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Carlos Gomes e o negro cativo

Posted by Cottidianos on 00:40
Sábado, 05 de dezembro


Numa segunda-feira, 11 de julho de 1836, em uma humilde família, na Vila de São Carlos — um dos antigos nomes da cidade de Campinas —, nascia um menino que elevaria o nome de Campinas, e do Brasil, aos céus da glória musical. Antonio era o nome dele. Antonio Carlos Gomes. Carlos Gomes, como ficou mais conhecido em todo o mundo, e para os amigos que o viram nascer e crescer, simplesmente, Tonico.
O talento de Carlos Gomes para a música, o levou primeiro para a Corte, onde recebeu as bênçãos e proteção do Imperador. Este por sua vez, custeou os seus estudos na Europa. De voo em voo, Carlos Gomes tornou-se um dos maiores compositores de ópera das Américas.
Autor de obras famosas como O Guarani e Lo Schiavo, o maestro, sempre que vinha ao Brasil, não deixava de vir à Campinas, sua cidade natal.
Abaixo, compartilho com vocês um fato pitoresco, acontecido em uma dessas visitas do maestro à Campinas. A passagem foi extraída do 4o volume do livro, História da Cidade de Campinas, de Joluma Brito. Brito narra o encontro de Carlos Gomes e seu irmão, Juca, com um escravo, que, em algum canto da cidade, tocava em uma sanfona, um trecho da obra, O Guarani.

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 Carlos Gomes e o negro cativo
 Em bora pouco parando em Campinas, nas rápidas fugas que fizera da Itália para o Brasil, visitando em todas as ocasiões a sua terra natal, o genial maestro Carlos Gomes também contribuiu um pouco para a abolição da escravatura. Espírito de artista, cuja alma vivia voltada inteiramente para o céu de seu sonho, as notas de sua melodia se modulavam nas vibrações estranhas da música do vento tocando nuvens aos tufos e onde se perdia seu olha de caboclo enamorado da Santa Cecília de seus anseios de compositor. Voltava ele á Campinas em um dia qualquer de 1880. Numa noite, passeando pela cidade, Antonio Carlos saíra com Juca, já tarde (o trecho é de meu livro, — “Carlos Gomes, o Tonico de Campinas”) a fim de espairecer um pouco. A atmosfera da malevolência que o envolvera na Corte preocupava, bem como ao irmão. E iam conversando assim, pela rua do Picador (Marechal Deodoro), quando tiveram a atenção voltada para os sons de uma sanfona, gemendo um trecho do “Guarani”.
— “Bem tocado!”
— “Quem será?”
Foram ver. Um homem parecendo moço, arrancava da sanfona as notas suaves de seu “Guarani”, o que chamara a atenção dos dois irmãos. Falaram-lhe. Elogiaram a sua execução simples, mas inspirada.
— “Você quer aprender música?”
— “Eu?” Perguntou o preto, pois era um escravo. “De que me serve?”
— “Não quer aprender música? Posso ensinar-lhe” — insinuou o Juca.
— “ O que eu mais desejo na vida é a liberdade, siô”!
— “Para que?”
— “Sô noivo, si siô. Num quero me casá sendo escravo!”
Aquilo entristeceu Antonio Carlos. E, mais ainda, o Juca. Continuaram a caminhar. Ambos pensando, sem se falaram.
E, na manhã seguinte, o escravo recebia sua carta de liberdade. Custara ao maestro a 100$000 a nova vida daquele negro moço sonhador.
Talvez fosse esse um dos motivos pelo qual, ao retornar a Itália, trabalhando naqueles dias no seu futuro “Lo Schiavo” (O Escravo), o maestro campineiro tivesse volvido o seu pensamento para a raça negra e se lembrasse do cativo que tanto o interessara. Advinhava-se pelo ambiente que ele havia sentido no Brasil que o treze de maio vinha aí perto, o que de fato aconteceu e, o que fez com que ele, num gesto de carinho dedicasse á Princesa Isabel, à opera que terminara recentemente, enviando-lhe a seguinte carta:
“Senhora!
Digne-se Vossa Alteza acolher este drama, no qual um brasileiro tentou representar o nobre caráter de um indígena escravizado. Na memorável data de 13 de maio, em prol de muitos semelhantes ao protagonista desse drama, Vossa Alteza, com ânimo gentil e patriótico, teve a glória de transmudar o cativeiro em eterna alegria da liberdade. 
Assim, a palavra “escravo”, no Brasil, pertence simplesmente a legenda do passado.
É, pois, em sinal de profunda gratidão e homenagem que, como artista brasileiro tenho a subida honra de dedicar esse meu trabalho à Excelsa Princesa, em que o Brasil reverencia o mesmo culto espírito, a mesma grandeza de ânimo de D. Pedro II e eu a mesma generosa proteção que me glorio de haver recebido do Augusto Pai de Vossa Alteza.
Hoje, 29 de julho, dia em que o Brasil saúda o aniversário da Augusta Regente, levo aos pés de Vossa Alteza este “Escravo”, talvez tão pobre como os milhares de outros que abençoam Vossa Alteza na mesma efusão de reconhecimento com que saúda a Vossa Alteza Imperial, o súdito fiel e reverente,
Antonio Carlos Gomes,
Milão, 29 de julho de 1888”
 A filha do Imperador D. Pedro II e da Imperatriz D. Tereza Cristina nascera no Paço de São Cristóvão a 29 de julho de 1846. Casou-se depois a 15 de outubro de 1864 com o Príncipe Gastão d’Orleans, Conde d’Eu. Por três vezes ocupou a Regência do Império, na ausência do Augusto Imperador, no período de 25 de maio de 1871 a 31 de março de 1872 assinou a lei do “ventre livre”, em 28 de setembro de 1871.
A rua com seu nome em Campinas, foi dada por edital de novembro de 1921.

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