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Comissão da Verdade Sobre a Escravidão Negra no Brasil: Tentando reparar erros históricos
Posted by Cottidianos
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Terça-feira,
25 de agosto
“A escravidão é como um desses venenos que se infiltram pelo perfume:
ela
se infiltra pelo egoísmo.
Depois
de se haver introduzido na sociedade
e
de ter alimentado uma raça à custa de outra ela corrompe a ambas”
(Joaquim Nabuco, no ensaio, A
Escravidão)
Negros Navios. Navios Negreiros
Os
navios cortavam as grandes águas! Salgadas águas! Salgadas lágrimas. Negros
navios. Navios negreiros. Naquela imensidão em que mar e céu, céu e mar azul se
confundiam, sob dourado sol, naquelas ondas espumantes, acima das
quais as aves bailavam livres, também havia dor e sofrimento, também havia desespero,
desesperança, e solidão. Presos nos porões daqueles navios, os escravos viajavam,
nas mais degradantes condições. Gente que era tratada como coisa, mercadoria
que se compra e se vende e se compra em qualquer porto. Em suas terras de
origem eram livres, como livres eram as aves que pairavam sobre aquelas águas
bravias. Alguns até eram de estirpe real. Eram reis e princesas. Depois de
capturados, negociados, vendidos e transportados para terras distantes, perdiam
a condição se serem humanos. Sob o sol escaldante do meio dia, ainda
estralavam-lhes nas costas, o açoite de chicotes manipulado por mãos desumanas
e corações de pedra. Essa humilhação durou por muitos anos, séculos a fio.
Então,
finalmente, em 13 de maio de 1888, uma princesa por nome, Isabel, sancionou,
com pena de ouro, a lei que pôs fim a mais de 300 anos de escravidão. Isabel,
mais que aos escravos, libertou o Brasil da humilhação de ser um dos últimos
países do continente americano — e também do mundo — a ainda adotar essa
vergonhosa prática. A proposta que determinava o fim da escravidão havia sido
enviada, pela Princesa Imperial Regente Isabel, à Assembleia Geral, na terça-feira,
08 de maio daquele ano e, graças ao empenho da bancada antiescravagista, cujo
líder era Joaquim Nabuco, o projeto foi votado em tempo recorde. Naquela bela
tarde de domingo, cerca de cinco pessoas, se reuniram em frente ao palácio real
para verem de perto o tão sonhado e esperado momento.
Foi
Joaquim Nabuco, político, branco, de família nobre e rica de Pernambuco, que,
de uma das sacadas do palácio, anunciou que não haveria mais escravidão
no Brasil, a partir daquele dia. Uma explosão de aplausos fez ouvir no por toda
a cidade, e alegria e esperança brotaram no coração de um país inteiro. Após a
fala de Joaquim Nabuco, surgiu na sacada a Princesa Isabel, sendo bastante
aclamada pelo povo. Foi, sem dúvida, uma importante conquista para os negros,
bem como para o progresso de toda a sociedade brasileira.
Algumas
leis importantes haviam antecedido a abolição, mas nenhuma delas era,
efetivamente, favorável ao negro escravo. Por exemplo, a lei que previa sanções
contra o tráfico de escravos, surgida em 1945, amenizou um pouco a situação,
mas não impediu, de fato, que os escravos continuassem sendo trazidos para o
Brasil. Em 1871, foi assinada a Lei do Ventre Livre, que dava liberdade aos
nascidos de escrava, mas tinham que ficar na tutela dos senhores, até os 21
anos. Por outro lado, a Lei dos Sexagenários, de 1885, dava liberdade aos que
completassem mais de 65 anos, porém, tinham eles que prestar serviços aos
senhores, a título de indenização. Porém, de todas essas leis, nenhuma trouxe
os resultados esperados. Todas elas eram, simplesmente, descumpridas.
A
abolição chegou. A festa foi feita com grande entusiasmo pela população. Porém,
talvez os legisladores, no afã de liberdade que dominava os corações, não
tenham pensado no dia seguinte, o dia 14 de maio de 1888. Os negros escravos
foram libertados, mas não houve nenhum projeto no sentido de indenizá-los por
tantos anos de exploração. Não lhes foi pago a quantia justa por tanto trabalho
suado, de sol a sol, nem lhes foi feita justiça pelo sangue que escorreu pelas
suas costas, em consequência das chibatas recebidas, na maioria das vezes, por
motivos insignificantes, ou pelos simples caprichos de seus senhores, senhoras
e feitores. Tampouco lhe foi oferecida uma qualidade de vida digna.
Abandonados
a própria sorte, passaram a viver à margem da sociedade. Livres, mas sem direito
a educação de qualidade, a tratamentos de saúde, e ainda por cima ainda
carregavam sobre si a terrível marca do preconceito.
Já
se vai longe aquele dia 13 de maio de 1888, mas o dia seguinte parece persistir
até os dias atuais. Hoje em pleno século XXI, os negros continuam sendo
discriminados, jogados à margem da sociedade, perseguidos e mortos pela
polícia. Por exemplo, os negros são maioria no Brasil, do total geral
populacional, eles formam 53%, apesar disso estão distantes dos melhores cargos
e dos melhores salários.
Um
levantamento feito pelo jornal Folha de São Paulo com 1.138 profissionais que
ocupam postos de destaques na política, saúde, artes, saúde e universidades,
mostra que os negros estão pouco presentes na elite brasileira. Em se tratando
de representatividade o levantamento feito pelo jornal, diz:
Dos 513 deputados federais eleitos
em 2014, 80% são brancos. Na Justiça, a prevalência dos brancos é ainda maior:
25 dos 29 ministros do Superior Tribunal de Justiça são brancos, três são
pardos e um, preto. Todos os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, a corte
máxima do país, são brancos, desde que Joaquim Barbosa se aposentou.
O ministro aposentado Carlos
Alberto Reis de Paula, 71, que foi o primeiro presidente negro do Tribunal
Superior do Trabalho, afirma que os casos de racismo se repetiram ao longo de
sua vida. Ele lembra, em especial, quando foi impedido de entrar em um clube em
1967. “As coisas para nós, negros, eram mais difíceis. A gente tinha que lutar
mais, tinha que se empenhar mais, tinha que provar para os outros que éramos
capazes.”
Na música erudita, a situação é
parecida. A Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), considerada uma
das mais importantes da América, tem entre os brasileiros de seu coral 29
brancos (63%), 15 cantores negros (33%), um amarelo e um indígena.
A televisão também conta com uma
representação baixa da população negra. As cinco novelas inéditas em exibição
na rede aberta têm apenas 15% de atores negros, contra 85% de brancos.
Tentando
reparar erros históricos
Há
atores sociais que percebem essa luta e nela se engajam. São pessoas e
instituições que, como o grande abolicionista Joaquim Nabuco, buscam uma
reparação para tantas humilhações e injustiças. Uma dessas instituições é a
Ordem dos Advogados do Brasil, e uma dessas pessoas é o advogado Ademir José da
Silva, presidente da Comissão de Igualdade Racial, em Campinas, e membro da Comissão
da Verdade Sobre a Escravidão Negra no Brasil, da OAB do Estado de São Paulo.
A
solenidade de posse da Comissão da Verdade Sobre a Escravidão Negra no Brasil,
da OAB SP, ocorrida no último dia 18 de agosto, uma noite de terça-feira, nas
dependências da instituição, na cidade de São Paulo, foi bastante concorrida. O
salão nobre do 1o andar, do prédio localizado na Praça da Sé, bem ao
lado da histórica Catedral da Sé, estava lotado. Foi tanta gente, que foi
preciso abrir mais duas salas nas quais foram colocados telões para que o
público presente pudesse acompanhar a solenidade.
Foram
empossados, o presidente, Sinvaldo José Firmino, a vice-presidente, Maria
Sylvia Aparecida de Oliveira, a secretária, Cleusa Lincol Martins, além dos
membros efetivos, colaboradores e correspondentes. O público também foi
brindado com a palestra do advogado Humberto Adami, presidente da Comissão
Nacional da Verdade Sobre a Escravidão Negra no Brasil, que falou acerca dos
objetivos e do papel da comissão, bem com traçou um retrato da escravidão no
Brasil.
“Aconteceu um holocausto na América, quatro
milhões de pessoas foram transportadas da África para este continente e 600 mil
negros morreram durante esse transporte. Quando o povo negro foi libertado,
foram jogados nas periferias das cidades, sem assistência alguma. A OAB SP dá
um passo importante para tentar reparar esse erro que mancha a história”,
disse Martim de Almeida Sampaio, diretor adjunto de Direitos Humanos da OAB SP,
ao site da OAB/SP.
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