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Estranhezas e absurdos dos homens da lei
Posted by Cottidianos
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00:13
Domingo,
30 de outubro
Teori Zavascki |
No
ano de 2001, um escândalo abalava a instituição Senado Federal. Aliás,
escândalos em nossas instituições públicas são uma constante, e, como veem, não
é de hoje. A única diferença é que hoje os líderes de nossa elite política, e
que governam os destinos da nação parecem ter transformado, tanto o Senado,
como a Câmara dos Deputados, e quem sabe, até o Palácio do Planalto, em feudos
onde eles podem transformar virtudes em vícios, mal em bem, lei em desmandos, e
assim tornar os símbolos máximos de uma democracia representativa em ambiente
propício para a prática do crime.
Naquele
ano, após conversas entre o procurador da República, Luiz Francisco de Souza, e
o presidente do Senado, naquela ocasião, Antonio Carlos Magalhães. Da conversa
entre os dois, deduzia-se que ele tivera acesso à informação sigilosa a
respeito de como votaram os senadores, durante a sessão secreta que havia
cassado o mandato do senador Luiz Estevão (PMDB-DF), em julho do ano 2000.
As
investigações avançaram e comprovaram que realmente, Antonio Carlos Magalhães,
havia violado o painel de votação do senado naquela sessão. No escândalo também
estava envolvido o líder do governo, José Roberto Arruda, que havia pedido
para, Regina Borges, diretora do Prodasen (Centro de Processamento de Dados do
Senado), imprimir a lista contendo o voto de cada senador. Foi instaurado um
processo de cassação no senado, os dois iriam, diante das evidências, ser
cassados, mas astutamente, renunciaram aos mandatos, e, consequentemente,
escaparam da punição. Em que pese à consciência dos que o elegeram, os dois
voltaram com toda a carga à vida pública em eleições subsequentes.
Esse
foi um dos casos, em que a Polícia Legislativa ainda atuava em favor dos
interesses da nação. Lamentavelmente, essa polícia foi para o outro extremo e
passou a obedecer às ordens do proprietário do feudo — pelo menos é assim que
ele se considera, a julgar pelas suas atitudes, Renan se considera dono de um
patrimônio que é de propriedade de cada brasileiro: o Senado Federal. E agindo, em desfavor dos interesses da
nação, a Polícia de Renan, corre o risco de se transformar em milícia, mais do
que em polícia.
É
impressionante como o presidente do Senado tenha, aparentemente, se saído tão
bem do escândalo que o atingiu com a prisão dos policiais legislativos, dias
atrás. Saiu-se bem perante o
governo, porque o governo precisa dele para a aprovação de projetos
importantes, e também porque o governo Temer, ou pelo menos alguns de seus
integrantes, tem interesse em ver a Lava Jato regredir, parar, ou pelo menos
diminuir a força que tem demonstrado ter. Saiu-se bem perante o STF por causa
do foro privilegiado? Mas policiais legislativos não gozam desse privilégio, e
aí, como explicar essa questão?
É bom
recordar que a intenção da Polícia do Senado, ao fazer varreduras para detectar
escutas telefônicas autorizadas pela justiça, estava em total desacordo com os
interesses da nação, e diretamente a favor de políticos investigados na Lava Jato.
Na
quinta-feira (27), o ministro do STF, Teori Zavaski, suspendeu, por meio de
decisão provisória, a Operação Métis, que prendeu os policiais de Renan,
acusados de obstrução de justiça. É bom também que se ressalte, que Teori, não
anulou a operação, apenas a suspendeu, depois de muitos falatórios e ameaças do
presidente do Senado. Por causa do maldito, foro privilegiado, Teori manda a
Justiça Federal de Brasília, encaminhar aos STF, os autos da operação que
prendeu os policiais. Na decisão, Teori também permite que os policias voltem
ao trabalho já a partir desta segunda (31), para cumprirem, normalmente, suas
atividades, como se nada tivesse acontecido. Tudo isso é de uma estranheza absurda.
Diante,
disso, caros leitores, como será que fica a consciência dos dois policiais
legislativos honestos, e afinados com os interesses da nação, diante de fatos
como esse?
Como
veem, derrubar os muros da corrupção e da roubalheira em nosso país, bem como
tirar de cena aqueles que os erguem, é tarefa árdua, que, sem o empenho da
sociedade e das pessoas de bem que ainda acreditam na lei, na justiça, em um
Brasil mais justo, dificilmente, será um objetivo alcançado. Por essas e
outras, a nação brasileira deve estar sempre vigilante, e não dormir no ponto.
Abaixo,
este blog compartilhar uma excelente reflexão do advogado, Modesto Carvalhosa, publicado
na seção Opinião, do Estado de São Paulo, no dia de ontem (29).
***
A
milícia de Calheiros e o abuso de poder
O
poder de polícia só pode ser exercido pelos órgãos instituídos na Constituição
de 1988
*Modesto
Carvalhosa
A
prisão, no recinto do Senado Federal, do chefe da sua milícia – o Pedrão – e
três de seus companheiros põe à mostra até que ponto os donos daquela Casa, nas
últimas décadas, a tornaram um feudo para a prática de grandes crimes e de
refúgio de notórios corruptos. Para tanto os sucessivos presidentes do outrora
respeitável Senado da República formaram uma milícia, totalmente à margem do
sistema constitucional, a que, pomposamente, denominaram “Polícia Legislativa”,
também alcunhada de “Polícia do Senado”.
Não
se podem negar a esse agora notório exército particular relevantes trabalhos de
inteligência – do tipo CIA, KGB –, como a célebre violação do painel de
votações daquele augusto cenáculo, ao tempo do saudoso Antônio Carlos Magalhães
e do lendário José Roberto Arruda, então senador e depois impoluto governador
do Distrito Federal. E nessa mesma linha de sofisticação tecnológica a serviço
do crime – agora de obstrução de Justiça – a milícia daquela Casa de Leis
promove “varreduras”, nos gabinetes e nos solares e magníficos apartamentos
onde vivem esses varões da República, a fim de destruir qualquer prova de áudio
que porventura possa a Polícia Federal obter no âmbito das investigações
instauradas pelo STF.
Acontece
que o poder de polícia só pode ser exercido pelos órgãos instituídos na Carta
de 1988, no seu artigo 144, e refletidos nos artigos 21, 22 e 42, dentro do
princípio constitucional de assegurar as liberdades públicas. Assim, somente
podem compor o organograma da segurança pública constitucional a Polícia
Federal (incluindo a Rodoviária e a Ferroviária) e as Polícias Civis e
Militares dos Estados (incluindo o Corpo de Bombeiros).
Nenhum
outro corpo policial pode existir na República. Se não fosse assim, cada órgão
de poder criaria a sua “polícia” própria, como a que existe no Senado. Também
seriam criadas tais forças marginais nos tribunais superiores e nos Tribunais
de Justiça dos Estados, nas Assembleias Legislativas, nos Tribunais de Contas,
nas Câmaras Municipais, cada um com seu exército particular voltado para
contrastar e a se opor aos órgãos policiais que compõem o estrito e limitado
quadro de segurança pública estabelecido na Constituição.
Cabe,
a propósito, ressaltar que todos os órgãos policiais criados na Carta Magna de
1988 estão submetidos à severa jurisdição administrativa do Poder Executivo, da
União e dos Estados, sob o fundamento crucial de que nenhum ente público armado
pode ser autônomo, sob pena de se tornar uma milícia. Nem as Forças Armadas –
Exército, Marinha e Aeronáutica – fogem a essa regra de submissão absoluta ao
Ministério da Defesa, pelo mesmo fundamento.
E
não é que vem agora o atual chefe da nossa Câmara Alta declarar textualmente
que a “polícia legislativa exerce atividades dentro do que preceitua a
Constituição, as normas legais e o regulamento do Senado”? Vai mais longe o
ousado presidente do Congresso Nacional, ao afirmar que o Poder Legislativo foi
“ultrajado” pela presença, naquele templo sagrado, da Polícia Federal,
autorizada pelo Poder Judiciário. Afinal, para o senhor Renan, o território do
Senado é defendido pela chamada polícia legislativa. Ali não pode entrar a
Polícia Federal, ainda mais para prender o próprio chefe da milícia – o Pedrão.
E
com esse gesto heroico o preclaro chefe do Congresso Nacional proclama mais uma
aberração: o da extraterritorialidade interna.
Como
se sabe, a extraterritorialidade é concedida às embaixadas estrangeiras que se
credenciam num país e ali têm instalada a sua representação diplomática.
Trata-se, no caso, da extraterritorialidade externa, que garante a
inviolabilidade da embaixada e a imunidade de jurisdição de seus membros, em
tempos de paz e de guerra.
Mas
não para aí a extraterritorialidade interna proclamada pelo grande caudilho do
Senado. As palacianas residências e os apartamentos dos senadores e senadoras
tampouco podem ser violadas pela Polícia Federal. Trata-se de um novo conceito
de Direito Internacional Público inventado pelo grande estadista pátrio: a
noção de extraterritorialidade estendida. Ou seja, o domicílio de um
representante do povo é incólume às incursões da Polícia Federal autorizadas
pelo Poder Judiciário.
Foi
o que ocorreu em agosto, quando o ilustre marido de uma senadora do Paraná foi
preso na residência do casal e dali foram retirados documentos comprometedores.
A reação foi imediata: marido de senadora, estando na casa onde com ela
coabita, não pode ser ali preso, pois se trata de espaço extraterritorial
interno estendido!
E
assim vai o nosso país, que não para de andar de lado em matéria de
instituições republicanas. E o fenômeno é impressionante. Basta o sr. Calheiros
declarar que o território do Senado é inviolável para que a tese seja acolhida
por um ministro do Supremo, numa desmoralização do próprio Poder Judiciário,
que se autodesautoriza, na pessoa do ilustre magistrado de primeiro grau que
acolheu as providências da Polícia Federal no território livre do Senado
Federal.
E,
last but not least, o senhor das Alagoas, não contente com o reconhecimento da
legitimidade de sua milícia e da extraterritorialidade interna, por força do
despacho do ministro Teori Zavascki, propõe-se, com o maior rompante, próprio
dos destemidos senhores medievais, a cercear as atividades da Polícia Federal,
do Ministério Público e do Poder Judiciário, sob a égide do abuso do poder,
para, assim, livrar-se, ele próprio, e liberar dezenas de representantes do
povo no Congresso do vexame das “perseguições políticas” que se escondem nos
processos por crime de corrupção, que nunca praticaram, imagine!
E
vivam o foro privilegiado, a futura Lei de Abuso de Autoridade e os demais
instrumentos e interpretações, omissões e postergações do STF, que, cada vez
mais, garante a impunidade desses monstros que dominam o nosso Congresso
Nacional, sob o manto de lídimos representantes do povo brasileiro.
Que
vexame, que vergonha!
*Advogado
em São Paulo