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Revirando o baú do Mundial 2014 em busca de um legado para o Brasil
Posted by Cottidianos
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00:12
Segunda-feira,
20 de julho
Eles
não precisam de ambientes à meia luz, nem de turbantes, nem precisam colocar
sobre à mesa, búzios, cartas de tarô, pêndulos, bolas de cristais, nem muito
menos acender velas e evocar forças ocultas, para que suas previsões
sejam acertadas. Ao contrário, suas previsões são baseadas em estudos
anteriores, em dados estatísticos e números. Não! Não falo de numerólogos. Falo
de cientistas políticos. Os magos da economia também usam as mesmas fórmulas.
Há
pouco mais de um ano, mais precisamente no dia 06 de julho, o cientista
político norte-americano, Jules Boykoff, professor da Pacific University, nos
EUA, deu uma entrevista ao jornal Folha de São Paulo. Jules, ex-atleta
meio-campista da seleção olímpica de futebol norte-americana, dentre os seus
vários projetos, também desenvolve estudos sobre o impacto das Copas e das Olimpíadas
nos países sede.
Vejamos
o que disse Jules à Folha (os grifos em itálico
são meus):
Folha - Você vem estudando o legado
das Copas e das Olimpíadas
ao redor do mundo. O que podemos esperar do pós-Copa
no Brasil?
Jules Boykoff - Em outros
lugares, o legado tem sido decepcionante. Mas depende muito do país. Por
exemplo, em Vancouver, para os Jogos de Inverno de 2010, conseguiram construir
uma ferrovia do aeroporto para o centro, o que é visto como um legado muito
positivo. Mas a África do Sul, que sediou a Copa em 2010, construiu um monte de
estádios que são muito pouco usados hoje.
No Brasil, não estou muito otimista. É
só olhar o estádio caro que construíram em Manaus [cerca de R$ 670 milhões] e
que dificilmente será usado com a capacidade máxima. Além disso, muitos
projetos nem saíram do papel. É isso o que normalmente acontece nos megaeventos
- é um sufoco para terminar de construir os estádios, enquanto outros projetos
essenciais de infraestrutura são simplesmente adiados.
Folha - O que é o "capitalismo de
celebração" dos megaeventos?
Jules Boykoff - Celebração é um estado de exceção, em que
regras normais são suspensas, e a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos são
celebrações. O que ocorre durante esse
período é que o público paga enormes quantias para realizar os eventos, e as
empresas é que saem com os lucros. Ou seja, o dinheiro do contribuinte é
direcionado para esses eventos e, depois, os políticos afirmam que é necessário
apertar os cintos, implementar medidas de austeridade, cortar programas, porque
todo aquele dinheiro foi gasto.
Passados
pouco mais de um ano, o quadro apontado pelo professor, infelizmente se
concretizou. Vários elefantes brancos, construídos com dinheiro público estão
espalhados pelo país, e continuam consumindo dinheiro público, sem trazer um
retorno desses investimentos, nem para os governos, nem para a população.
Quando,
em 31 de outubro de 2007, a FIFA, confirmou o Brasil como país que sediaria a
Copa do Mundo de 2014, houve muito ceticismo, por parte dos brasileiros, de que
o país fosse capaz de realizar um evento tão grandioso, e essa desconfiança, já
naquela época, se devia ao olhar dos brasileiros sobre a ineficiência na
realização de obras de infraestrutura. Hoje, com as revelações surgidas no
contexto da Operação Lava Jato, sabemos que essa ineficiência se deve, em
parte, a uma aliança inescrupulosa entre poder público e empreiteiras, que por
sua vez, dão origem a uma onda, melhor dizendo, um tsunami de roubalheira e
corrupção.
Apesar
dessas considerações feitas pelos nativos da pátria que sediaria o Mundial,
havia, bem lá no fundo de nossos corações, uma esperança, aliás, uma dupla
esperança: a de sermos campeões do Mundial 2014, e a de que, esse mesmo evento,
forçasse os governos a investir em obras estruturais que viessem a tornar
melhor a vida nas cidades, principalmente, nas cidades sedes, trazendo aos seus
habitantes mais conforto e mobilidade. Afinal, pela quantidade de impostos que
pagamos, temos direito a isso, e muito mais.
Resumindo:
Nós, brasileiros, esperávamos que a copa nos deixasse uma taça e um legado. Nos
frustramos duplamente, pois a taça foi embora para a Alemanha, e o legado
deixado pela Copa foi embora com os turistas. Quanto a esse último ponto,
espero esclarecer isso, até o ponto final desse texto.
Quanto
ao futebol, já sabemos que nossa expectativa de título foi feita pó, pela
seleção alemã.
Quanto
ao jogo fora dos campos — aqueles das obras de infraestrutura e mobilidade
urbana, do qual tínhamos uma pontinha de esperança de que fosse deixar um
legado para a população brasileira — esse sonho também restou frustrado.
Na
aérea econômica, tivemos algum lucro? Muito pouco.
O
governo até chegou a anunciar que o evento geraria milhares de emprego, e que
ajudaria a impulsionar o crescimento do país, e todo esse blá, blá, blá, ao
qual já estamos tão acostumados. Na contramão dessas promessas, o que vimos foi
uma desaceleração da economia, e um recuo no crescimento do Produto Interno
Bruto (PIB). Com tantos feriados — lembremos que, nos dias de jogo da Seleção?
Brasileira, era quase um feriado — o país trabalhou menos, e consequentemente,
entrou menos dinheiro no caixa das indústrias. Claro que, se uns perdem, outros
ganham. Os bares e restaurantes tiveram um bom faturamento durante a realização
do Mundial. “A Copa é um evento que aumenta muito o bem estar, mas tem impacto
meio irrelevante na economia, sobretudo em países grandes como o Brasil. Se
teve algum efeito, minha análise é que foi negativo. Foi como se tivéssemos
tido um grande feriado prolongado. E se o país trabalhou menos, também produziu
menos”, afirmou o economista Celso Toledo, da LCA, empresa de consultoria
empresarial, ao site do Globo.com, em 15 de julho de 2014.
Do
ponto de vista político, o que ganhamos com isso? Nada. Efeito nulo.
E
na parte da infraestrutura? Nessa, perdemos feio o jogo, com um placar bem mais
elevado que apenas os 7 x 1 contra a Alemanha.
Em
2010, na lista dos projetos de infraestrutura, divulgada pelo governo, havia a
previsão de construção de 82 obras. Depois o governo foi caindo em sua própria
realidade e viu que não seria possível tirar do papel todos aqueles projetos.
Muitas obras então começaram a ser descartadas. Sobraram 44 projetos de
mobilidade urbana. Muitas dessas obras não chegaram a ficar prontas antes do
mundial. A maioria delas ainda está com grandes atrasos de construção.
Orçadas
em R$ 11 bilhões quando foram lançadas em 2010, muitas obras estão atrasadas,
muitas outras estão paradas e algumas nem sequer foram iniciadas. Nas 12
cidades que sediaram os eventos, 35 obras na área de transporte coletivo e
aeroportos, ainda não foram iniciadas. Em Cuiabá, há até caso de investigação
por suspeita de corrupção.
Isso
sem contar os estádios modernos, a grande maioria deles construída a “toque de
caixa” para que ficassem prontos antes do Mundial. O destino de muitos deles,
como é o caso, das cidades de Brasília, Manaus e Cuiabá, parece ser o de
tornarem-se elefantes brancos.
Fortaleza,
São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Porto
Alegre, Natal, Curitiba, Manaus e Cuiabá, foram as cidades escolhidas pela FIFA
para sediar o Mundial 2014. O governo federal investiu maciçamente em projetos em
aeroportos, transportes, mobilidade urbana e estádios. Estádios modernos, com o
dito “padrão FIFA”, que custaram ao todo, 8 bilhões e 400 mil reais, uma
quantia quase três vezes que o orçamento divulgado no início do projeto de suas
construções.
Muitos
desses estádios estão sem, praticamente, nenhuma utilidade depois da Copa, além
de terem se tornado um peso para o poder público, por exemplo, o Estádio Mané
Garrincha, em Brasília, cujos custos de manutenção estão na base de R$ 700 mil
mensais. Outros estádios em estados de menor representatividade no cenário do
futebol nacional, também passam pelo mesmo problema.
Convido-os
a um breve olhar sobre algumas das cidades sedes da Copa.
Fortaleza – Em relação ao
que foi prometido para o Mundial, a cidade ainda é um canteiro de obras. Se
todos os projetos tivessem saído do papel, Fortaleza seria uma cidade moderna,
com BRTs, estações de metrô, e VLT. Acontece que nenhuma dessas benesses ficou
pronta ainda. A construção do VLT ainda está pela metade e sem previsão de
entrega. O custo do projeto é de R$175 milhões. A administração pública alega
que rompeu contrato com a empresa vencedora da licitação, por ela estar em
atraso com as obras. Foi aberta nova licitação, mas não apareceram empresas
interessadas.
São Paulo – O Arena
Corinthians, talvez tenha sido o estádio que mais recebeu dinheiro do poder público,
e apenas agora, um ano após o evento, é que começa a pagar a conta. O time terá
que desembolsar R$ 5 milhões por mês, durante doze anos. A cidade cumpriu o
calendário e entregou as obras de mobilidade que havia prometido. Um importante
projeto que, certamente, melhoraria a vida dos paulistanos foi retirada da
lista, que era um monotrilho que ligaria o Aeroporto de Congonhas à estação
Morumbi.
Rio de Janeiro – O consórcio
que administra o Maracanã, a fim de ganhar mais algum dinheiro e pagar as
contas, decidiu alugar o espaço, para outros eventos, além das partidas de
futebol. Isso cobre os custos de manutenção. Em termos de mobilidade urbana
foram feitas no entorno do Maracanã, mas muita coisa ainda precisa ser feita,
tendo em vista que em breve a cidade receberá outro grande evento: Os Jogos
Olímpicos.
Brasília – O Estádio
Mané Garrincha custou caro, como o foram os demais estádios. A Arena custou R$
1 bilhão e 700 milhões de reais. Possui capacidade para 72 mil pessoas. Apesar
disso, Brasília não tem tradição no futebol e lá acontecem jogos, mas muito
poucos. O estádio é mais usado para shows e eventos culturais, além de abrigar
três secretarias do governo do Distrito Federal. Em relação a projetos de
mobilidade urbana, obras em torno do estádio ainda nem foram iniciadas. Um
projeto de VLT foi abandonado em 2013, e um viaduto entregue há um ano, deve
passar por reformas.
Recife – Foram elaborados sete projetos
de mobilidade urbana, tendo sido entregues três deles. O Corredor Norte-Sul e
Leste-Oeste de BRTs, o Corredor Via Caxangá e o Corredor Via Mangue ainda estão
por ser entregues. Há também na região um projeto utópico e que nem chegou a
sair do papel. A ideia era construir, em São Lourenço da Mata, a 20 km de
Recife, a chamada Cidade da Copa. É na região
que foi construído o estádio Arena da Mata.
O projeto previa uma urbanização em torno da Arena, com a construção de
hospitais, escolas, áreas residenciais, e até a transferência do Campus da
Universidade Federal de Pernambuco, para o complexo. O que os pernambucanos têm,
na verdade, até agora, é apenas o estádio. Há um estudo de viabilidade que o
governo do estado encomendou a fundação Getúlio Vargas, apenas o custo desse
estudo consumiu aos cofres públicos, cerca de 1 milhão e 300 mil reais,
imaginem o restante do projeto.
Salvador – As obras no
aeroporto ainda não terminaram. Segundo as autoridades elas estarão prontas em
Dezembro deste ano. Duas etapas das obras conseguiram ser entregues antes da
Copa. Um metrô que vinha sendo construído há 14 anos, foi entregue durante a
Copa, mas algumas estações ainda não foram concluídas, tendo prazo para termino
em 2017.
Belo Horizonte – A cidade
entregou as obras prometidas para a Copa. Mas uma fatalidade, causada pela
incompetência dos gestores da coisa pública, tirou a vida de duas pessoas e
deixou outras 23 feridas. O acidente foi no viaduto de Guararapes, que desabou
ainda durante a Copa. Uma investigação concluiu que o acidente ocorreu por um
erro de cálculo da prefeitura, que deveria ter interditado a obra. José Lauro
Nogueira, Secretário de Obras e Infraestrutura, e outras 17 pessoas foram
indiciadas por homicídio com dolo eventual e tentativa de homicídio.
Porto Alegre – O estádio
Beira-Rio é dos poucos estádios que não está dando prejuízo. Administrado pelo
Internacional, as melhorias não estádio foram tão significativas que as
famílias, que estavam afastadas do estádio, preferindo ver os jogos pela TV,
voltaram a frequentar os clássicos. O estádio atrai uma média de 27 mil
torcedores por jogo. Isso permite ao time que o administra, algum lucro.
Natal – Quatro obras de mobilidade
urbana ainda não foram concluídas. O estádio é utilizado para jogos e outras
atividades culturais que ajudam a cobrir os custos de manutenção.
Curitiba – Foram
elaborados sete projetos para essa cidade, e apenas dois foram entregues até
agora. Os outros estão com 70% das obras construídas. O prazo para entrega é final
de 2015/início de 2016.
Manaus – No estádio Arena da Amazônia,
aconteceram apenas 13 jogos após a Copa, além de alguns poucos eventos. Isso
porque a média de público do futebol na região é de cerca de 360 pessoas, e
fica muito difícil colocar dentro do estádio mais de mil pessoas, as pessoas
seriam engolidas pelo elefante branco, e quase nem seriam notadas em meio ao
gigante, além do que essa pequena quantidade de pessoas não pagariam nem os
custos básicos. Então os dirigentes acabam optando por não realizar ali os
jogos do campeonato estadual.
Cuiabá – Apenas o estádio Arena
Pantanal foi entregue antes da Copa. Outras três obras de mobilidade urbana, e
que facilitariam o acesso à Arena. Todas essas obras são de responsabilidade do
governo estadual. Mas hoje, ele não tem muita utilidade para a cidade.
A lentidão nas obras do VLT foi tão grande,
que chamou para si os olhares do Ministério Público, além do custo da obra,
orçada em R$ 1, 6 bilhão. A auditória feita pelas autoridades significou mais
prejuízo para os cofres públicos. Foram R$ 65 milhões, apesar disso, conseguiu
identificar os crimes de improbidade administrativa, prevaricação,
superfaturamento e vantagens indevidas feitas por funcionários públicos a
particulares.
Diante
de tudo isso, não vejo motivos para comemoração, nem dentro, nem fora de campo.
Apesar
de tudo isso, de todo o sufoco e correria que vimos para serem construídos os
estádios, e também de todo esse atraso nas obras de infraestrutura, o governo
anuncia um plano bilionário de investimento em infraestrutura. O anuncio foi
feito na terça-feira, 09 de junho, há pouco mais de um mês.
Para
o Programa de Investimentos em Logística foi anunciado um orçamento inicial na
cifra de R$ 198, 4 bilhões. Sendo R$ 66, 1 bilhão em recuperação de rodovias,
86,4 bilhão, destinados ao setor ferroviário, 37,4 bilhão para investimento no
setor portuário, e 8,5 bilhão em aeroportos.
O
plano é bom? É. A intenção é boa? É.
Mas
diante de tudo isso que vimos acontecer antes, durante e depois da Copa,
acreditamos nisso? Não.
A
Copa do Mundo serviu para nos mostrar o quanto o país é deficitário em planejar,
executar e entregar obras de planejamento urbano. Todos os dias, vejo
verdadeiros absurdos terríveis em relação a isso, e fico pensando: “Meu Deus,
quanta burrice! Quanta incompetência!”.
Poderia
citar vários exemplos, mas para ficar dentro do assunto tratado, cito a
construção da linha de Veículos Leves sobre Trilhos (VLT), em Cuiabá. Ao
elevadíssimo custo de R$ 1, 5 bilhão, a obra a mais cara em mobilidade urbana
da história de Mato Grosso. Já era para estar em operação desde o início do ano
passado, com seus 22 quilômetros de extensão, e suas 33 estações. Mas até
agora, tudo o que os mato-grossenses veem desse projeto são 800 metros de
trilhos colocados. Pois bem, mesmo não se sabendo quando é que essa obra irá
ficar pronta, os administradores daquele estado já compraram os trens. São 40
vagões que estão lá, parados, feito múmias, estacionados em um pátio nos
arredores da cidade. Sob um clima quente, muito quente, e úmido, e ainda
sujeitos a poeira vermelha características da região, esses vagões não
demorarão muito a ficarem sem utilidade. O que isso significa? Dinheiro público
jogado pelo ralo. Isso enquanto há tantas escolas e hospitais precisando ser
construídos ou reformados... Mas a incompetência não para por aí. O governo
estadual estima que ainda sejam necessários, R$ 700 milhões para concluir a obra.
Ficamos pensando: Onde foi parar todo o dinheiro que já foi colocado nessa obra?
Precisamos
de obras de planejamento? Precisamos, sem dúvida. Porém, em primeiro lugar,
precisamos de pessoas competentes e honestas que as planejem, executem, e que
as entreguem em condições de uso para toda a população.
Para
finalizar, se a Copa do Mundo de 2014, deixou legados, estes foram para os
alemães, que voltaram para casa com a taça, e para os milhões de turistas que
levaram em seus corações nossa alegria e hospitalidade. Coisas que são nossas
por natureza e, graças a Deus, não são privilégio, nem doação de político
algum.
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