Segunda-feira,
25 de maio
“No sertão, mãe que me criou
Leite
seu nunca me serviu
Preta
Bá foi que amamentou
Filho
meu,e o filho do meu filho
No
sertão, mãe preta me ensinou
Tudo
aqui nós que construiu
Filho, tu tem sangue Nagô
Como
tem todo esse Brasil”
(Mãe
Africa – letra Sivuca / Interpretação: Clara Nunes)
Há
uma música chamada, Ave Maria Sertaneja,
da autoria de Luiz Gonzaga, que mais que música é um lamento, uma oração. Ela refere-se
às seis horas da tarde: momento do dia no qual, os últimos raios alaranjados de
sol, se despedem de nossa querida mãe terra, sempre na esperança de voltar a
iluminá-la no dia seguinte. Momento misto de magia e melancolia, no qual a
terra se prepara para ser envolta pela negra e escura noite. Para aqueles que
professam a fé católica, ou pelo menos acreditam que há uma divindade feminina
que, ao lado do criador, ajuda a conduzir o destino dos homens, é hora de
elevar preces e orações à senhora do céu. Um rádio de pilhas, ligado em casa de
algum sertanejo, ajuda a espalhar pelas veredas do sertão, e na sublimidade da
hora, a oração cheia de sentimentos, composta e cantada, pelo também nordestino,
Luiz Gonzaga. Assim diz a canção:
Quando
batem às seis horas
De
joelhos sobre o chão
O
sertanejo reza a sua oração
Ave Maria
Mãe de Deus Jesus
Nos dê força e coragem
Pra carregar a nossa cruz
Nesta
hora bendita e santa
Devemos
suplicar
A
Virgem Imaculada
Os
enfermos vir curar
Ave Maria
Mãe de Deus Jesus
Nos dê força e coragem
Pra carregar a nossa cruz.
O
pedido contido no refrão da oração do homem sertanejo, cantado por Gonzaga é
tão simples quanto o próprio homem sertanejo: Nos dê e força e coragem para carregar a nossa cruz. O homem do
sertão, mais do que ninguém, sabe o quanto é difícil o peso da cruz da seca, o
peso da cruz do analfabetismo, o peso da cruz da falta de uma política agrária
que possibilite aproveitar melhor os recursos da terra, e por aí vai.
Acredito
que vem daí a celebre frase de Euclides da Cunha, no clássico romance, Os
Sertões: O sertanejo é antes de tudo um
forte.
Sertão
e Blues. Blues e Sertão. Realidades geográficas tão longínquas e ao mesmo tempo
tão próximas.
O
que é necessário para se compreender as notas sentidas de um blues? É preciso
mergulhar nas linhas melódicas de suas canções tristes e absorver toda a poesia
que soa de uma guitarra que chora... E deixar-se envolver por ela.
E no
sertão? Há beleza? O que fazer para percebê-la? Para que alguém possa ver
beleza na região brasileira presente nos estados do Nordeste, chamada sertão, é
preciso ver o encantamento de um entardecer emoldurando um céu flamejante... O
balançar das folhas de um pé de aroeira... O verdejar da caatinga quando chegam
as chuvas.
Porém,
assim como nem todo blues é triste, nem tudo no sertão é melancolia. Em meio a
todas as dificuldades há sempre um sol a brilhar. Todos os dias há um sol a
brilhar. Esse sol abrasador que faz o sertanejo se sentir como se estivesse a
arder em uma grande fogueira armada em meio a caatinga, também inspira pessoas
a brilhar. São essas pessoas iluminadas que conseguem fazer a diferença,
estejam elas em Nova York, Berlim, Paris, ou uma pequena cidade perdida em meio
ao sertão.
A terra
ressequida, semelhante à pele que recobre o corpo de uma centenária anciã, não
impede que o nordestino deixe o negrume da inércia, e crie asas para sobrevoar,
como pássaro livre, a solidão daquelas terras. No homem do sertão há: “Uma vontade obscura e incerta de ascender,
de voar! Um desejo de se introduzir a grandes passos na imensa treva da noite,
e a atravessar, e a romper, esquecido das lutas e trabalhos, e penetrar num
vasto campo luminoso onde tudo fosse beleza, e harmonia, e sossego. Desejo de
se integrar numa natureza diferente daquela que o cercava, de crescer, de
subir, de bracejar num emaranhado de ramos, de se sentir envolto em grandes
flores macias, de derramar seiva, a seiva viva e forte que o incandescia e
tonteava”, assim escreve Raquel de Queiroz, no romance, o Quinze.
Semana passada, eu assistia ao Bom Dia Brasil,
quando uma reportagem mostrando uma dessas pessoas que fazem a diferença, me
chamou a atenção.
O cenário
onde vive esse personagem é Solidão. Não! Não falo de nenhum sentimento humano.
Falo de uma pequena cidade com menos 6.000 habitantes, no sertão pernambucano,
que verdeja após as chuvas.
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Professor Tony Xavier |
A reportagem
mostrava o trabalho de um professor de educação física, chamado Luiz Antonio
Xavier Batista, mais conhecido como Tony Xavier. Tony tem 27 anos e é formado
em Educação Física, por uma universidade de Recife. Após a faculdade, passou em
um concurso público para professor da rede estadual de ensino. Não teve
dúvidas, colocou o diploma na mala, o pé na estrada... E resolveu voltar às
suas raízes. Há cinco anos, voltou para Solidão, a fim de ajudar os seus
conterrâneos. Sua volta à cidade trouxe ao tão sofrido ambiente sertanejo, alegrias
e vitórias para crianças e jovens, que haviam perdido a vontade de voar, ou
talvez nem soubessem que possuíam asas. Desde que assumiu a vaga de professor
de educação física na escola onde trabalha, a instituição de ensino já
conquistou 40 troféus em 7 modalidades esportivas diferentes.
Esses
resultados não são conseguidos com grandes verbas, nem a escola possui uma
estrutura de primeiro mundo, muito pelo contrário, tudo é feito com pouquíssimo
dinheiro e na base do improviso, devido a falta de espaço que há no ambiente. De
primeiro mundo, talvez, seja mesmo o professor.
Tony
Xavier planeja bem suas atividades para que seja tirado o máximo proveito dos
horários e dos espaços que a escola oferece. Em uma sala de aula ele ensina
tênis de mesa, terminada essa aula, é hora de começar o ensino de outro
esporte, o judô. Pensam que o professor vai para outra sala, de forma alguma,
as mesas de tênis são retiradas, arma-se o tatami na mesma sala, e os alunos de
judô estão prontos para começarem as atividades. A concentração dos alunos em
uma partida de xadrez acontece no silêncio da biblioteca. E assim, de improviso
em improviso o professor ensina diversas modalidades e ajuda a formar alunos
campeões.
“A gente, através desses obstáculos, desses
improvisos, a gente transforma a força de não ter uma quadra, em força de
superação”, diz Tony Xavier, na reportagem do Bom Dia Brasil. Os alunos da
Escola Nossa Senhora de Lourdes, local onde o professor exerce suas atividades,
foram vice-campeões regionais, em uma área de 110 escolas, de 17 cidades. Excelente
resultado. Com as vitórias no esporte os alunos também tem a chance de
conhecerem grandes cidades, abrindo-se, dessa forma, novos horizontes para
eles, tão acostumados a monotonia do sertão. Alunos de Tony Xavier já
conseguiram a chance de disputar campeonatos em outros estados como São Paulo e
Paraná. Isso para eles é uma grande vitória, pois nesses estados já há condições
mais favoráveis à prática do esporte, diferentemente do que eles mesmos
encontram em sua pequena cidade. O desempenho dos alunos que se sagram campões,
motiva outros alunos a se dedicarem ainda mais a prática esportiva.
Quando
a gente vê pessoas mudando a dura realidade em que vivem; Quando a gente vê pessoas
que enfrentam dificuldades que já fazem parte do cotidiano das escolas públicas
brasileiras, e mais ainda das comunidades mais afastadas dos grandes centros, e
que conseguem mostrar que há um mundo onde é possível sonhar, e tornar o sonho
realidade, então a gente percebe quão vazios soam os discursos políticos oficiais,
ao dizerem que não há verbas para educação. Aí é que a gente percebe que não é
dinheiro que falta, mas sim vontade de arregaçar as mangas da camisa e fazer as
coisas acontecerem.
Sem
dinheiro, sem quadra poliesportiva, o professor Tony ensina: Aos alunos que
podem voar alto e conhecer um mundo que eles só conheciam através da televisão
e internet; Aos políticos, que para transformar duras realidades em realidades
onde é possível que os sonhos se tornem reais, basta apenas querer; A nós
todos, que, usando criatividade e força de vontade, é possível fazer a
diferença no meio em que vivemos.