona da casa passa pouco a pouco de um estágio ao outro, dêem uma olhada na
casa. Um apartamento mobiliado de oito dólares por semana. Não era exatamente
indescritível mas, com certeza, remetia à mendicância.
No
vestíbulo do andar debaixo, havia uma caixa de correio na qual nenhuma carta
chegava e uma campainha que nenhum dedo mortal tocava. Além disso, pertencendo
a esse lugar, um cartão que ostentava o nome "Sr. James Dillingham
Young".
O
"Dillingham" tinha sido anunciado em um período anterior de
prosperidade em que seu proprietário recebia trinta dólares por semana. Agora,
quando a renda tinha diminuído para vinte dólares, as letras de "Dillingham"
estavam borradas, como se estivessem pensando seriamente em se resumir a um
simples e despretensioso "D". Mas sempre que o Sr. James Dillingham
Young ia para casa e chegava em seu apartamento, ele era chamado de
"Jim" e recebia um forte abraço da Sra. James Dillingham Young, já
apresentada a vocês como Della. E era assim.
Della
parou de chorar e ajeitou seu rosto com pó de arroz. Ficou de pé à janela e
olhou para fora, triste, para um gato cinza andando em cima de um muro cinza,
num quintal também cinza. O dia seguinte era Natal, e ela só tinha um dólar e
oitenta e sete centavos para comprar um presente para Jim. Há meses vinha
economizando cada centavo que podia para conseguir essa soma. Vinte dólares por
semana não dá para comprar muita coisa. As despesas tinham sido maiores do que
ela tinha calculado. Sempre é assim. Apenas um dólar e oitenta e sete centavos
para comprar um presente para Jim. O seu Jim. Ela gastou muitas horas felizes
planejando algo bonito para ele. Alguma coisa sofisticada, rara e original –
alguma coisa que fosse digno de pertencer a Jim.
Havia
um espelho entre as janelas do quarto. Talvez vocês tenham visto um espelho
como este num apartamento de oito dólares. Uma pessoa bem magra e muito ágil
pode, observando seu reflexo numa sequencia de listras longitudinais, conseguir
uma imagem clara e exata de sua aparência. Della, sendo esbelta, dominava esta
arte.
De
repente, afastou-se da janela e ficou de pé à frente do espelho. Seus olhos
brilhavam com intensidade, mas seu rosto havia perdido a cor em apenas vinte
segundos. Soltou os cabelos depressa e deixou que caíssem todos.
Agora,
lá estavam os dois bens dos James Dillingham Young, dos quais ambos se
orgulhavam. Um era o relógio de bolso de ouro de Jim, que havia sido de seu pai
e de seu avô. O outro, eram os cabelos de Della. Se a rainha de Sabá morasse no
prédio ao lado, Della deixaria seus cabelos caírem pela janela algum dia para
secar, apenas para desvalorizar as joias e os dons de Sua Majestade. Se o rei
Salomão fosse o zelador, com todos os seus tesouros empilhados no porão, Jim
puxaria seu relógio toda vez que ele passasse, apenas para vê-lo coçar as
barbas de inveja.
Então,
agora o lindo cabelo de Della caía em ondas, brilhando como uma cascata de
águas castanhas. Eles iam além de seus joelhos, sendo quase uma vestimenta.
Então, ela os prendeu outra vez com nervosismo e rapidez. Hesitou por um
momento, de pé, até que uma ou duas lágrimas manchassem o tapete vermelho e
gasto.
Vestiu
o seu velho casaco marrom e colocou seu velho chapéu marrom. Com um rodar de
saias e com o brilho ainda em seus olhos, ela saiu alvoroçada e desceu as
escadas até a rua.
No
local onde ela parou, lia-se na placa "Madame Sofronie. Produtos capilares
de todos os tipos." Della subiu um lance de escadas e parou ofegante.
Madame, gorda, muito branca, fria, pouco parecida com "Sofronie".
–
Você compraria meus cabelos? – Della perguntou.
–
Eu compro cabelos! – disse a madame. – Tire seu chapéu e vamos dar uma olhada
neles.
E
soltou a cascata marrom.
–
Vinte dólares – disse a madame, levantando todo aquele volume de cabelos com
suas mãos experientes.
–
Dê-me isso rápido – disse Della.
Ah!
E as duas horas seguintes foram como se estivesse em uma nuvem cor-de-rosa.
Perdoem a metáfora batida. Ela estava revirando as lojas em busca de um
presente para Jim.
Por
fim, ela o achou. E o presente com certeza fora feito para Jim e para ninguém
mais. Não havia nenhum outro como aquele em nenhuma outra loja, e ela havia
revirado todas. Era uma corrente de platina para relógios, de um modelo simples
e sóbrio, revelando seu valor por si só e não pela excessiva ornamentação– como
todas as coisas boas deveriam ser. Era digna até d’O Relógio. Assim que ela viu
a corrente, soube que seria de Jim. Parecia com ele. Simplicidade e valor – a
descrição aplicava-se a ambos. Custou a ela vinte e um dólares, e ela
apressou-se para ir para casa com os oitenta e sete centavos. Com a corrente no
relógio Jim poderia sentir-se ansioso para consultar as horas perto de qualquer
pessoa. Nobre como o relógio, ele às vezes olhava as horas disfarçando por
causa da velha tira de couro que ele usava no lugar da corrente.
Quando
Della chegou em casa sua extrema alegria deu lugar a um pouco de prudência e
reflexão. Pegou o ferro, acendeu o gás e começou a reparar o estrago causado
por sua generosidade acrescida de amor. O que é sempre uma tarefa árdua,
queridos amigos – uma tarefa difícil.
Em
quarenta minutos sua cabeça estava coberta de minúsculos cachinhos que a
deixavam parecida com um aluno levado. Ela olhou seu reflexo no espelho
cuidadosa e criticamente por um bom tempo.
–
Se o Jim não me matar, – disse ela a si mesma, – antes de me olhar pela segunda
vez, dirá que estou parecendo uma corista de Coney Island. Mas o que eu podia
fazer... Oh! O que eu poderia fazer com um dólar e oitenta e sete
centavos?"
Às
sete horas o café estava pronto e a frigideira, na parte de trás do fogão, já
quente e pronta para cozinhar as costeletas.
Jim
nunca se atrasava. Della dobrou a corrente de bolso em sua mão e sentou-se numa
ponta da mesa próxima à porta por onde ele sempre entrava. Em segundos, ouviu
seus passos na escada abaixo e ela empalideceu por um momento. Ela tinha o
hábito de fazer algumas preces silenciosas pelas coisas mais simples de cada
dia, e naquele momento sussurrou:
–
Por favor, meu Deus, faça com que ele ainda me ache bonita.
A
porta se abriu, Jim entrou e a fechou. Ele parecia magro e sério. Coitado,
tinha apenas vinte e dois anos – e sobrecarregado com uma família! Ele
precisava de um sobretudo novo e ainda estava sem luvas.
Jim
parou do lado de dentro da porta, tão imóvel quanto um cão de raça ao farejar
codornas. Seus olhos estavam fixados em Della e neles havia uma expressão que
ela não podia compreender e isso a aterrorizou. Não era raiva, nem surpresa,
nem desaprovação, nem horror, nem nenhum dos sentimentos para os quais ela
havia se preparado. Ele apenas olhou fixamente para ela com aquela expressão
estranha no rosto.
Della
esquivou-se da mesa e foi até ele.
–
Jim, querido – ela exclamou, – não olhe para mim desse jeito. Cortei meus
cabelos e os vendi porque não conseguiria passar o Natal sem dar um presente
para você. Eles vão crescer de novo ... você não se importa, não é? Eu tinha
que fazer isso. Meus cabelos crescem muito depressa. Deseje-me "Feliz
Natal!" Jim e vamos ser felizes. Você ainda não viu o lindo presente que
eu comprei para você.
–
Você cortou seus cabelos? – Jim perguntou, com cuidado, como se ainda não
tivesse se dado conta do fato consumado, mesmo depois do mais árduo esforço
mental.
–
Cortei e vendi, – disse Della. – Você não gosta de mim da mesma forma? Eu sou
eu mesma sem meus cabelos, não é?
Jim
olhou em torno da sala curioso.
–
Você diz que seus cabelos já eram? – disse, com um ar estupefato.
–
Não adianta procurá-los, – disse Della. – Vendi, eu disse. É véspera de Natal,
querido. Seja bonzinho comigo, eu fiz isso por você. Talvez meus fios de
cabelos fossem numerados, – ela continuou com uma doçura repentina e séria, –
mas ninguém poderia contar meu amor por você. Posso preparar a carne, Jim?
Jim
pareceu acordar de repente de seu transe e abraçou sua amada. Vamos observar de
um outro ângulo, durante dez segundos, com cuidado e discrição, um gesto
impetuoso . Oito dólares por semana ou um milhão por ano – qual é a diferença?
Um matemático ou um sábio nos daria a resposta errada. Os magos trouxeram
presentes valiosos, mas isso não fora combinado. Essa afirmação será
esclarecida depois.
Jim
retirou um pacote do bolso de seu casaco e o atirou sobre a mesa.
–
Não cometa nenhum erro, Della, – disse ele, – a meu respeito. Eu não acho que
haja nada em relação a um corte de cabelo, nem raspá-lo ou usar um xampu, que
poderia me fazer gostar menos da minha amada. Mas se você desembrulhar este
pacote, entenderá por que eu fiquei desse jeito.
Dedos
brancos e adormecidos rasgaram o barbante e o papel. E então ouviu-se um grito
de imensa alegria; e então, ah ... uma rápida mudança feminina para lágrimas e
lamentações histéricas, necessitando que o senhor do apartamento usasse
depressa toda sua capacidade de consolar.
E
lá estavam "As Presilhas" – um jogo de presilhas para serem usadas de
lado e de trás, que Della tinha venerado por muito tempo numa vitrine na
Broadway. Presilhas maravilhosas, de casco de tartaruga com pedras nas bordas –
no tom exato para serem usadas nos belos cabelos que não mais existiam. Eram
presilhas caras, ela sabia, e seu coração tinha simplesmente as desejado muito,
sem a menor esperança de possuí-las. E agora, eram suas, mas as mechas que
adornariam, já não existiam mais.
Mas
ela as abraçou em seu peito e enfim foi capaz de levantar os olhos molhados e
dizer com um sorriso:
–
Meus cabelos crescem tão depressa, Jim!
E
então Della saltou como um pequeno gato chamuscado e exclamou:
–
Oh, oh!
Jim
ainda não tinha visto seu lindo presente. Ela o ofereceu a ele, ansiosa, na
palma da mão. O opaco metal precioso parecia brilhar como um reflexo de seu
espírito claro e ardente.
–
Não é uma maravilha, Jim? Vasculhei toda a cidade para encontrá-lo. Você terá
que olhar as horas centenas de vezes por dia agora. Dê-me seu relógio. Quero
ver como fica.
Em
vez de obedecer, Jim caiu no sofá, pôs suas mãos na nuca e sorriu.
–
Dell, – disse ele, – vamos guardar nossos presentes de Natal por algum tempo.
Eles são muito bons para usar agora. Eu vendi o relógio para conseguir o
dinheiro para comprar suas presilhas. E agora você deveria cozinhar a carne.
Os
magos, como vocês sabem, foram homens sábios – homens maravilhosamente sábios –
que levaram presentes para Jesus na manjedoura. Eles inventaram a arte de dar
presentes natalinos. Sendo sábios, seus presentes sem dúvida eram sábios, com o
privilégio da possibilidade de troca em caso de duplicação. E aqui contei a
vocês, de modo imperfeito, a crônica sem eventos de duas crianças tolas em um
apartamento, que, sem nenhuma sabedoria, sacrificaram um pelo outro os maiores
tesouros de sua casa. Mas, como uma última palavra para os sábios de hoje em
dia, vamos dizer que, de todos os que dão presentes, esses dois foram os mais
sábios. De todos os que dão e recebem presentes, aqueles que são como eles, são
os mais sábios. Em todos os lugares, eles são os mais sábios. Eles são os reis
magos.
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