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Rio Doce: A morte de um rio
Posted by Cottidianos
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00:18
Quinta-feira,
26 de novembro
Acredito
que todo brasileiro está cansado de tanta ineficiência de nossos governantes, e
da ambição desmedida de muitos empresários. Será que esses poderosos não
percebem que, quando colocam no pedestal do capitalismo, apenas o lucro pelo
lucro, o feitiço vira contra o feiticeiro, e a maldição recai sobre todos: ricos,
pobres, e governantes. Nessa conta, sobra prejuízo até para a natureza, nossa mãe.
Sim, pois todos os recursos naturais indispensáveis a nossa sobrevivência vem,
necessariamente, de suas fontes.
Enquanto
o mundo assistia, estupefato, as ondas de terror na Europa, nós brasileiros,
além desses acontecimentos, assistíamos, indignados, a um atentado contra a vida
a contra e contra a natureza em solo brasileiro.
Falo
da colossal tragédia ambiental ocorrida em Mariana, Minas Gerais, e que
respingou também no Espírito Santo.
Segundo
reportagem publicada no Jornal Folha de São Paulo, a empresa de mineração,
Samarco, encomendou, no ano de 2009, um plano de monitoração 24 horas das
barragens, com a finalidade de alertar os moradores da região, para o caso de
algum acidente, alguma emergência. O plano, ao invés de ser colocado em prática
pela empresa, foi engavetado. Após a maior tragédia ambiental do Brasil, e quem
sabe, do mundo, a empresa veio com uma desculpa de que não colocou o plano em
prática devido à crise econômica. Ora, a crise econômica veio estourar no ano
passado, mas em 2009, atravessávamos um quadro econômico, relativamente
tranquilo, então essa desculpa não serve. Eles que tratem de arrumar outras
mais convincentes, se é que as têm. Além do mais, para uma empresa que fatura
bilhões de reais por ano, esse plano que ajudaria a salvar vidas, não custaria
muito caro. Afora, os projetos de melhorias estruturais na barragem, que devem
ter sidos deixados de lado, e que também poderiam evitar a tragédia.
O resultado
desse descaso foi a morte de 8 pessoas, 11 estão desaparecidas, sem contar a
morte da fauna e da flora da região, que levará muito tempo para se recuperar
desse golpe.
O fato
aconteceu no dia 05 deste mês. O belo distrito de Bento Rodrigues, em Mariana,
Região Central de Minas Gerais, era uma lugar de paisagens paradisíacas,
rodeada de muito verde, e privilegiada com fauna e flora magníficas. Na tarde
daquele dia, os moradores do distrito ouviram um forte barulho... E não tiveram
dúvidas, saíram correndo morro acima. Atrás deles uma enxurrada de lama tóxica
seguia vale adentro, engolindo tudo o que encontrava pela frente. A barragem de
rejeitos da mineradora Samarco, administrada pela Vale do Rio Doce e pela
anglo-australiana BHP, havia acabado de se romper. Infelizmente, algumas
pessoas não tiveram a chance de escapar.
A
lama grossa, tóxica, quase um cimento, destruiu tudo o que os moradores tinham
levado uma vida inteira para construir. Destruiu suas casas, seus
eletrodomésticos, veículos, e coisas do gênero. Destruiu também a história de
vida daquelas pessoas, tão carinhosamente guardadas nos álbuns de retrato de
família. Os desabrigados foram levados para um complexo esportivo do município
e ali estão recebendo doações de roupas, colchões, cobertores, água e gêneros
alimentícios.
Entretanto,
a tragédia não parou por aí. Como um monstro voraz, a grossa lama, seguiu rio
abaixo. Como diria o santo protetor da natureza, Francisco de Assis, o irmão
rio, Rio Doce, cujas águas eram límpidas e puras, ficaram sujas, pesadas, e
venenosas, matando muitos peixes que faziam festa em suas águas, águas que também
refrescavam os corpos da populações ribeirinhas e lhes aliviavam a sede.
Mas
a tragédia não se limitou ao Estado de Minas Gerais. A lama foi avançando,
correndo rio abaixo, e chegou ao Espírito Santo, provocando mais revolta e
indignação. O fornecimento de água foi suspenso nas cidades que dependiam do
rio para seus sistemas de abastecimento, provocando severo racionamento de água,
que passou a ser distribuída por caminhões-pipa. Em Colatina, à noroeste do
Espírito Santo, em pelo menos dois bairros, houve protesto e manifestações
devido a distribuição e água. Os moradores reclamam que não estão recebendo
água mineral. Eles reclamam também da distância que tem que percorrer para
pegar alguns litros de água. Ainda essa semana, em outra reportagem exibida
pela TV, ouvi o relato de uma moradora da região que dizia estar com 8 pessoas
em casa, e que havia recebido apenas 2 litros de água mineral. Esse é o drama
enfrentado por ela e milhares de pessoas que sofrem com a tragédia.
Mas
a tragédia ainda não acabou. Como todos sabem, todos os rios deságuam no mar. É
o destino deles. Infelizmente, neste domingo (22), o mar de lama, desaguou, —
perdoem-me o trocadilho, mas não tive como evitá-lo —, no mar. E, ao desaguar no
mar, esse mar de lama, que já havia matado o rio, os peixes que nele viviam, e
que matou a esperança dos ribeirinhos, também ameaça causar sérios danos à vida
marinha.
Não
sei onde estava a presidente, pois somente uma semana após a tragédia, ela
resolveu sobrevoar a região. Não deveria ter sido ela mais presente? Mas enfim,
as coisas por aqui caminham com uma lentidão que impressiona. As repostas são
dadas com uma vagareza... Isso não escapa aos olhos atentos da ONU, que, em
comunicado divulgado nesta quarta-feira (24), crítica a Vale, a BHP e o
governo. “As providências tomadas pelo
governo brasileiro, a Vale e a BHP para prevenir danos foram claramente
insuficientes. As empresas e o governo deveriam estar fazendo tudo que podem
para prevenir mais problemas, o que inclui a exposição a metais pesados e substâncias
tóxicas. Este não é o momento para posturas defensivas”, diz a ONU.
É com
pesar que eu, e o Brasil, acompanhamos as notícias vindas de Mariana. A alma
chora junto com o coração daquela gente que vive momentos tão conturbados. O
que dizer às mulheres de uma associação de Bento Rodrigues, que cultivavam,
plantavam, e colhiam a pimenta biquinho, e com ela faziam deliciosas geleias? O
que dizer ao pescador que, ao jogar as redes no fundo do rio, senti-as quase
arrebentar de tanto peixe? Que dizer ao agricultor que jogava na terra as suas
sementes e colhia excelentes safras? Que dizer às crianças, jovens e velhos que
viram seu paraíso ruir, invadido por um mar de lama tóxica?
Não
há muito que falar num momento desses, não é mesmo? Um abraço, uma oração, uma
doação, essas coisas já são um afago para quem olha o horizonte com tristeza.
Os
responsáveis por essa tragédia? Serão punidos? Ou ficarão impunes como impunes
tem ficado tantos outros que atentam contra a vida humana, e contra a mãe
natureza? O governo tomará medidas enérgicas para puni-los e exigir um mínimo de
reparação?
O
fato é que estamos assistindo a morte de um rio, de uma região com toda sua
fauna e flora, e da esperança dos que nela habitavam. Isso sem falar na ameaça
que ronda o mar do Espírito Santo. E, — mais
uma vez perdoem-me o trocadilho — que o Espírito Santo ilumine e dê a força ao
povo de Minas e do Espírito Santo, que sofre as consequências da maior tragédia
ambiental já vista na história do Brasil.
Talvez,
algum dia, o Rio Doce reviva. Mas, dizem os especialistas, que isso deve
demorar, pelo menos, uns dez anos. Entretanto, mesmo que o rio ressuscite, é provável
que nunca mais recupere o vigor dos tempos áureos.
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