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Campinas entra na luta contra um passado de discriminação que estende seus tentáculos ao tempo presente
Posted by Cottidianos
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Terça-feira,
29 de setembro
“Que saibamos guardar estes símbolos
De um passado de heroico labor
Todos numa só voz / Bradam nossos avós
Viver é lutar com destemor
Para frente marchemos impávidos
Que a vitória nos há de sorrir
Cidadãs, cidadãos / Somos todos irmãos
Conquistando o melhor por vir
Ergue a tocha no alto da glória
Quem, herói, nos combates, se fez
Pois que as páginas da História
São galardões aos negros de altivez”
(Hino à Negritude – Professor Eduardo de
Oliveira)
No
dia 03 de novembro de 2014, em sessão realizada no Conselho Federal da OAB, em
Brasília, foi aprovada a criação da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão
Negra no Brasil. A comissão foi criada com o objetivo de fazer um resgate
histórico dos fatos acontecidos nesse nebuloso período da historia
brasileira. Estendendo seus objetivos, a comissão busca aferir
responsabilidades, e demonstrar a importância de ações afirmativas como meio de
reparação à população negra.
Buscando
desenvolver um trabalho que faça o mapeamento de todas as mazelas advindas da
escravidão, e da indesejável herança de preconceito e discriminação gerada por
essa prática vergonhosa à população negra, no dia 06 de fevereiro do corrente
ano, em concorrida cerimônia, aconteceu em Brasília, a solenidade de posse da Comissão
Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, em nível nacional. “A
Comissão da Escravidão Negra no Brasil é mais um dos tantos passos que devemos
dar para superar a discriminação racial, rumo à sociedade sonhada por Martin
Luther King, na qual as pessoas não sejam julgadas pela cor da sua pele, mas
pelo conteúdo do seu caráter”, dizia Marcus Vinicius Furtado Coêlho, presidente
da OAB nacional, naquela ocasião. A Comissão da Verdade nacional está sob a
presidência do Dr. Humberto Adami.
No
dia 18 de agosto tivemos a solenidade de posse dos membros da Comissão da
Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil, do Estado de São Paulo. A solenidade,
que contou a presença de diversas autoridades e integrantes de movimentos
ligados à causa negra, aconteceu nas dependências do prédio da OAB/SP, na
agitada capital paulistana. No Estado de São Paulo, a comissão é presidida pelo
Dr. Sinvaldo José Firmo.
Semana
passada, dia 24 de setembro, às sete e meia da noite, foi a vez de Campinas
instituir a Comissão da Verdade, em nível municipal. Em cerimônia ocorrida no
auditório do Tribunal de Ética e Disciplina Décima Sétima Turma Disciplinar, estiveram reunidas autoridades do poder público municipal
e pessoas ligadas a instituições que defendem à causa negra.
O
Dr. Daniel Blikstein, presidente da OAB-Campinas, fez a abertura da solenidade
dizendo que a criação da comissão significava um marco representativo para a
subseção, por representar a possibilidade de “discutir o que efetivamente
aconteceu nesse período triste da história brasileira, onde pessoas eram
tratadas como mercadorias, ou até pior que mercadorias, e que, por diferença da
cor da pele tinha condições de vida e trabalho desnudas”.
Dr.
Daniel destacou ainda o fato de ele próprio fazer parte de uma minoria
religiosa —
ele é judeu — e, por isso mesmo, sentir na pele o que é a discriminação religiosa,
esse fato o faz compreender as pessoas que sofrem discriminação de qualquer
outra natureza. “É inadmissível em um país como o Brasil, formado por várias
raças e etnias, tolerar e aceitar esse tipo de coisa”, acrescentou ele.
Compondo a mesa, estiveram além do Dr. Ademir José da Silva e Dra. Adriana de
Moraes, respectivamente, presidente e vice-presidente da comissão em Campinas,
Dr. Sinvaldo José Firmo, presidente da Comissão da Verdade no Estado de São
Paulo, Dra. Eunice Prudente, membro da comissão nacional e relatora da comissão
estadual, o vereador Carlão, do PT, e o Vereador Marciano Fernandes, do PT, de
Carapicuíba.
Os
trabalhos de cerimonialista ficaram a cargo do advogado Antonio Carlos
Chiminazzo, presidente do Conselho Regional de Prerrogativas.
Em
seguida às formalidades, a Dra. Eunice Prudente, proferiu palestra intitulada,
Educação em Direitos: Contribuições para a Igualdade Étnica.
Dr. Ademir Silva e Dra Eunice Prudente |
Dra.
Eunice começou sua palestra afirmando que “o Brasil é a própria diversidade”, e
que conseguimos construir uma sociedade pluriétnica. Segundo a palestrante,
todos saíram perdendo nesse sistema injusto, tanto quem foi escravizado, como
quem escravizou. A questão da desigualdade econômica também foi abordada na
palestra. “Felizmente, a nossa República é rica. Não é aquele Brasil, país do
futuro, que a gente nunca vai alcançar, ela é rica mesmo. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística), o IPEA (Instituto de
Planejamento e Economia Aplicada), instituições cientificas muito sérias,
nos trazem números mostrando que temos riquezas, e que nosso drama está na
concentração de renda, na distribuição dos bens. É uma questão de gestão, é uma
questão de governo”, disse Eunice.
A
palestrante seguiu falando da questão da discriminação racial entre os
brasileiros, de diferenças e aceitações delas. Para Eunice, não existem
superioridade entre uma raça e outra, e elas devem ser compreendidas e
respeitadas. Em contrapartida, segundo ela, a desigualdade é proposital, é
racional, e deve ser combatida.
A
palestrante fez ainda um passeio histórico abordando a experiência histórica do
racismo institucionalizado na monarquia e na república. Os decretos de Getúlio
Vargas tinham um cunho abertamente racista, como por exemplo, o Decreto Lei no
406 de 1938. O artigo 2o desse
Decreto, dizia: “O Governo Federal reserva-se
o direito de limitar ou suspender, por motivos econômicos ou sociais, a entrada
de indivíduos de determinadas raças ou origens, ouvindo o Conselho de Imigração
Colonização”.
E
esses grupos proibidos de ingressar no país, eram, preferivelmente, negros,
como o governo deixa bem claro em outros decretos.
Dra.
Eunice Prudente chamou a atenção ainda para a importância dos movimentos
sociais ligados à causa negra. “Devemos a cidadania aos movimentos sociais. Não
foram os moços do Largo São Francisco, abolicionistas, não foram os pensadores,
os filósofos, foram, na verdade, as nossas lideranças dos movimentos sociais,
temos, às vezes, não brancos, muitos não brancos, os aliados, mas que estão aí
nesse movimento negro”, disse ela.
Certamente,
a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil, em seus níveis
nacional, estadual e municipal, terá uma grande e árdua tarefa pela frente.
Afinal, estará se debruçando sobre mais de 300 anos de capítulos bem tristes da
história do Brasil, cujas reminiscências irradiam aos dias atuais. Agora, como
diz o ditado é hora de “arregaçar as mangas” e trabalhar para que seja reparado
o mal que os séculos de escravidão fizeram à sociedade brasileira, em especial,
aos negros.
Toda
a sociedade brasileira fica na expectativa de que os trabalhos dessa comissão
de tão grande importância, criada pela Ordem dos Advogados do Brasil, venha ser
como árvore frutífera, a oferecer os doces frutos da igualdade e da liberdade,
a quem, por tanto tempo, provou dos frutos amargos do preconceito e da
discriminação.