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Discriminação sentida na pele se transforma em exemplo
Posted by Cottidianos
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22:57
Sábado,
29 de agosto
“O Sol há de brilhar mais uma vez
A
luz há de chegar aos corações
Do
mal será queimada a semente
O
amor será eterno novamente”
(Juízo Final – Nelson Cavaquinho/Elcio
Soares)
Se
levada ao plano ideológico, a vida parece ter sido, desde tempos imemoriais,
uma acirrada batalha entre o bem e o mal. Há os que cometem injustiças, e os
que buscam reparar essas mesmas injustiças. Há os que discriminam, e os que
lutam para que sejam punidos os que cometem discriminações. Há quem semeie ódio, e há quem semeie o amor.
Em tudo isso, o fiel da balança é sempre, no plano terreno, a justiça dos
homens e, no plano espiritual, a justiça divina. Se os homens tivessem
consciência de como esta última é eficiente, tão mais eficiente que a justiça
dos homens, eles procurariam agir sempre com retidão na convivência com seus
semelhantes.
Nessas
idas e vindas da vida, a herança do passado parece estar sempre retornando ao
presente. Na linguagem espírita se diria que os homens cumprem seu carma. Assim
como no passado do Brasil colonial, no qual imperava o triste e vergonhoso
sistema escravocrata, cenário onde os senhores de escravos e outros agentes
públicos faziam cair sua pesada mão sob seus subordinados, hoje também há os
que submetem homens e mulheres, brancos e negros, ao trabalho escravo, em
condições degradantes e humilhantes.
Assim
como passado, emergiram desta gloriosa luta, grandes nomes do abolicionismo
brasileiro, como por exemplo, Joaquim Nabuco, Castro Alves e Rui Barbosa, que,
de forma consciente, plantaram ideias libertadoras, inicialmente em conversas e
debates travados em clubes, lojas maçônicas, cafés e jornais, depois essas
ideias, tal qual rastilho de pólvora, foram se espalhando por toda a sociedade,
tornando-se processo irreversível, hoje também, essa luta por uma sociedade
igualitária na qual os direitos de todos sejam respeitados, e os homens sejam
vistos apenas como parte de uma raça, a raça humana — luta essa que, ao que
parece, ainda está longe de acabar — também encontra respaldo nas pessoas e instituições.
Em
minha postagem de terça-feira, último dia 18, falei da Comissão da Verdade
sobre a Escravidão Negra no Brasil — criada pela Ordem dos Advogados do Brasil
– OAB nacional, e que se pretende difundida por todas as OABs de todos dos
estados brasileiros — cujo objetivo é se debruçar sobre esse triste período da
história brasileira, a fim de reparar históricos erros cometidos.
Hoje,
quero apresentar-vos o Dr. Ademir José da Silva, um dos bravos guerreiros na
luta contra a discriminação e o preconceito. Ademir é advogado militante, e
também exerce o cargo da Analista de Gestão em Direito, da Secretaria Municipal
de Gestão de Pessoas da Prefeitura de Jundiaí. Com 63 anos, ele também é
presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-Campinas e, recentemente, foi
convidado a integrar a Comissão da Verdade, da OAB - São Paulo. Ademir nasceu
em Mato Grosso, mas veio ainda muito jovem para o Estado de São Paulo. Foi em
terras paulistas que começou a participar de movimentos que defendem a causa
negra.
Recentemente,
O Dr. Ademir concedeu uma entrevista esclarecedora sobre a questão negra, e
sobre a Comissão da Verdade, da qual faz parte. Compartilho com vocês o link da
entrevista a TVE Jundiaí, no Youtube. Vale a pena conferir esta entrevista, com
duração de 28 minutos, após a leitura desta postagem.
Abaixo,
compartilho também com vocês, uma entrevista, muito bem elaborada, que o Dr.
Ademir concedeu ao Jornal de Jundiaí, através da repórter, Márcia Mazzei.
Discriminação sentida na pele se transforma em exemplo
Ele nasceu em Mato Grosso do Sul, vive em Campinas,
mas é na Prefeitura de Jundiaí, que desde 2012, o advogado Ademir José da
Silva, divide boa parte de sua experiência no Conselho de Participação e
Desenvolvimento da Comunidade Negra, além do apoio jurídico concedido a
Coordenadoria Especial de Promoção da Igualdade Racial. O despertar de toda
esta vontade em garantir direitos iguais, independente da etnia, garantiu a ele
o convite para integrar a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no País.
Hoje, ele faz a diferença, faz diferente e espera pela mudança que ainda virá e
que contempla todas as cores.
Jornal de
Jundiaí: Como o senhor recebeu a convocação da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) de Campinas para integrar a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra
no País?
Ademir da
Silva: Desde 2003 eu participo de
comissões da OAB, entre elas, a de Igualdade Racial. Eu acredito que o convite
veio do vasto trabalho desenvolvido ao longo da minha história na comunidade
negra e que chegou a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra.
JJ: Como será o
trabalho desenvolvido por esta comissão?
AS: Na verdade, os trabalhos estão em fase embrionária,
embora a comissão nacional já está instalada. Composta por representantes dos
27 estados, a comissão tem como objetivo levantar, documentar e analisar o
processo de escravização que, oficialmente, se estendeu por 354 anos, mas que
pelo nosso entendimento ainda existe no Brasil. Hoje, não apenas pelos negros,
mas sabemos de trabalho escravo praticado de forma ilegal no País. A outra
frente da comissão será levantar uma possibilidade de responsabilidade do
Estado com relação a este processo. A terceira vertente será a proposição de
políticas afirmativas de inserção de forma concreta de integração, participação
e apropriação de tudo o que se produziu neste país e que hoje ainda os
afrodescendentes estão muito distantes.
JJ: Neste sentido,
o senhor teria algum exemplo?
AS: Entre os cargos criados no Brasil, hoje, tanto nos
três poderes, como na iniciativa privada, apenas 18% são ocupados por negros.
No Supremo Tribunal Federal não há um negro. O Supremo Tribunal de Justiça eu
conheço apenas um negro, o mesmo vale para o Tribunal Superior do Trabalho.
Entre os 39 ministros da Presidência da República, apenas a de Política e
Promoção da Igualdade Racial, Nilma Lino Gomes é negra. Em contrapartida, as
estatísticas apontam que 52% da população é negra.
JJ: E o racismo
institucional?
AS: É o olhar de
naturalidade da sociedade diante da ausência de negros nas instituições, como
se não houvesse capacidade ou interesse dos negros em ocupar estas vagas. Basta
passar os olhos pelas galerias de fotografias das Câmaras municipais,
prefeituras e instituições de outras instâncias que se constatará a ausência
quase que toral das mulheres e dos afrodescendentes. A democracia avançou
muito, mas a sociedade ainda é predominantemente branca e masculina.
JJ: As cotas
permitem aos negros esta igualdade ou é mais uma ferramenta de discriminação?
AS: Hoje, 80% dos juízes que prestam concurso para
ingressar o Poder Judiciário. Isso também é cota. Na época do Sarney, em 1986,
foi criada a Lei do Boi, que instituiu vagas para os filhos de fazendeiros
garantirem vagas nas escolas agrícolas. Isso também é cota e existe até hoje.
Existem cotas para os deficientes físicos. ou seja, as cotas para os
afrodescendentes não é novidade. Se fizermos uma análise de todo o arcabouço
histórico dos negros, verificaremos que somente em 1993, em uma conferência
internacional de direitos humanos, na Suíça, o governo brasileiro reconheceu
que ainda não tinha resolvido o problema da discriminação. A partir daí, ficou
decidido corrigir esta discriminação racial, por meio da criação de políticas
compromissadas com a reparação deste processo de escravidão. No Brasil, temos as
políticas afirmativas, cujas cotas são apenas uma espécie para que os negros
tenham maior participação em diferentes esferas institucionais. Ou seja, as
cotas é um instrumento de discriminação positiva, sendo que a negativa nós já
temos que é 100% de cotas nas instituições para os não negros. Se temos 50% da
população negra, porque apenas 20% das vagas são destinadas aos
afrodescendentes.
JJ: O senhor já
sofreu alguma discriminação?
AS: Até os meus 18 anos de idade eu nunca sofri qualquer
tipo de discriminação. Hoje, eu sei que até tive momentos que poderiam ser
caracterizados como discriminatórios. Após os 18 anos, eu vivi uma situação
triste. Eu morava na avenida Orozimbo Maia, em Campinas, e trabalhava como
alfaiate. Ao fazer a entrega de uma roupa, o porteiro do prédio sugeriu que eu
utilizasse o elevador de serviço. Este caso mexeu comigo, porque despertou um
sentimento de baixa autoestima. Quem discrimina nem imagina o mal que causa. Há
casos de pessoas que se deprimem. Uma outra situação de discriminação aconteceu
quando eu tentei me tornar sócio de um clube de Campinas e enfrentei
dificuldades. Na época, eu trabalhava em uma multinacional e o meu gerente, que
era sócio do clube, decidiu me ajudar. Foi quando eu descobri que o único sócio
do clube negro era o Amaral, zagueiro central da seleção brasileira. Neste
momento eu assumi o desejo de lutar pela igualdade racial e, ao me associar ao
Clube Cultural Recreativo Campinas, que foi fundado por um grupo de pracinhas
negros que estiveram na 2ª Guerra Mundial. Foi quando comecei a desenvolver
este trabalho que segue na minha vida até hoje.
JJ: Como o senhor
vê as relações sociais dos negros na sociedade?
AS: Eu vejo como um processo que todos os brasileiros
têm que resolver: cada um na sua parcela de intolerância. Nós não temos
condições de ter um País viável onde quase 50% da população vive em situações
aleijado. Eu tenho amigos negros que sonham em ser médico, mas não possui
condições e não é por falta de força de vontade. Tudo é consequência: quando uma
empresa não aceita um negro da recepção, ela não só esta tirando este
afrodescendente dali, como tira a possibilidade do filho deste negro estudar em
uma universidade.
JJ: Qual o maior
direito que o negro ainda não conseguiu conquistar?
AS: O direito material, nós só temos o direito formal.
Nós temos uma estrutura que não reflete o que a lei prega. Hoje, nós temos que
buscar o direito na prática. Se somos todos iguais diante da lei, temos que
ocupar o mesmo espaço, os mesmos cargos e na mesma proporção.
JJ: Como o senhor
enxerga o futuro do negro na sociedade?
AS: Eu sou um otimista. Eu vejo o futuro com bons
olhos. Nós vivemos um momento de discussão, debate e consciência de que podemos
ter um País muito mais forte. Todas as instituições, pública e privada, devem
olhar para o arco iris que é o Brasil, teremos um futuro brilhante pela frente.
***
Segue
link para entrevista do Dr. Ademir, à TVE Jundiaí, no Youtube:
Bem
como link para a entrevista concedida à jornalista Márcia Mazzei, na página do
Jornal de Jundiaí:
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