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Harmonia dos Salmos: Gotas de música e poesia no deserto da vida
Posted by Cottidianos
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Terça-feira, 28 de julho
“No deserto da vida, quando a sede me vem,
Quando clamo bem alto, e não vejo ninguém,
Eu me lembro de ti, e me sinto feliz,
Pois escuto bem alto, uma voz que me diz:
“Quem tiver sede venha a mim e beba,
E do seio de que quem crer em mim,
Hão de brotar torrentes de água viva,
Jorrando sempre sem jamais ter fim”.
Há coisas que não se apagam de nossas
mentes, e de nossos corações, não importa quanto tempo tenha se passado, ou que
estejamos distante do lugar onde nascemos, ou qualquer outra situação semelhante.
Os versos acima são de uma canção muito cantada na igreja de minha comunidade,
lá no Rio Grande do Norte. O interessante é que fazia tempo que não ouvia essa
música. Para falar a verdade, nem me lembrava mais dela. Mas bastou apenas
colocar as mãos no teclado, escrever o título, para que esses versos viessem à
minha mente com intensidade.
Não se sei se foi a palavra chave “deserto”
que fez jorrar em minha mente, essa torrente de água viva e de boa qualidade
que comecei a beber nas fontes de águas puras e cristalinas de minha amada
terra natal. Até hoje, continuo a beber dessa água benéfica e curadora chamada
fé.
Quando, atravessando os desertos da
vida, nos tornamos por demais sedentos, nada melhor do que beber uma gotas de
salmo. Bebida revigorante, que brota do coração daqueles que sabem amar a Deus
com profundidade, sentimento. Quando a tristeza bater em nossa porta, bebamos
salmos para confortar e revigorar nossa alma, e quando nossos corações
estiverem transbordando de alegria, salmodiemos para louvar e agradecer ao
criador.
Falando em salmos, falo também do
lançamento do livro, A Harmonia dos Salmos, lançado na Livraria Cultura do
Shopping Iguatemi Campinas, no sábado, 18 de julho, é uma releitura dos 150 salmos
de David. Os salmos foram transformados em sonetos pelo poeta Vidal Ramos, e
musicado pelo Maestro Urban. Podem ser cantados a uma, duas, ou três vozes,
podendo também ser acompanhados por instrumentos musicais.
Conversei com o Maestro Urban, a respeito
desse projeto, sobre o patrocínio do livro, sobre Vidal Ramos, e sobre projetos
futuros. Vendo tanta lucidez do alto dos 96 anos do maestro, tiro a conclusão
de que os projetos de vida, a esperança, e o querer fazer bem feito, mantém o
homem vivo e lúcido.
José Flávio
- Como surgiu a ideia do projeto do Livro, A Harmonia dos Salmos?
Maestro
Urban - Eu recebi do Vidal, um livro
com o título, A Beleza dos Salmos, em
que ele fez uma dedicatória muito pessoal, motivadora. Ele pôs: “Ao caríssimo
Urban e a doce Letícia, o meu abraço…”, algo assim. Eu gostei daquilo, e gostei
do livro também. Comecei a ler. Li salmo por salmo. Ia e voltava. Lia de noite
antes de dormir. Daí veio a ideia de musicá-lo. Telefonei para ele (Vidal
Ramos), pedi permissão. Ele fez por escrito uma autorização, dizendo da
satisfação dele de poder colaborar não só para que as pessoas entendessem
melhor os salmos, em linguagem mais poética, mas que sentissem o valor do salmo
pela música. Isso tem tudo no livro. Então no livro, tem um prefácio da Arita,
tem uma explicação minha, e tem a permissão do Vidal. Aí me veio a ideia de
musicar. Então experimentei um, tocava um pouco ao teclado, gostei, e escrevi.
Fui fazendo isso durante o ano de 2007/2008, e montei todo o livro. E quem me
ajudou foi o Décio (Décio Delamano, coralista falecido do PIO XI), que era do
Coral, que transformava em linguagem visível e legível minhas músicas. Então o
livro surgiu assim. E o Marcelo, meu filho, tomando conhecimento desse trabalho,
pediu para ver. Olhou muitas vezes. Cantou comigo algumas coisas. Gostou demais,
e se incumbiu de patrocinar a edição do livro. Foi ele que bolou a capa,
estrututrou o como fazer o livro. Levou para Florianopólis, e lá tem a Essentia
Farma, farmácia de manipulação, da qual ele faz parte. Ele é médico, e, junto
com mais alguns médicos, resolveu formar um grupo avançado na medicina e nos
medicamentos, coisa de última geração. Então montaram isso aí,e hoje ele tem
uma verdadeira indústria de essências, remédios, suplementos alimentares, etc,
e já estão indo pelo mundo todo. Tem na Europa, Estados Unidos, e por aí afora.
Então ele se incubiu disso. Eu devo a ele, realmente, o patrocínio da impressão
do livro. E, por isso, esperei um dia em que ele estivesse por aqui para poder
lançar o livro junto com ele. E foi o que aconteceu.
José Flávio
- Por isso que o lançamento do livro foi adiado algumas vezes?
Maestro
Urban - Sim, porque ele mora no
México e só vem aqui de quatro em quatro meses, mais ou menos. E vai também a Florianópolis, onde ele tem um grupo para o qual transmite as últimas novidades
da medicina, da psicologia, etc.
José Flávio
- Qual a especialidade dele?
Maestro
Urban - Ele é psiconeuroimunologista.
Em uma das vezes em que nós fomos ao México visitá-lo, ele estava trabalhando
com uma pessoa a quem os médicos tinham dado apenas um mês de vida e, com o
trabalho dele, com o tratamento que ele ofereceu a essa senhora, ela viveu mais
cinco anos. É isso, ele trabalha, principalmente, com pessoas em fase terminal,
e transmite isso nos cursos. Ele dá cursos em Florianópolis, mas também já deu
cursos na Itália, Londres, Berlim, ele é internacional.
José Flávio
- O que o Dr. Marcelo Urban achou do
resultado desse trabalho com o livro?
Maestro
Urban - Ele ficou maravilhado, disse
que não esperava — como eu também não esperava — que fosse tão deslumbrante,
tão empolgante. Ele gostou muito das coisas que eu falei antes da apresentação
porque eu procurei explicar o sentido dos salmos e demonstrar que, assim como o
salmo serviu há três mil anos atrás para o Rei David e os outros que os
compuseram, para agir em várias situações da vida, como angústia, sofrimento,
desespero põe isso nos salmos, mas também quando recebe o benefício ele se
expande em fazer versos de alegria, de alivio, de agradecimento, etc. Tem salmo
de tristeza, mas tem salmo de grande louvor, e acima de tudo ele procurava
focalizar a grandeza de Deus, a bondade de Deus, a misericórdia de Deus para
com os homens, para com a humanidade. E hoje, o Deus que era dele é o nosso
Deus. Então, Deus não mudou, e o homem também mudou muito pouco, porque o homem
ainda hoje é cheio de misérias, de necessidade, mas também cheio de confiança,
e a gente pode traduzir tudo isso nos salmos. Eu gostei, principalmente, do
jeito que terminei que foi “só espero que o místico perfume destes salmos em
forma de soneto, e musicados, inebriem e santifiquem àqueles que vierem a
cantá-los. É uma obra de compromisso, não é uma obra literária, é uma obra de
convicção religiosa, de lógica, de formação educacional, cultural”.
José Flávio
- Quanto ao Vidal Ramos, quando começou sua amizade com ele?
Maestro
Urban - Foi ainda no tempo da PUC-Campinas
(Pontifícia Universidade Católica de Campinas), eu trabalhava em um setor da
PUC, ele também trabalhava na mesma região. Ele atendia mais ao que a Reitoria
pedia. Não sei se ele fundou, mas é bem possível que tenha fundado a Rádio
Andorinha, que transmitia notícias da PUC para o exterior. E trabalhando nesse
setor artístico e cultural, ele apresentou muitas vezes o coral universitário,
que eu dirigia, me acompanhou muito tempo. Eu fiquei vinte anos como diretor do
Insituto de Artes e Comunicação (IAC), um pouco antes tinha sido diretor da
faculdade de Música. Então o Vidal trabalhava muito comigo nesse sentido. Eu
sempre apreciei o trabalho dele. Ele sempre foi muito cordato, amigo, e
procurava servir a gente de todo jeito. Então quando soube que ele escreveu o
livro, e ele me ofereceu um bonito. Esse livro, o dele, foi impresso por um
juiz aposentado aqui de Campinas, chamado Francisco Fernandes Araújo que, até
hoje, publica livros e vai no Largo do Rosário, e os distribiu ao povo. Foi ele
que patrocinou o livro, A Beleza dos Salmos, do Vidal. Ele (o juiz) me falou
isso quando o convidei para o lançamento do livro, A Harmonia dos Salmos. Ele não pode estar presente porque houve um
caso de doença na família e ele não pode sair de casa.
José Flávio
- O Vidal não esteve no lançamento do livro, ele faleceu antes desse momento…
Maestro
Urban - Ele faleceu exatamente um mês
do lançamento do livro, no dia 18 de junho. Ele estava com uns problemas de
coração. Mas eu cheguei a levar um livro para ele, e ele ficou maravilhado
quando viu. Eu estava junto com o Márcio, e o Vidal nos pediu para cantar
alguns salmos. Ele estava se preparando para tomar parte nesse lançamento, mas
Deus o levou antes.
José Flávio
- O senhor sentiu bastante a morte dele…
Maestro
Urban - Muito. Infelizmente não
pudemos cantar na missa de sétimo dia dele. Mais ainda teremos tempo cantar em
homenagem a ele. A viúva dele foi muito atenciosa quando eu falei que ia fazer
essa apresentação do livro. Convidei-a para declamar a parte inicial do livro,
que é a apresentação, com o título de, A Beleza dos Salmos.
José Flávio
- Como é o seu processo de criação?
Maestro
Urban - Baixa.
José Flávio
- Baixa?
Maestro
Urban - Baixa (o santo) ( Risos). Olha,
geralmente, eu tenho muita inspiração à noite. Acordo e me vem aquilo (a
ideia). Tanto que me muni de uma caneta que tem lanterninha na ponta. Para não
esquecer, me levanto e anoto tudo. Depois revejo tudo aquilo, e trabalho para
poder apresentar. E os salmos me empolgaram.
José Flávio
- A sua mulher, Letícia, lhe inspira?
Maestro
Urban - Ela é a minha musa
inspiradora. Ela me dá uma mão forte, muito apoio. Ela me aguenta muito,
pacientemente, quando estou ali dedicado a música e não quero saber de mais
nada, de prosa nenhuma, de vez em quando ela me dá umas tacadas, “agora é só
música, só música”, mas enfim, ela compreende, e me abençoa.
José Flávio
- É um amor muito lindo que já dura…
Maestro
Urban - 60 anos. Graças a Deus, nós
nos damos muito bem. Eu a quero muitíssimo bem, ela me valoriza muito também.
Somos um casal que se ama. No dia que nós completamos 60 anos (de casados), o
Pe., praticamente, me obrigou a falar como é que nós conseguimos chegar até
ali.
José Flávio
- Qual é o segredo de tanta dedicação, de tanta vitalidade?
Maestro
Urban - É pensar muito no assunto, ruminar,
e eu tenho esses ideais, principalmente, em se tratando dos corais e, de
maneira especial, o PIO XI, para que as coisas possam ser executadas da melhor
forma. Não gosto das coisas pela metade. Ou faz direito ou não faz. E isso me
inspira a procurar sempre o melhor. Eu vivo da música, gosto da música. Acho
que é isso que me dá essa juventude toda, aos meus 96 anos. (risos)
José Flávio
- Sr. tem novos projetos em andamento?
Maestro
Urban - Tenho. Eu, praticamente, já
terminei o Cântico dos Cânticos de Salomão. Só que nesse caso, eu fiz o verso e
a música, o poema e a música. Está sendo transposta para partituras. A
manuscrita não fica muito bem. Mas a Corona (José Carlos Corona, Presidente do
Coral PIO XI), está me ajudando. O Marcelo veio com uma ideia interessante. Ele
já foi muitas vezes para o Oriente, para a Arabia. Ele pratica a doutrina Surfi.
Não sei se você já ouviu falar. É uma
doutrina arabe que tem uns poetas, que tem escritores, cultivadores de virtudes,
de dons, de pensamentos, é uma doutrina de muita elevação. Alguma coisa é baseada
em Maomé, mas muita coisa é criação dos próprios autores. E tem um poeta chamado,
Rumi, que é tido como um dos maiores pensadores do mundo. Ele está me mandando
os versos de um poema inteiro que Rumi compôs, para ver se eu acrescento ao que
Salomão escreveu, no trabalho sobre o qual eu fiz os versos, para mostar a
identidade de pensamento, a igualdade de doutrina, afinal de contas, mostrar o
paralelismo que existe entre as coisas. Marcelo me trouxe também os Cantares de
São João da Cruz, que se assemelham muito ao que Rumi escreveu, ou é o Rumi que
se assemelha muito a ele. Os dois falam a mesma linguagem. A gente percebe como
no cristianismo, o que é de valor permanece, cresce. E em outros setores, o que
é de valor também cresce, e se une ao que o cristianismo programa.
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