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Rodrigo Gularte: Um escravo do vício – Parte 1

Posted by Cottidianos on 00:31
Quinta-feira, 07 de maio

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O texto a seguir, escrito de forma literária, é baseado em fatos reais. Quando pensei em escrevê-lo, não sabia muito bem por onde começar, pois, nos noticiários, o enfoque era sempre o mesmo: Um brasileiro que havia sido condenado à morte, na Indonésia, mesmo após vários pedidos de clemência do governo brasileiro. Fui buscando mais informações sobre o caso, e descobri que a história de Rodrigo estava espalhada em várias matérias, como se fosse um mosaico. Apenas reuni as peças desse mosaico, e descobri um homem condenado em vida, pelos entorpecentes.

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Ano de 2015.
Madrugada do dia 29 de abril.
Ilha-prisão de Nusa Kambangan.
Regência de Cilicap, na província de Java Central.
Indonésia.

Os oito prisioneiros seguiam, enfileirados, através da mata que circundava a ilha. Entre eles estava o brasileiro Rodrigo Gularte. A luz prateada do luar caia sobre a copa das árvores, derramando-se pelo chão da floresta, formando pequenas poças de luar. A belíssima cena evocava um jogo de luzes e sombras, claros e escuros, céu e inferno. Não deixava de estar representado ali naquela cena, o sentido da própria vida. Afinal a vida inteira é sempre esse jogo de luz e trevas, uma batalha entre o bem e o mal. Ao homem é dado o livre arbítrio, a ele cabe escolhe por qual estrada deseja que seus pés caminhem. O livre arbítrio, porém, exige outra companhia chave, chamada sabedoria. Por nos faltar a segunda, às vezes, o homem se perde nos caminhos da vida, navegando nos mares da insensatez, mares que, inevitavelmente, o levam a chocar-se contra imperdoáveis rochedos, fazendo seu barco sucumbir no fundo do oceano.

O silêncio da noite era quebrado, vez ou outra, por alguma ave agourenta. Ao caminhar pelo estreito caminho, as folhas orvalhadas das árvores e arbustos à beira da estrada, roçavam o corpo dos prisioneiros, como se quisessem fazer-lhes um último afago, dar-lhes um último adeus, um último carinho. Rodrigo retribuía esse carinho e até deixava que as folhas demorassem um pouco roçando seu corpo. Ele queria sorver cada gole daqueles seus últimos instantes de vida, como faz o apreciador de um bom vinho, que sorve com prazer e melancolia, a última taça de um vinho raro.

A brisa da madrugada, com cheiro de mar, surrava-lhe aos ouvidos palavras de conforto. Rodrigo sorvia aquele ar puro em grandes goles, como se com isso pudesse acalmar a angústia e tristeza que lhe iam ao coração.

Não muito longe dali, as ondas bravias do mar batiam nos rochedos. Mas também elas pareciam estar murmurando preces por aqueles homens que, a cada passo que davam pelo meio da floresta, despediam-se da vida terrena.

Os condenados aproximavam-se do pelotão de fuzilamento, no meio de uma clareira. De repente, dois australianos que estavam entre os condenados, quebraram o silêncio da fúnebre madrugada e começaram a cantar, bem alto, o gospel Amazing Grace. Os demais condenados acompanharam os australianos na canção, juntamente com a pastora que acompanhava o grupo — o governo havia, misericordiosamente, permitido que um padre e uma pastora acompanhassem os prisioneiros em suas últimas horas de vida. Os versos da canção se espalharam pelo ar, misturando-se ao sussurro do vento e ao canto das aves noturnas, formando uma bela e triste sinfonia. O orvalho que pingava das folhas das árvores dava a sensação de que elas vertiam silenciosas lágrimas. Apenas Rodrigo não cantava. Preferia manter-se em silêncio, em atitude de prece interior. Porém, interiormente, aprovou a iniciativa dos companheiros de suplício.

Amazing grace, oh how sweet the sound
Maravilhosa Graça, Oh quão doce é o som
That saved a wretch like me
Que salvou um miserável como eu
I once was lost, but now I'm found
Eu estava perdido, mas agora eu me encontrei
Was blind, but now I see
Eu estava cego, mas agora eu vejo.
When we've been there ten thousand years
Quando estivermos lá há 10 mil anos,
Bright shining as the sun
Brilhantes como a luz do sol,
We've no less days to sing God's praise
Não teremos menos dias para cantar louvores a Deus
Then when, when we first begun
Do que quando, quando começamos no princípio
Through many dangers, toils and snares,
Por muitos perigos, labutas e armadilhas,
I have already come
Eu já passei
Jesus' grace that brought me safe thus far,
A graça de Jesus me trouxe seguro, tão distante,
and grace will lead me home.
E a graça me levará para casa.
Amazing grace, oh how sweet the sound
Maravilhosa Graça, Oh quão doce é o som,
To save a wretch like me
Que salvou um miserável como eu
I once was lost, but now I'm found
Eu estava perdido, mas agora eu me encontrei
I was blind, but now I see
Eu estava cego, mas agora eu vejo.



Distante do Brasil, sua amada e querida terra natal, ciente de que, dentro de mais alguns minutos exalaria o último suspiro, o brasileiro sentia-se estranhamento calmo. Parecia-lhe que o sangue que corria abundantemente em suas veias havia, repentinamente, esfriado. Devido aos meios claro-escuros do ambiente, ele não era capaz de ver as lágrimas silenciosas que escorriam pelo rosto dos outros prisioneiros, mas podia senti-las, mais que isso, podia ouvir alguns soluçando baixinho. Também não era capaz de olhar nos olhos deles, mas sabia que em seus olhos havia terror e angustia.

Finalmente, chegaram ao local onde estavam os homens que os fuzilariam. Não lhes era possível ver a fisionomia de nenhum deles, pois estavam encapuzados. Oitos cruzes de madeira se espalhavam pela clareira. Os prisioneiros foram conduzidos cada qual a sua cruz, devidamente numerada. A de Rodrigo era a de número 7.

Os homens os amarraram e suspenderam as cruzes. O padre e a pastora foram autorizados a dar um último conforto aos condenados. O Pe. Charlie Burrows, 72, aproximou-se da cruz, na qual Rodrigo seria fuzilado. Olhou profundamente nos olhos do brasileiro. Rodrigo olhou profundamente nos olhos do sacerdote. E com o olhar de tristeza e mágoa, com voz serena, disse ao assistente espiritual: “Eu cometi um erro, mas pagar com a vida é excessivo demais”. Essas foram suas últimas palavras. O sacerdote lançou-lhe uma benção, acompanhado de um misericordioso olhar, em seguida saiu para confortar o oitavo prisioneiro.

Amarrado a cruz de madeira, Ricardo olhou a bela paisagem ao seu redor. Ele ainda tinha exatos quatro minutos antes que seus órgãos e sentidos silenciassem definitivamente. Os olhos dos outros prisioneiros estavam vendados. Eles haviam podido escolher se queriam manter os olhos abertos ou vendados. O brasileiro havia preferido a primeira opção.

Enquanto aguardava o momento fatal, as lembranças vieram à sua mente e as cenas começaram a passar pelo seu pensamento como um flash-back. 

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