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Debates e reflexões sobre o ensino de literatura africana na universidade, e sobre identidade colonial e pós colonial nas culturas africanas de Lingua Portuguesa
Posted by Cottidianos
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01:41
Sábado, 07 de novembro
Esta semana, após comparecer a um
evento na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), saí de lá um pouco
pensativo, reflexivo acerca de algumas questões. As instituições de ensino, e
as universidades por excelência, são centros de saber e conhecimento. Dela saíram
— e outros tantos ainda sairão — grandes pensadores que, com suas ideias,
ações, experimentos, e realizações, contribuíram muito para o progresso da
sociedade em seus mais diversos setores.
Sem dúvida, a universidade é um mar de
conhecimento, mas alguma propriedade desse líquido ainda consegue
escapar àquele mar. Por exemplo, nas escolas por onde passei, nem na
universidade, nunca me falaram de autores africanos, nunca estudei literatura
africana. Nos currículos escolares, sempre se foi dado enfase as literaturas
brasileira e portuguesa, e consequentemente aos grandes autores que brilharam
no céu desses mundos literários. E porque, sendo a África, um dos elementos
formadores de nossa raça, de nosso povo brasileiro, nunca nos foi apresentado
seu universo literário? A história que nos foi ensinada nos bancos escolares e,
até mesmo nas universidades, sempre foi a versão dos dominadores, como se os
dominados não tivessem nem voz e nem vez.
O evento do qual participei, dia 03
deste mês, na Unicamp, cujo título era, Diálogos entre Culturas: Brasil e
países de língua Oficial Portuguesa, realizado no auditório do Centro de Convenções
da Unicamp, versavam sobre essas questões. Foi um dia inteiro de debates e
reflexões, em um dos painéis na parte da tarde, intitulado, Literatura e Cultura Africana em Língua
Portuguesa, foi discutida a ausência do ensino da literatura africana na
universidade. Dele participaram a Professora Dra. Orquídea Ribeiro, da Universidade
de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTDA), Portugal, que discorreu sobre o tema, Identidade Colonial e Pós-Colonial nas Culturas
Africanas de Língua Portuguesa. O Professor, Dr. Alfredo Cesar
Melo, do Instituto de Estudos da Linguagem IEL-Unicamp, falou sobre os desafios
de implantar a literatura africana e afro-brasileira na universidade, e a
Graduanda em Estudos Literários – IEL-Unicamp, falou sobre sua experiência e
sua luta para implementar o estudo de autores africanos na Unicamp.
Em seu discurso a professora Orquídea,
ressaltou o fato de que em decorrência da colonização, as culturas africanas
sofreram mudanças que causaram grande impacto. Tais mudanças atuaram como
influenciadoras de comportamentos individuais. À medida que o processo de
colonização foi se intensificando a distância das culturas africanas naquilo
que lhes era de mais essencial, foi sofrendo um distanciamento. Isso causou
fortes conflitos que se constituíram em grandes desafios para as próprias
identidades culturais e, consequentemente, para a própria identidade pessoal
dos africanos. De forma que se pode afirmar que o processo colonialista limitou
à produção cultural nas sociedades africanas. O colonialismo além de tirar dos
indivíduos negros, a sua alma, a sua dignidade, a sua identidade, também teve o
lado perverso de destruir a cultura desses grupos. E nessa questão também se
verifica outro nível de dominação: a dominação de uma cultura sobre a outra.
Um discurso desconstrutor das
narrativas escritas pelo colonizador, e com narrativas construídas sob o ponto
de vista do colonizado, apenas veio a surgir após a 2a Guerra
Mundial. Era a oportunidade de trazer à cena a cultura africana que, por tanto
tempo, foi tão mal compreendida e interpretada.
O Professor Dr. Alfredo Cesar Melo
falou sobre desafio do ensino da literatura africana e afro-brasileira, na
universidade, ressaltando que o dialogo sobre essas questões sempre se dá a
partir dá a partir de outros atores, como por exemplo, os alunos, e não apenas
dos professores. Para o professor a principal crítica sobre a questão dos pós-colonialismo
e quão subalternizadas se encontram as culturas africanas ainda nos dias
atuais. Quando nos debruçamos sobre a contribuição dos negros para formação do
pensamento social brasileiro, nos deparamos com uma corrente humanitária,
pensadores que fazem uma crítica a desumanização que foi o processo da escravidão,
uma crítica também ao pensamento econômico vigente à época. O professor citou o
autor Caio Prado Junior, que afirmou que a principal contribuição que os
africanos e seus descendentes tinham dado a cultura brasileira foi a sua força
de trabalho, expressando uma visão deturpada de uma cultura que tinha seu
próprio modo de pensar, com seus desafios e sua dignidade. Disse Alfredo, que “um
dos grandes desafios do ensino de literatura é, de alguma forma, dar visibilidade àquilo que tem tornado-se tão invisível na cultura brasileira”.
Por último falou a estudante de
graduação em Estudos Literários, Natália Magno. O discurso da estudante não em
nada a dever aos discursos dos professores que falaram antes dela. A estudante
contou que foi transformada pela leitura do livro, O Último Voo do Flamingo, do
autor africano, Mia Couto. Segundo ela, o livro mudou o modo pelo qual ela via
o mundo e a literatura. A partir dessa experiência, ela decidiu fazer o curso
de Estudos Literários, no Instituto de Linguagem, na Unicamp. Logo de início,
teve uma decepção ao perceber que nenhum professor estudava os autores
africanos, e não somente não estudavam como também não se interessavam pelas
produções literárias que vinham do continente africano. Porém, como diz a letra
de uma conhecida música do cancioneiro brasileiro, “quem sabe faz a hora não
espera acontecer”, a estudante lutou para que fosse corrigida essa incoerência
no currículo de uma tão conceituada universidade e, juntamente, com outros
estudantes, conseguiu criar o GELCA (Grupo de Estudos de Literatura e Cultura
Africana).
O grupo foi em busca de material de
apoio em outras conceituadas universidades como a Universidade de São Paulo, e
a Universidade do Porto, que justificassem a implantação dos estudos em
literatura africana, no IEL. “O Brasil, em decorrência do processo de escravização
dos africanos, iniciado no período colonial, tem hoje a segunda maior população
negra do mundo. Os elementos africanos estão presentes não só na genética de
grande parte da população brasileira. Mas também nas expressões sociais,
culturais e religiosas, que ainda continua à margem do universo acadêmico e,
por consequência, são vítimas de preconceito. Com o objetivo de reverter esse
quadro de marginalização das expressões africanas e afro-brasileiras, o governo
brasileiro, aprovou, no dia 09 de janeiro de 2003, a lei 10.639, que alterou o
currículo dos ensinos fundamental e médio, e tornou obrigatório o ensino da História
da África e do Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira. Apesar da
iniciativa do governo nos deparamos com um cenário no qual as escolas não estão
aptas a colocar essa lei em prática”, disse a estudante durante seu discurso.
O fato citado pela estudante é muito
comum acontecer no Brasil. O governo faz leis, porém não cuida de um plano prático
para execução delas e, em decorrência disso, muito leis acabam ficando só no
papel. Cria-se uma lei que torna obrigatório o ensino de determinada matéria,
porém, não se prepara os professores para que cumpram eficazmente o que está no
papel.
Na própria Unicamp, dizia, a estudante,
alguns institutos fazem esforços louváveis em conjunto com o Grupo de Estudos
Afro-Brasileiros, e os resultados alcançados tem sido positivos. Porém o
Departamento de Teoria Literária não acompanha a demanda, devido à falta de
posicionamento do instituto tem prejudicado milhares de alunos. Essa ausência
de estudos em literatura africana, bem como a falta de docentes para essa
matéria, é a causa do desconhecimento dos alunos em relação aos autores
africanos. “A descoberta do continente africano enquanto campo de produção de
conhecimento é um feito recente na história mundial, as primeiras universidades
a adotarem a África enquanto disciplina acadêmica, o fizeram, principalmente,
após a 2a Guerra Mundial, não por acaso, quando o continente começou
a emancipar-se de sua última colonização, realizada no século XIX,
curiosamente, o Brasil não seguiu o fluxo das universidades dos Estados Unidos,
europeias e africanas. Enquanto a África atingia a sua maioridade nos meios
intelectuais, as pesquisas brasileiras centraram-se sobre a escravidão e seus
descendentes em território nacional e seus descendentes em território nacional,
e seu papel na formação do brasileiro, esquecendo-se da matriz, a África”,
disse Natália.
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