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Racismo em Ferguson: Uma ferida difícil de cicatrizar
Posted by Cottidianos
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00:18
Quarta-feira,
12 de agosto
“Eu vejo a vida melhor no futuro
Eu
vejo isso por cima de um muro
De
hipocrisia que insiste em nos rodear”
(Tempos modernos – Lulu Santos)
Domingo,
Dia dos Pais, fui, juntamente com o Coral Pio XI, cantar em um dos bairros da
periferia de Campinas. Fizemos uma boa apresentação, como mereciam os
homenageados. Naquela ensolarada manhã de domingo, em uma igreja de periferia,
uma cena me chamou à atenção. Uma menina branca segurava, com muito carinho, em
seus braços, uma boneca negra. Ela cuidava do brinquedo, como se cuidasse da
própria filha. Aproximei-me da menina, e perguntei: “Como é o nome do seu bebê”?
Ela, com voz tímida, mas cheia de alegria, respondeu: “Isadora”! Fiquei
meditando naquela cena, e pensei que poderia ser sempre assim, em todos lugares
do mundo. Quem dera se os preconceituosos e intolerantes, pudessem aprender
aquela lição tão simples que a menina, mesmo sem ter essa intenção, ensinava: a
lição de que todos somos irmãos, e como tais devemos nos querer bem, e cuidar
um dos outros.
Outra
cena que tem me chamado a atenção já faz alguns dias, é um comercial da
coca-cola que
tem sido veiculado em rede nacional. Tomando uma refeição à mesa, está um casal branco e
uma menina negra adotada por eles. Os pais, com maior cuidado, escolhendo as palavras, tentam falar
com a filha sobre questões raciais. A menina surpreende os dois com uma
resposta simples, mas ao mesmo tempo, cheia de sabedoria. (O vídeo pode ser encontrado no Youtube. Se o leitor quiser ver o vídeo
no canal de vídeos, e depois voltar para o texto, fique à vontade, basta clicar
no link).
Entre os três personagens, acontece o seguinte diálogo:
Mãe - Amor, eu o papai, nós não
temos o cabelo tão cacheadinho e lindo como o seu…
Pai – E mesmo que a gente não seja
assim parecido… Que você é muito mais bonita e inteligente que nós dois…
Mãe – Nós somos os seus pais.
Criança – Eu sei o que
vocês estão querendo dizer. Mesmo que vocês gostem de beterraba e eu não, o que
importa são as coisas iguais que a gente sente, e é por isso que eu adotei
vocês, tá bom.
Essas
cenas me levaram a lembranças do que acontecia há um ano em Ferguson,
Missouri.
Em
agosto do ano passado, em Ferguson era assassinado o jovem negro, Michael
Brown, pelo policial branco, Darren Wilson. Brown estava na rua, desarmado,
quando foi morto. O fato provocou uma série de incidentes por todo o país, e
ajudou a colocar fogo na discussão sobre questões de raça e má conduta policial.
Semana
passada, navegando pelo site do NY Times, deparei-me com um artigo, intitulado, Artigo sobre Darren Wilson oferece panorama de sua vida após o assassinato em Ferguson. O artigo fazia referência a
outro artigo bem mais extenso, publicado na
revista The New Yorker. De autoria
de Jake Halpern, o
artigo publicado na revista, intitulado, O tira, oferece exatamente isso: um panorama da vida de Wilson, após o incidente fatal em Ferguson.
Com muita dificuldade, — pois meu conhecimento da língua inglesa é muito
pouco, quase nada — consegui ler os dois artigos, e traduzi o artigo do NY
Times.
Para
escrever o artigo, Helpern passou vários dias na casa de Wilson, conversando
com ele, entrevistando-o.
No
artigo de Helpern, vemos um homem que vive, praticamente escondido, que perdeu
a paz, que recebe ameaças de morte. Tudo isso me fez refletir em quão
importante é conservar a calma e o equilíbrio, em qualquer situação, ou
profissão. Pois se Wilson tivesse usado as técnicas que aprendeu nas divisões
policiais para resolver a situação, hoje ele poderia ir a qualquer lugar,
sentar-se em qualquer restaurante, e viver sua vida de modo tranquilo, sem que
esta expressão “de modo tranquilo” tivesse que ser colocada entre aspas.
Ainda
segundo o jornalista da New Yorker, hoje o ex-policial, mora em uma rua sem
saída nos arredores de Saint Louis. Comprou uma casa, mas não colocou a
escritura em nome dele. Não se demora em frente de casa. Instalou uma câmera no
celular, e assim pode monitorar que chega em sua casa. Foi assim que percebeu a
chegada do repórter, e saiu imediatamente para fora, usando um boné e óculos de
sol.
Talvez
por fazer parte de um sistema corrupto e racista, Wilson não foi indiciado no
assassinato do adolescente, mas foi exonerado de seu trabalho como policial. Os policiais chegaram à
conclusão de que, depois dos acontecimentos e manifestações, muitas delas
violentas, ele representaria um risco para a corporação, e resolveram
afastá-lo.
Racismo
e violência não combinam com mentes equilibradas. Quando se olha para o
histórico familiar de vida de pessoas que cometem esses atos violentos, vemos que, na
raiz de tudo existe um lar desestruturado. Com Wilson, não foi diferente. O
ex-policial, hoje com 29 anos, é oriundo do Texas. A mãe de Wilson era o que se
pode chamar, popularmente, de trambiqueira. Ela roubava dinheiro dos outros,
passando cheques sem fundo. Tonya Dean, mãe de Darren Wilson, frequentemente,
pagava suas contas a uma pessoa, roubando dinheiro de outra, diz Jake Halpern,
em seu artigo.
Alie-se
a esse péssimo histórico familiar ao fato de que Wilson começou seu trabalho na
polícia, em 2009, em Jennings, uma cidade próxima à Ferguson. Os oficiais de polícia,
em Jennings, tinham fama de racista.
O
resultado do despreparo de Wilson, aliado a sua dificuldade em lidar com
pessoas pobres, negras e marginalizadas, foi o tiro fatal que resultou na morte
de um adolescente negro desarmado, fato que provocou violentos debates e
violentas manifestações em todo o país.
É
inadmissível que, em uma sociedade dita “civilizada”, em um mundo dito “civilizado”, ainda aconteçam fatos desse tipo. O que leva uma pessoa a se julgar
melhor que outra apenas por causa da cor da pele, ou por causa de sua classe ou
posição social? Para descobrir essa
resposta a fundo, teria que mergulhar na mente obscura das pessoas
preconceituosas, o que equivaleria a mergulhar em um rio de águas contaminadas.
Melhor ficar sem saber a resposta. O fato é que o homem parece dominar cada vez mais a tecnologia
e o conhecimento, e cada vez menos, as emoções e os sentimentos.
Um
ano após o triste acontecimento, nova onda de protestos mostra que as marcas da
violência policial contra a comunidade negra, do preconceito, e da intolerância, reabertas com a morte de Brown, ainda continuam fortes em terras americanas.
Particularmente,
percebi que o preconceito ainda continua forte em Wilson, quando o repórter lhe
pergunta se ele acha que as novas gerações usam o legado do racismo como desculpa
e ele responde que acha que sim. Aqui no Brasil, também há quem defenda
opiniões como essa. Ora, como podem os negros usar o passado como desculpa para
ações no presente, se são eles que continuam sendo discriminados, se são eles
que continuam sendo perseguidos de forma mais incisiva pela polícia, e se são
eles a terem menos oportunidades de uma boa educação, e de ascender à posições
sociais mais elevadas na sociedade.
Resolvi abordar esse fato acontecido em Ferguson, pois creio que preconceito e pessoas preconceituosas agem de modo similar, seja no Brasil, nos Estados Unidos, ou qualquer outro lugar.
Resolvi abordar esse fato acontecido em Ferguson, pois creio que preconceito e pessoas preconceituosas agem de modo similar, seja no Brasil, nos Estados Unidos, ou qualquer outro lugar.
Abaixo,
compartilho o artigo publicado pelo The New York Times, na terça-feira, 4 de
agosto.
***
Artigo sobre Darren Wilson oferece panorama de
sua vida após o assassinato em Ferguson
Darren
Wilson, o policial que, fatalmente, atirou em adolescente negro desarmado quase
um ano atrás, agora avive em rua sem saída, nos arredores de Saint Louis. Seu
nome não aparece na escritura da casa. Ele usava um boné e óculos de sol quando
saiu para encontrar o repórter, tendo sincronizado seu telefone com um sistema
de segurança que o avisou da chegada do visitante.
9
de agosto, quase um ano do assassinato do adolescente, Michael Brown, a New
Yorker publicou um perfil de Wilson, escrito por Jake Halpern, que passou
vários dias na casa de Wilson, na qual ele vive uma “vida muito tranquila”.
A
narrativa oferece um panorama da vida de Wilson em consequência do assassinato
em Ferguson, Missouri, que foi seguido por outros episódios em todo o país,
que estimularam um debate nacional sobre raça e má conduta policial, e o
pensamento de Wilson a respeito de raça e seu trabalho como policial. Ele inclui as perspectivas dos membros da
família de Brown e ativistas.
Nos
meses que se seguiram ao assassinato, pouco se ouviu diretamente de Wilson, que
deixou a policia e não foi indiciado pela morte de Bronw.
Wilson
disse que tem recebido ameaças de morte. Ele raramente demora-se na frente de
casa. quando sua esposa deu à luz, ele falou para ela fazer os registros no
hospital como anônima. Ele assiste os treinos de baseball do enteado, dentro de
veículo estacionado. Ele conta que é não consegue encontrar trabalho como
policial, pois disseram que ele seria um risco.
No
artigo, Wilson fala de seus esforços iniciais em se encaixar após ele começar a
trabalhar em Jennings, uma cidade na fronteira, ao sudeste de Feguson, em uma
divisão policial que tinha fama de racista. Ele descreve sentimentos de
intimidação e despreparo ao interagir com os habitantes.
“Eu
nunca tinha estado em uma área onde havia tanta pobreza”, diz Wilson no artigo.
Alguns
dos comentários mais longos de Wilson procedem de questões sobre raça e
policia. Quando perguntado se ele achava que os jovens usam o legado de racismo
como desculpa, ele disse, “Eu acho que sim”.
“Eu
vejo a vida de modo muito simples”, disse Wilson. “O que aconteceu com meu pai,
não acontece comigo. Eu não posso basear minhas ações pelo aconteceu a ele”.
Ele
também disse que os policiais não podem se dar ao luxo de viver no passado.
“Não podemos consertar em 30 minutos, o que aconteceu 30 anos atrás”, disse
ele. “Nós temos que consertar o que está acontecendo agora. Este é o meu
trabalho como policial. Eu não vou investigar a história de vida das pessoas e
descobrir porque eles estavam se sentindo de certa forma, em um certo momento”.
Ele
disse que a raça não afetou o trabalho como policial. Eu nunca olhei para isto
como “Eu sou o único cara branco aqui’. Eu para isto como “Esse não foi o lugar
onde eu cresci”.
“Quando
eu deixei Jennings, eu não queria trabalhar em uma região de brancos”. Disse
Wilson a Halpern. “Eu preferia uma comunidade negra”, ele prosseguiu. “Eu me
diverti muito lá. Há pessoas que fazem você rir”.
A
respeito do tempo que passou trabalhando em Ferguson, Wilson fala de sua
interação com jovens negros, atribuindo alguns de seus problemas a um “choque
cultural”. Pressionado pelo repórter, Wilson esforçou-se em responder.
Ele
disse que quis dizer “cultura pré-gang” onde você está apenas correndo nas ruas
— sem se preocupar em trabalhar de manhã, apenas preocupado com sua satisfação
imediata”. E acrescentou, “É a mesma cultura jovem que está em toda parte nas
cidades do interior”.
Wilson
disse que alguns policiais eram intolerantes, mas ele negou que o racismo fosse
institucional no departamento.
O
artigo de Halpern também cita extensivamente o relatório do Departamento de
Justiça sobre aquele dia de agosto quando Wilson atirou em Brown na rua.
Inclusive a descrição que Wilson fez da aparência de Brown, semelhante a um
“demônio”.
Durante
a entrevista, Wilson raramente falou de Brown. Halpern disse que quando ele
perguntou a Wilson se ele havia refletido sobre que tipo de pessoa era Brown. A
primeira vez foi em maio, após os pais de Brown terem entrado com um processo
contra ele. “Você percebe que os pais dele estão me processando?” Wilson disse.
“Então eu tenho que pensar nele”.
Ele
prosseguiu: “Eu penso sobre quem ele era como pessoa?”. Não, realmente, porque
isto não importa neste momento. Eu acho que ele teve a melhor educação? Não. De
modo algum.
Michael
Brown, pai do adolescente, diz no artigo, que tem ressentimento em relação a
Wilson, e que o filho “era uma criança normal, que fez coisas de adolescente,
se divertiu, e tentou viver a própria vida”. Em determinado momento, Wilson foi
perguntado se ele sentia falta de ir a restaurantes. Ele respondeu que somente
comia em determinados lugares. “Nós tentamos ir a alguns lugares — Como eu
posso dizer isso corretamente? — que partilham do mesmo pensamento”, ele disse.
“Você sabe. Onde não há um caldeirão de misturas”.
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