1
Marília Pera: O início de um novo espetáculo nos palcos da eternidade
Posted by Cottidianos
on
19:28
Segunda-feira,
07 de dezembro
“Asas!
A
esperança equilibrista
Sabe
que o show
De
todo artista
Tem
que continuar.”
(O bêbado e a equilibrista - João Bosco
e Aldir Blanc)
O
belíssimo Teatro Amazonas, em Manaus, recebeu neste sábado (05), a estreia do
espetáculo, Depois do Amor - Um encontro com Marilyn Monroe, dirigida por
Marília Pera. A homenagem a Merilyn Monroe, diva do cinema americano, tem em
seus papéis principais, as atrizes, Danielle Winits e Carolina Ferraz. O espetáculo
também representa um mergulho na alma feminina. Apesar de bem divulgado, a
estreia da peça, deve ter sido a estreia mais difícil da vida das duas atrizes,
bem como de todo o elenco. Alegria, tristeza e saudade se misturavam ao
espetáculo daquela noite. O motivo é que nas primeiras horas do dia da estreia,
às 6 horas da manhã, morrera, no Rio de Janeiro, a diretora da peça, Marília
Pera.
Marília,
uma das grandes atrizes brasileiras, senhora dos palcos, morreu aos 72 anos,
vítima de um câncer no pulmão, doença com a qual lutava havia dois anos. A atriz
ultrapassou a fronteira da vida, em casa, junto com a família. Cantora,
diretora, atriz, bailarina, coreografa, produtora, Marília era dessas atrizes
da qual se costuma dizer: “Era uma artista completa”. Viveu intensamente,
emprestando seu talento para mais de 50 peças de teatro, cerca de 40 filmes. Ela
também esbanjou competência e dedicação nas muitas novelas, séries e minisséries
nas quais atuou.
A atriz
mostrou ainda que, além de talentosa, era guerreira, pois, mesmo lutando contra
a doença, não deixou de fazer aquilo que mais gostava: interpretar. Marília
estava em cena, interpretando a personagem, Darlene, na comédia, Pé na Cova,
exibido pela Globo. Gosto do humorístico, e gostava da personagem que Marília
Pera interpretava e, confesso a vocês, nem desconfiava que ela estivesse com câncer.
A dedicação da atriz ao trabalho era tanta, que ela deixou gravada toda a
temporada deste ano, que já está quase no fim, e do próximo ano também.
Mesmo
doente, Marília também dirigiu, em sua própria casa, os ensaios da peça, Depois do Amor. Ela deve ter ficado
muito feliz ao ver o trabalho concluído, não pode ver a estreia, pois foi
chamada, horas antes, para o palco da eternidade.
Abaixo,
ofereço a vocês, um texto que escrevi em homenagem a Marília Pera, essa grande
dama da arte dramática brasileira.
***
O
apagar das luzes é o renascer de novas esperanças. O fechar a cortina é apenas o
início de um novo espetáculo
Nunca
assisti a um show da grande e talentosa, Maria Bethânia, ao vivo. Até agora, nunca tive a oportunidade de vê-la,
ao vivo, interpretando seus grandes sucessos, com aquela voz, que mais que voz,
é um dom dado por Deus. Seria, de fato, um momento mágico. Mas vejo-a em
apresentações ao vivo nos DVDs gravados por ela, e em aparições na TV. Bethânia tem uma força, uma presença de palco que acho impressionantes. Quando ela chega
ao palco, é como uma rainha chegando ao castelo e ocupando seu trono. Parece que
o palco foi feito para ela e ela para o palco. A baiana, irmã de Caetano, canta
com autoridade.
Há
mulheres assim. É como se elas tivesse vindo direto do Monte Olimpo, para
ocupar na terra seu espaço de deusas, e, sobre esse espaço espalhar raios de intensa
luz, fazendo com que o mundo ao seu redor, seja mais alegre e menos triste,
mais cheio de paz, e menos cheio de violência. E, com sua capacidade de transformar
— à semelhança do Rei Midas que transformava em ouro tudo o que tocava — elas
transformam em arte cada canção que interpretam, cada papel que representam.
Marília.
Marília Pera, uma das maiores atrizes brasileiras tinha esse dom. Quando
chegava aos palcos de teatro, aos sets de cinema ou de TV era como uma estrela
ocupando seu devido lugar no céu da fama. Era, ela mesma dona das cenas, rainha
no palco.
A profissão
de ator é diferente das outras profissões. O engenheiro, por exemplo, não pode
ser médico, ao mesmo tempo em que exerce a medicina, e vice-versa. O ator, não.
Ele pode ser durante a vida uma infinidade de outros. Pode ser rei e vagabundo.
Se mulher, pode ser rainha ou prostituta. A arte de representar também tem algo
de espiritualista, pois o ator, ou atriz, empresta seu corpo e sua alma para
que os personagens vivam. Assim, ainda durante a vida terrena, ele está sempre
morrendo para que outros vivam nele. O trabalho do ator é um reencarnar sempre.
No
palcos, os atores realmente sérios, ou seja, aqueles que tomam a profissão de
ator como uma missão, estão sempre em constante crescimento, em constante
mudança. Como diria o saudoso Raul Seixas, eles são “uma metamorfose ambulante”.
Quando vemos os grandes atores e atrizes levando o público às lagrimas em
papeis dramáticos, ou nos levando ao riso em papéis cômicos, nem sempre
imaginamos que por trás daquele trabalho, há muito estudo, muita pesquisa,
muita entrega.
E o
que é a vida senão uma tragicomédia, um subgênero teatral hibrido de tragédia e
comédia. Ora, não estamos nós, dia após dia, vivendo nossas tragicomédias? Não somos
nós, atores no grande teatro que é a nossa vida?
Acho
que admiramos tanto, e nos emocionamos tanto com a arte dramática pelo simples
fato de que os atores fazem aquilo que fazemos todos os dias: representamos. No
palco, eles exteriorizam nossas alegrias, esperanças, ódios, mesquinhezas, e
nosso amor. Dessa forma, mergulhando num mundo de personagens diversos uns dos
outros, o ator mergulha na alma humana, explora esse fantástico mundo interior
que habita no íntimo de cada ser humano. Existe
organismo mais complicado de que o nosso organismo humano? Somos uma
complexidade de pensamentos, sentimentos e emoções, que, na maioria das vezes,
nem nos próprios os reconhecemos. Não é a toa que se ouve por aí, com frequência,
a frase: “Eu mesmo não sabia que era capaz disto”.
Porém,
nenhuma peça, nenhum espetáculo, dura eternamente. Uma hora ou outra, mais cedo
ou mais tarde, no grande teatro da vida, chega a hora da cena final. Algum dia,
a luz da ribalta se apagará. Porém, o artista não morrerá. Ele viverá nos
personagens que interpretou, ou nas músicas que cantou. Se o artista foi
realmente grande, ele também viverá na lembrança de seus fãs, de seus amigos,
de seus admiradores.
Apagam-se
as luzes. Fecha-se a cortina. Porém o grandioso espetáculo da vida não acaba
nunca. Em algum lugar deste imenso universo, outro espetáculo começará sob a
eterna luz. O artista então se fará de
novo aprendiz. O grande diretor, aquele que cria e distribui as cenas a cada um
de nós, sentará o artista em uma cadeira e, em uma espécie de vídeo-tape,
passará diante dele, todas as cenas do papel desempenhado por ele no grande e fascinante
espetáculo da vida. E o diretor lhe dirá que cenas refazer, ou que cenas manter.
Excluir e cortar cenas não é permitido, pois tudo faz parte de um imenso
aprendizado. Nenhuma cena da vida é em vão. Se ela está no nosso script é
porque tem alguma razão, fundamento, ou função, que, em nossa infinita ignorância,
nem sempre compreendemos, mas um dia, quando nos sentarmos diante do grande
diretor para rever as cenas de nossa vida, compreenderemos.
Chegou
a hora do apagar das luzes, do fechar a cortina para Marília Pera. A grande dama
do teatro, do cinema e da TV. A ela, nossos aplausos e nossos agradecimento,
por nos ter feito rir, por ter nos feito chorar, enfim, por ter entregado seu
corpo e sua alma, para que outros nela nos emocionassem. O que nos consola é
saber que ela foi se reciclar, naquele que é o seu lugar: a casa das estrelas. E,
após as aulas com o grande mestre da vida, um dia ela voltará em grande estilo,
melhor, e muito mais completa.