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Travessia
Posted by Cottidianos
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Quinta-feira, 27 de agosto
“Quando não
houver caminho
Mesmo sem
amor, sem direção
A sós ninguém
está sozinho
É caminhando
que se faz o caminho
Quando não
houver desejo
Quando não
restar nem mesmo dor
Ainda há de
haver desejo
Em cada um de
nós, aonde Deus colocou”
(Enquanto
houver sol
letra: Sérgio Brito Interpretação: Titãs)
Mar! Palavra tão pequena para designar um infinito de
águas azuis, profundas, misteriosas. Tuas ondas bravias quebrando nos rochedos é
um espetáculo fascinante. Um deleite para o coração. Tuas ondas suaves e mansas
que vêm brincar nas brincar na areia do mar, lavam os pés com tanta candura,
que é capaz de levar embora angustias escondidas no coração. Quando a noite
chega com seu manto estrelado sobre teu reinado, és tu o rei, resplendente de
brilho e segredo. Em tua superfície, o brilho das estrelas a bailar sobre tuas
águas, assemelham-se ao brilho de milhares de diamantes. Quando a noite vai
embora, chega o dourado sol, a resplandecer sobre tuas áureas águas.
Porém, quantos segredos escondes? Por certo milhões
deles. Oh, mar! Quantas vidas humanas tu tragaste? Impossível contar. Quantos
navios repletos de valiosos tesouros já não chamaste para repousar em teu
leito? Quem os poderá saber?
Há cinco séculos, tuas ondulantes águas e tuas
correntes marítimas, serviram de cenário para um comércio vil e desumano: o
comércio dos escravos. Os negros, capturados no continente africano, eram
trazidos para o Brasil em condições desumanas, degradantes. Eles não fugiam.
Eram capturados, escravizados e obrigados a abandonar suas terras, amadas
terras. Lá eles tinham esperanças. Lá estavam fincadas suas raízes, suas
culturas, suas vidas. E na terra distante, o que encontrariam?
O progresso científico e tecnológico que a humanidade
experimentava naquela época, era um riacho, se comparado ao oceano de tecnologia
e ciência no qual navegamos nos dias atuais. Internet, computadores de última
geração, satélites, foguetes, aviões supersônicos, incríveis avanços na
medicina… Bastam apenas umas poucas palavras para vermos que saltos gigantescos
o homem têm dado.
Mas, infelizmente, o homem não foi capaz de capaz de
resolver uma equação bem simples: A equação da igualdade. Chega a parecer
patética essa incoerência. Uma humanidade que, através de seus físicos,
químicos, matemáticos, conseguiu propor e resolver complexas equações, não
soube resolver coisa tão simples.
O resultado disso, é que, em pleno século XXI, voltam
os mesmos cenários: O mar, os navios, a travessia, os aproveitadores, e a morte
de inocentes.
A Europa, a poderosa e rica Europa, vive uma crise de
imigração sem precedentes em suas fronteiras. Perdida em seus devaneios, ela
não sabe o que fazer diante de tal inusitado fato. Adota a violência como
solução. Alguns concordam. Outros discordam. Uma vez derrubaram muros, agora
querem construí-los novamente. E assim, passa dia e chega noite, e os
migrantes, sofridos migrantes, continuam a chegar… E ele vêm aos milhares, da África,
da Ásia, do Oriente Médio.
Diferentemente dos tempos idos, eles não são
capturados, nem escravizados. Nos tempos atuais eles fogem. E do que fogem?
Fogem da terrível miséria humana. Fogem da fome, da peste, da guerra. Em suas
terras, amadas terras, o sol deixou de brilhar para eles. A esperança deixou de
brotar no solo de seus corações. Apenas uma árida e deserta desesperança
insiste em nascer no solo de suas pátrias.
Para fugir da noite sem estrelas que se abateu sobre a
terra na qual habitavam, eles preferem pagar caro aos aproveitadores, e entrar
em navios no qual viajam em condições degradantes. Os aproveitadores ficam
ricos milionários, aliás, não são vidas humanas que a eles interessam, mas o
brilho de um dinheiro ganho às custas da esperança alheia. Fracos e abarrotados
de gente, os navios são tragados pelas ondas do mar revolto. E, junto com as
embarcações, afundam também sonhos, esperanças… e vidas humanas. Milhares delas.
Crianças, jovens, velhos descem ao fundo do mar. Talvez encontrem melhor
acolhida no castelo das serias, mas que o saberá?
Aos que vão por terra firme, de fronteira em
fronteira, as adversidades não são menores. Chegar ao sonhado país — nos quais
eles apostaram as últimas fichas de que seriam acolhidos, — não garante
vitória. Muitos são deportados tão logo chegam. Sem contar que as leis de
imigração tornam-se cada vez mais rígidas.
E assim passa o navio da vida. Novos tempos. Velhos
mares. Mesmos atores. Mesma miséria humana.
É velha Europa tens um grande problema para resolver,
aliás, problema que não é privilégio apenas teu.
É ao olhar perdido da criança imigrante, ao olhar
esperançoso do jovem, ao desejo do velho de encontrar um pouco de paz em sua
velhice, ao pai que sonha em dar melhores dias à esposa e filhos, dedico à
letra da canção, Travessia.
Lançada em 1967, escrita por Fernando Brant e Milton
Nascimento, Travessia é uma canção romântica que fala desse mar de sentimentos
no qual todos nós mergulhamos todos os dias: sofrimento, angústia, sonho,
tentativa de superação, mas acima de tudo, a esperança de amar de novo, a esperança
de recomeçar.
A canção diz muito do que cada um de nós gostaria de
dizer àqueles que viram apagar do céu de suas vidas, o sol da esperança.
Não nos esqueçamos também de que travessia, também é sinônimo
de vida.
***
Travessia
Quando você foi embora
Fez-se noite em meu viver
Forte eu sou mas não tem jeito,
Hoje eu tenho que chorar
Minha casa não é minha,
E nem é meu este lugar
Estou só e não resisto,
Muito tenho prá falar
Solto a voz nas estradas,
Já não quero parar
Meu caminho é de pedra,
Como posso sonhar
Sonho feito de brisa,
Vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto,
Vou querer me matar
Vou seguindo pela vida
Me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte,
Tenho muito que viver
Vou querer amar de novo
E se não der não vou sofrer
Já não sonho, hoje faço
Com meu braço o meu viver
Solto a voz nas estradas,
Já não quero parar
Meu caminho é de pedra,
Como posso sonhar
Sonho feito de brisa,
Vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto,
Vou querer me matar
Vou seguindo pela vida
Me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte,
Tenho muito que viver
Vou querer amar de novo
E se não der não vou sofrer
Já não sonho, hoje faço
Com meu braço o meu viver
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