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Lei Anticorrupção e os desafios das empresas
Posted by Cottidianos
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00:07
Terça-feira,
19 de maio
Há
anos os vergonhosos esquemas de corrupção tem empobrecido o país. Semelhante a
um produto corrosivo ela tem arruinado os serviços públicos, condenado ao
abandono obras públicas essenciais ao desenvolvimento das cidades, subtraído
recursos daquela arma que nos recolocaria nos trilhos do desenvolvimento econômico
e social: a educação, dentre outros males. A corrupção afasta investidores
sérios. Ela também tem o poder de condenar o país a um amargo caminho de
retrocesso e subdesenvolvimento. De qualquer ângulo que se observe, a
corrupção, seja no setor público ou privado, é devastadora.
Quando
a polícia ainda trabalhava, silenciosamente, nas investigações da Operação Lava
Jato, escândalo que abalaria os pilares da Petrobras, fazendo desabar a
credibilidade e os lucros da estatal, foi sancionada, no dia 01 de agosto de
2013, a Lei no 12.846, que recebeu o nome de Lei Anticorrupção. No dia
18 de março do ano corrente — quando a Operação Lava Jato já era uma tenebrosa
realidade — a presidente Dilma Rousseff, assinou o decreto 8.420/15, que regulamenta a Lei Anticorrupção.
A norma foi publicada no dia 19 de março, no Diário Oficial da União.
O
objetivo da nova lei é punir as empresas envolvidas em casos de corrupção. Segundo
a lei, a empresa será responsabilizada por atos de corrupção, mesmo que não
haja envolvimento direto dos donos ou representantes. A Lei Anticorrupção
também vai fazer doer no cofre das empresas, uma vez que serão aplicadas multas
de 0,1% a 20% do faturamento bruto do ano anterior.
Esperamos
que esta lei funcione como um freio inibidor da ganância desmedida de muitos maus
empresários. Alias, quando estes perceberem que a corrupção é um péssimo
negócio, agirão de modo diferente. É preciso compreender que as instituições
mais sérias do mundo são regidas por um conjunto de medidas disciplinares, com
o objetivo de cumprir normas regulamentares e estabelecer políticas e
diretrizes que detectem e evitem qualquer inconformidade.
No
dia 12 deste mês, a doleira Nelma Kodama, condenada a 18 anos de prisão no
processo da Operação Lava Jato, disse a CPI que “O Brasil é movido à corrupção”.
Se assim é, é melhor trocar logo o combustível, antes que ele estrague todas as
engrenagens da locomotiva Brasil.
Abaixo,
apresento o artigo, Lei Anticorrupção e
os desafios das empresas, escrito pelo advogado Rodrigo Brandão Fontoura. Rodrigo
é consultor jurídico, professor da Fundação Getúlio Vargas e autor do livro,
Contratos de Prestação de Serviços e Mitigação de Riscos. O artigo foi
publicado originalmente no jornal Valor Econômico, em 08 de abril de 2015.
***
Lei
Anticorrupção e os desafios das empresas
A
Lei nº 12.846, notoriamente conhecida como Lei Anticorrupção, foi promulgada no
ano de 2013, quando os escândalos de corrupção na então maior empresa
brasileira (a Petrobras) eram apenas indícios preocupantes, cuja investigação
corria em sigilo perante a Polícia Federal. Nessa época, efetivada mais por um
clamor tecnicista do que pela real autoconsciência do poder público (na medida
em que existia um contexto de proliferação de leis internacionais com esse
objeto e o Brasil, que já era signatário de diversos acordos, convenções e
tratados sobre o tema, se viu compelido a positivá-lo), a legislação
anticorrupção havia chegado trazendo novidades fundamentais, como a
responsabilização das pessoas jurídicas envolvidas em práticas de corrupção com
a administração pública e a caracterização dessa responsabilidade como sendo de
cunho eminentemente objetivo. Estabeleceu, ainda, a aplicação de multa punitiva
pela conduta lesiva, abrangendo a faixa de 0,1% a 20% do faturamento bruto da
empresa penalizada no último exercício social, representando um impacto
significativo em sua atividade econômica. No entanto, o novo regramento carecia
nitidamente de identidade prática e regulamentação específica, o que deveria
ser providenciado no menor espaço de tempo possível.
Contrariando
a lógica, todavia, o Decreto regulamentador da Lei Anticorrupção chegou apenas
dois anos depois, em um momento tão caótico quanto propício, acentuado pelas
denúncias da Operação Lava Jato e pela desvalorização da Petrobras, a valor de
mercado, em mais de R$ 21 bilhões. Neste sentido, a tão aguardada
regulamentação, embora notadamente atrasada, traz aspectos fundamentais para as
empresas, como a definição da competência para fiscalização e julgamento dos
processos administrativos, a fixação das regras para celebração de acordos de
leniência e, como fator de suma importância, os critérios de dosimetria para o
cálculo da multa a ser aplicada pelas práticas lesivas, incluindo-se os
parâmetros para avaliação de programas de compliance.
Ora,
considerando que pesquisas recentes revelam que aproximadamente 61% das
empresas ainda não mapearam seus riscos relacionados à corrupção e, ainda, que
apenas 12% afirmaram possuir um programa de compliance efetivo, é exatamente
nesse aspecto que deverá ser enfrentado o seu maior desafio: elaborar,
implementar e dar continuidade a programas de atendimento à legislação
anticorrupção, visando beneficiar-se da possibilidade de dosimetria da
penalidade, conforme previsão expressa da norma. Assim, partindo-se da premissa
que a não prática de atos lesivos à administração é uma conduta que deve ser
inerente à realização de negócios entre o poder público e o privado, pode ser
dito, sem grandes chances de erro, que o risco de penalização ocorrerá nas
situações em que a empresa deixar de ter controle sobre as ações de seus
prepostos, sócios ou administradores.
Devem
ser criadas políticas específicas por documentos escritos que traduzam as
normas de conduta da empresa
Desta
feita, tendo em vista que não há como evitar plenamente uma eventual ação mal
intencionada das pessoas físicas que representam a pessoa jurídica, pode-se ao
menos tentar mitigar essa situação através de dois passos: primeiramente pela
estruturação de um programa eficaz de compliance e, além disso pelo treinamento
interno de pessoas, não apenas para aplicar as regras estabelecidas, mas também
para entender o porquê isto está sendo feito e quais as consequências para
todos (empresa e representante) pelo descumprimento da lei.
Para
tanto, devem ser criadas políticas específicas por meio de documentos escritos
que traduzam, fiel e expressamente, as normas de conduta da empresa e a sua
linha de pensamento em relação à ética, conduta e práticas de corrupção. Nessa
esteira, devem ser construídos e implementados instrumentos como o código de
ética, cujo objetivo seria o de compartilhar publicamente, com seus
funcionários e com a sociedade, quais os valores, princípios, políticas e
diretrizes de conduta que a empresa deve seguir. Outra ação interessante e
bastante eficaz é a adoção do chamado manual anticorrupção, no qual seriam
definidos os procedimentos para lidar com questões de corrupção, com o objetivo
de assegurar que os colaboradores e representantes da empresa entendam os
requisitos gerais da legislação anticorrupção, servindo também como uma
ferramenta de prevenção para evitar conflitos e violações dessas leis. Deve-se,
ainda, realizar o treinamento de pessoas pertencentes ou relacionadas à
empresa, o que, através do respectivo certificado emitido pelo órgão ou empresa
responsável pelo treinamento, produzirá documentação hábil e válida para fins
de comprovação, perante a Controladoria-Geral da União, quanto à adoção de
práticas anticorrupção.
Referida
comprovação, por sua vez, aliada à confecção dos respectivos instrumentos,
teria o condão de estabelecer parâmetros para fixação dos critérios de
dosimetria a serem aplicados em eventual aplicação de penalidade à empresa, o
que lhe proporcionaria inúmeros benefícios. Observa-se, portanto, que a adoção
de políticas de compliance às leis anticorrupção revela-se uma prática que, por
tendência de mercado, deverá tornar-se cada vez mais demandada. Assim,
exigências como a feita pelo BNDES, que vem notificando as empresas
exportadoras sobre o fato de que a concessão de financiamento atualmente está
condicionada à existência de programas efetivos de compliance, deverão ser
adotadas, muito em breve, por todos os órgãos públicos e, como consequência,
estendidas às demais atividades econômicas. É o que provavelmente vamos chamar,
um dia, de “função ética da empresa”.
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