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Rodrigo Gularte: Um escravo do vício – Parte 2
Posted by Cottidianos
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Sexta-feira, 08 de maio
Enveredara
por um caminho que o levara a beira do precipício. A luz do luar, em toda a sua
intensidade, iluminava a clareira onde estavam. Um pássaro de canto triste
passou voando próximo a eles. Rodrigo invejou a liberdade daquela ave. Ele
também era livre quando criança, mas depois que fora apresentado ao inferno que
é o mundo das drogas, tornara-se um escravo desses vãos prazeres. A droga lhe acenou,
de início, um mundo ilusório de felicidade e euforia, depois lhe acenou com a
possibilidade de ganhar dinheiro fácil com o tráfico.
Foi
ainda na adolescência que havia descido ao abismo, quando, aos 13 anos de idade,
começou a cheirar solventes. Daí em diante, foi mergulhando em águas mais
profundas. Primeiro a maconha, ecstasy, depois cocaína e haxixe.
Sua
vida poderia ter sido tão diferente, pensava Rodrigo. Ele nascera na linda
cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná, em uma família de classe média alta. Seu
avô é latifundiário, produtor de soja. Seu pai, Rubens Borges Gulart, é um médico
de renome, e a mãe, Clarisse, milionária. Ele havia passado a adolescência na
paradisíaca praia de Caobá, também no litoral paranaense. Depois se mudou para
Curitiba. Passou a morar em um apartamento de alto luxo, com suíte e sauna, na
cidade de Curitiba, estado do Paraná.
Quando
criança, sempre tivera os melhores brinquedos, as melhores roupas, enfim, tudo
de melhor que uma criança pode querer. Cresceu em meio à jovens de sua classe
social. Circulava pela cidade sempre com carros da última moda. Além disso, viajava constantemente para o exterior, geralmente, seu destino eram as praias
paradisíacas preferidas pelos surfistas. Quando estava no Brasil, deliciava-se
com as ondas das belas praias do país. Seus pais sempre tiveram a preocupação
de colocá-lo nos melhores colégios curitibanos. Entre as mulheres, tinha fama
de jovem bonito e conquistador.
Rodrigo
reconhecia que a mãe sempre fora superprotetora, mesmo quando ele se metia em
alguma enrascada, ela dava um jeito de livrá-lo. Foi assim aos 18 anos, quando
ele foi surpreendido pela polícia, fumando um baseado, em dos parques da
cidade. Foi preso e seria processado, não fosse a mãe ter subornado um
policial, pagando a este, a quantia de mil dólares. O pai não havia concordado
com tal atitude, para ele Rodrigo teria respondido a um processo e pagado pelo
ato irresponsável que cometeu.
Ainda
aos 18 anos, ganhara o seu primeiro carro. A máquina o ajudou a cometer ainda
mais loucuras pela América Latina, junto com amigos, em viagens nas quais
drogas e bebidas eram artigos abundantes.
Enquanto
seu olhar se perdia entre o suave luar da madrugada indonésia, ele se viu aos
vinte anos. Era um rapaz alto, magro, bonito e educado. Brincou de amar, ao
namorar Maria Roco, uma professora 13 anos mais velha que ele. Desse
relacionamento nasceu o filho autista, Jimmy. Naquela época, não estava
preparado para assumir a paternidade do garoto, assim como também não o estaria
agora. Raramente procurava o filho. Também não se sentia pai do garoto, apenas
tivera um “descuido”, e dele nascera uma criança. O que ele queria mesmo era
sair pelo mundo afora, viajando, deitando-se em cada cidade, com mulheres de amores
inconsequentes e de prazeres pagos, agia como se o mundo fosse um grande
supermercado, cheio de belas mulheres nas prateleiras. O problema é que não
eram apenas as mulheres. Havia haxixe, cocaína e ecstasy, dentre outros
estimulantes, para acompanhar.
Lembrou-se
de outra vez em que tivera problemas com a polícia e, mais uma vez, fora
superprotegido pela mãe. Foi aos 24 anos. Ele dirigia o carro, após sair de uma
mais balada, em um dos clubes noturnos de Curitiba. Completamente bêbado, bateu
com o carro em um táxi. Ao tentar fugir, bateu em outro carro. Conseguiu fugir
da confusão e correu para casa. Quando a polícia bateu na casa deles, a dona
Clarisse, conseguiu convencer a polícia de que ele tinha problemas de saúde e
que precisava ser internado. Foi internado e o médico escreveu que ele
demonstrava onipotência e que estava depressivo.
Posteriormente,
a mãe procurou mantê-lo ocupado de diversas maneiras. Em Curitiba, montou uma
empresa de crepes. Em Florianópolis, montou uma casa de massas. Ambas as
iniciativas fracassaram. A família resolveu mandá-lo para a fazenda, na
esperança de que o ar campestre ajudasse a clarear suas ideias. Depois o mandou
para estudar no Paraguai. Trouxe-o de volta e o matriculou em universidades
brasileiras. Nenhuma dessas iniciativas deu certo. O fantasma da droga sempre
atrapalhou todos esses planos. Curiosamente, a única coisa que a família não
fez, foi interná-lo em uma clinica para dependentes químicos, talvez pelo fato
de não querer enxergar a realidade, talvez tivessem dificuldades em admitir que
ele era um dependente químico em potencial. Até que apareceu a larga estrada do tráfico,
com sua promessa de obter dinheiro fácil, em pouco tempo. As viagens
internacionais foram intensificadas, e em cada uma delas, mais dinheiro fácil.
Os
negócios com o tráfico iam dando lucro fácil, até que foram interrompidos, no
sábado, dia 31 de julho de 2004. Naquele ano, cursava administração na cidade
de Florianópolis, onde também estava morando. Entretanto não havia abandonado a
atividade de traficante. Encheu oito pranchas de cocaína, ao todo, seis quilos.
Colocou-as no carro e foi até Curitiba. Do Aeroporto Internacional Afonso Pena,
seguiu para São Paulo, depois voou para Johanesburgo, na África do Sul, sempre
acompanhado das pranchas recheadas de cocaína. Com ele, viajavam outros dois
amigos. Estes nem desconfiavam que Rodrigo estivesse levando droga dentro das
pranchas. Da África do Sul, seguiu para a Indonésia. Estava tranquilo, afinal
já havia passado por três aeroportos e os aparelhos de raio-x não haviam
detectado nada de anormal.
Não
seria diferente também, na Indonésia, pensava ele. Já havia passado pelo
aeroporto de Jacarta por diversas vezes, nenhuma delas com drogas, é verdade.
Tinha conhecimento de que as leis antidrogas na Indonésia eram severas. Em
vários locais, dentro do próprio aeroporto, havia notado cartazes advertindo
aos recém-chegados, de que a pena para os que tentassem entrar no país com
drogas, era o pelotão de fuzilamento. Dentro do avião, minutos antes da
aterrissagem, os passageiros recebiam orientações semelhantes. Ele também havia
acompanhado, pelos jornais, o caso do brasileiro, Marco Archer, preso pela
polícia indonésia, quando tentava entrar no país com cocaína dentro de tubos de
asa delta, e condenado à morte pelo governo do país. O brasileiro tivera muito
azar, pensava ele. Com ele, Rodrigo, não aconteceria a mesma coisa. Ele daria
mais sorte que o Marcos. Estava confiante nisso. Além do mais, sempre fora
muito corajoso, destemido. Pegando ondas, era o que mais se arriscava em cima
da prancha de surfe.
Porém,
a sorte não lhe sorriria naquele fatídico 31 de julho. O equipamento de raio-x
detectou a presença de cocaína nas pranchas, e ele foi detido. Assumiu, sozinho,
a culpa pelo crime e os amigos que viajavam com ele foram liberados.
Foi
levado para Tangerang, uma prisão provisória nos arredores de Jacarta. Foi lá
que conheceu o brasileiro Marco Archer. Os dois logo se deram bem. Afinal, as
afinidades entre os dois eram inúmeras: falavam a mesma língua, vinham da mesma
cultura, eram traficantes, viviam em baladas, nunca tiveram um emprego fixo,
não haviam terminado os estudos, e exploravam financeiramente as famílias.
Tangerang
era para eles como uma pensão de luxo, o único inconveniente era o de que
alguém havia jogado fora as chaves da pensão. A Indonésia, apesar de suas
rígidas leis contra o tráfico, é como qualquer país do mundo: Quem tem
dinheiro, sempre acaba tendo maiores privilégios. E os dois brasileiros tinham
dinheiro: Rodrigo um pouco mais que Marco, porém, os dois estavam longe de
serem pobretões.
Na
“pousada” eles tinham serviços do bom e do melhor. Os presos mais pobres
exerciam o papel de empregados dos mais ricos. Eles faziam serviços de lavagem
de roupa, cabeleireiro, e ainda serviam como garçons em festas. Os outros
presos dividiam a cela com mais outros dez. Eles, ao contrário, viviam em celas
individuais, equipadas com televisão, ventilador, geladeira, forno elétrico e
outras facilidades. O Marco havia feito curso de chef de cozinha, na Suíça, de
forma que eles comiam do bom e do melhor, mesmo na prisão. Desfrutavam até de
um pequeno jardim, no qual criavam pássaros, criavam peixes em um pequeno lago,
podavam bonsais. A gata Tigirnha, da qual cuidavam com carinho, era o xodó deles.
Claro, tudo isso custava dinheiro, e custava caro. Dinheiro que era enviado,
com facilidade pela mãe de Rodrigo, e com um pouco mais de dificuldade pela de
Marco.
Ele
e Marco tinham a certeza de logo sairiam daquela enrascada. Ele, Rodrigo,
acreditava que os amigos influentes que a mãe tinha no meio político, logo
interviriam junto ao Itamaraty e as portas daquela prisão se abriria para eles.
Ele se divertia muito com o Marco relembrando as aventuras que tiveram antes de
ir parar naquele lugar. Parecia não estar muito preocupados com o fato de ter
que ficar face a face com o Criador, quando estivessem na mira do pelotão de
fuzilamento. Ironizavam com isso, como se esse fato jamais fosse ocorrer.
Os
dois faziam planos para quando deixassem a prisão. Primeiro se reuniriam em
praia de Florianópolis, tomando uma cerveja bem gelada e rindo da fria em que
se meteram. Escreveriam um livro falando sobre a experiência, o livro se
tornaria um best seller, e eles ficariam famosos. Depois viriam diários na
Internet, coberturas jornalísticas, quem sabe o livro também não fosse adaptado
para o cinema?
O
único arrependimento que demonstravam, a única coisa que os aborrecia era o
fato de terem sido pegos no aeroporto pela polícia indonésia. Maldita hora em
que não esconderam bem a droga. Não fosse esse lamentável incidente, estariam
àquela hora deitados em alguma praia paradisíaca, rodeados de belas mulheres,
muita bebida e droga da melhor qualidade.
Rodrigo
se lembrava de uma entrevista que dera a um repórter de um semanário brasileiro
de grande circulação. O repórter lhe perguntara o que ele iria fazer depois que
saísse da prisão. Ele dissera: “Bota aí que eu quero trabalhar dez anos pro
governo dando palestras pra crianças sobre a roubada que é o tráfico”. Ele
estava fumando um cigarro, com a gata Tigrinha, no colo. Lembra-se que ficou sério
pensando nas palavras que dissera ao repórter. Em seguida jogou para cima a
fumaça do cigarro, e depois quase se contorceu de tanto rir, com as palavras
que ele próprio dissera.
De
vez em quando, a luz da realidade visitava a mente deles e eles pensavam na
prisão, em uma ilha ao Sul ao do país, para a qual seriam transferidos, e isso
os deixava tristes. Afinal, lá não haveria tantas regalias.
Após
a condenação, vieram os pedidos de clemência do governo brasileiro, feitos
tanto para ele, quanto para Marco. Também foram apresentados exames atestando
doença psiquiátrica para ele, Rodrigo. Os pedidos de clemência não comoveram o
governo indonésio, muito menos os exames atestando sua doença.
Essa
política severa contra os traficantes foi introduzida no país pelo general
linha dura, Togar Sianipar, chefe da agência antidrogas da Indonésia. Rodrigo
reconhecia que ele e Marco não haviam conquistado a simpatia dos indonésios. Em
seu julgamento, no tribunal, a população gritava raivosa: “Morte aos
traficantes ocidentais cristãos”. Para começar, quando Marco conseguiu fugir do
aeroporto, dando início a uma caçada cinematográfica, transmitidas pelas redes
de TVs do país. Foi capturado quinze dias depois, em uma ilha do arquipélago
indonésio, tentando chegar ao Timor Leste. Talvez por isso, os pedidos de
clemência do governo brasileiro não tenham encontrado respaldo junto ao governo
da indonésia.
A
transferência para a prisão na qual estavam agora, e a proximidade do
fuzilamento, o fizeram perder um pouco da lucidez, e ele alternava momentos de
lucidez, com momentos de loucura. Esse quadro piorou ainda mais quando Marco
foi fuzilado, em Janeiro deste ano.
Agora
chegara a vez dele. Falharam todas as tentativas de escapar com vida daquela
enrascada.
Rodrigo
trouxe de volta seus sentidos à clareira, no momento em que o pelotão de
fuzilamento apertava o gatilho. Ele ergueu os olhos para o céu, para a lua
prateada que pairava acima das árvores da clareira. Aquela era a última imagem
que ele queira levar da vida terrena.
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