0
Retratos do absurdo
Posted by Cottidianos
on
00:47
Terça-feira,
20 de maio
Ao
alvorecer, quando os primeiros raios de sol ainda não tinham descido ainda à
terra e o céu se pintava de um intenso alaranjado, o homem humilde pegou o seu balde e saiu à
procura de água para que pudesse tomar o primeiro banho do dia. Caminhou cerca a
de seis quilômetros até encontrar o córrego mais próximo. Não seu rosto não se
via tristeza nem cansaço. Quando se faz as coisas pelo prazer de fazer, pelo
idealismo, o terreno árido se torna jardim florido. Para aquele homem, o ato de ir buscar água
logo ao amanhecer era parte de sua missão. Ao longo do caminho sua vista se
deliciava com as belezas naturais que o cerrado oferecia.
Uma
arara-azul-grande saudava o sol nascente. Ao longe, ouviu o canto de uma Inhambu-xintã
chamando os filhotes para a primeira refeição.
Alguns trabalhadores desciam pelas veredas com enxadas às costas para
cuidarem de suas plantações. Um bom dia foi trocado entre eles e o homem seguiu
seu caminho levando a água fresca que havia recolhido no córrego.
Quando
chegou sua mulher já preparava o café quentinho em um fogão de lenha montado no
quintal. Não havia gás para que fizessem o café dentro de casa, o jeito foi
improvisar. As quatro crianças ainda sonolentas acocoravam-se ao redor do fogo
e acompanhavam o preparo dos alimentos.
Diante
dessa cena, o quadro que se forma em nossa mente é de uma casa e uma família
reunida, porém, as coisas não bem assim.
A
casa, na verdade, é uma escola do ensino fundamental: a Escola Municipal Rural
dos Matões, localizada no município de Conceição do Tocantins, no estado do
Tocantins. Abandonada no meio do cerrado por quem deveria dar apoio e incentivo
a quem quer, de fato, aprender. O homem que saiu para pegar água para higiene
diária é o professor da turma. A mulher que fazia o café é sua esposa e
merendeira da escola. E as crianças, quatro alunos. Porque essa rotina absurdamente
diferente nas vidas dessas pessoas?
Toda
boa escola presume-se que tenha uma boa infraestrutura, capaz de acolher
aqueles que a ela acorrem em busca de conhecimento. É o mínimo que uma
instituição de ensino pode oferecer. Na pequena escola rural isso não acontece,
infraestrutura boa é um sonho distante.
Tudo
no ambiente é precário: as cadeiras dos alunos, o quadro-negro, o apagador, a
mesa do professor. Energia elétrica não há, e água para higiene das crianças
tem que ser buscada um pouco longe do lugar onde fica a escola. Tudo com muito
sacrifício.
Mas
ainda não vos expliquei porque que o professor acordou na escola, junto com a
mulher e os alunos. É que o problema maior principia ao termino das lições. Dos
dezoito estudantes, 14 vão embora assim que toca a sineta anunciando o termino
da aula. Quatro deles ficam. Eles moram, isso mesmo, moram na escola durante a
semana, junto com o professor e a mulher dele. Os cinco moram longe da escola e
a prefeitura do município não providenciar transporte para eles. Então para não irem a pé ou a cavalo, o que despenderia
um esforço bem maior, a solução encontrada foi fazer da escola, moradia,
durante a semana.
À
noite a situação é bem pior. Não tendo luz elétrica a única chama a iluminar os
cinco guerreiros é fogo a lenha. E na hora de dormir? Como é que eles se
arranjam? Bem... Na hora de dormir um dos cantos da sala serve de quarto para
as crianças, que ali dormem sem nenhum conforto.
Horrorizada
com a situação e indignada com tamanho abandono, a Defensoria Pública do Estado
vai oficiar o município para que seja corrijida essa situação vexatória e
humilhante para aqueles que desejam expandir seus horizontes mentais.
“É
difícil, no século XXI passar por uma coisa dessas”, lamentou o professor e,
creio, lamentamos todos nós.
***
Outro
absurdo descaso com a educação no vem de União dos Palmares, um pequeno município,
no estado do Alagoas.
Em
uma escola da zona rural desse município, estudam 80 crianças, entre 3 e 9
anos. Lá também não há infraestrutura adequada a um aprendizado de
excelência. As carteiras estão velhas e
quebradas. As únicas restantes não é bom nem sentar nelas para evitar o risco
de desabar no chão.
Em
uma das salas da escola se você procurar carteiras para que os alunos possam
sentar não vai encontrar nenhuma. Estavam tão velhas e com madeira podre e
fraca que foram retiradas do ambiente. O que fazer? Os alunos estavam ali para
assistir às aulas. Com muito boa
vontade, ás mulheres que faziam a limpeza da escola, trouxeram algum panos de
casa, a professora trouxe mais alguns e juntas, forraram o chão da sala de aula
com eles.
E
era ali que os pequenos guerreiros, sentados num chão frio, e absolutamente desconfortável,
tinha suas lições. “O chão é frio, dói minhas pernas”, reclamava a pequena
Ruth.
***
Sinceramente,
gostaria que isso fosse ficção, mas não é. É uma dura realidade vividas por
muitas comunidades espalhadas pelo Brasil afora.
Os
dois episódios acima foram noticiados pelo telejornal matinal, Bom Dia Brasil.
— um excelente noticiário, exibido pela Rede Globo de Televisão — o primeiro
caso foi ao ar na manhã de ontem e o segundo no dia primeiro de abril. O Bom
Dia Brasil, e também o jornal que o precede, Bom Dia São Paulo, estão sempre
trazendo matérias que denunciam esse tipo vergonhoso de situação. O primeiro em
nível nacional e o segundo em nível local.
No
primeiro caso, segui uma linha literária na apresentação da notícia, sem,
contudo tirar-lhe a essência.
Por
causa da denuncia do jornal, poucos dias depois, as cadeiras tinha chegado à
escola da zona rural de União dos Palmares.
***
Quando
vejo essas matérias no noticiário, confesso a vocês que sinto uma imensa
vergonha e uma grande indignação. Em primeiro lugar por ver nelas um desrespeito
gritante à nossa constituição que diz sem seu
Art.
205 “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”.
Esses
casos já quebram a Lei Máxima de nosso país em seu
Art.
1º “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático
de direito e tem como fundamentos:
I
- a soberania;
II
- a cidadania;
III
- a dignidade da pessoa humana”
Nessas
cidades, certamente, há líderes que foram eleitos pelo povo, do qual agora
tripudiam com atitudes como as mostradas pelo Bom Dia Brasil. Perguntem se os
filhos desses políticos estudam nessas escolas. De jeito nenhum! Os filhos
deles, com certeza, estão matriculados nas melhores escolas particulares. Se os
filhos deles estivessem matriculados na escola pública, essa, certamente, seria
levada muito mais a sério. Não quero generalizar, há bons políticos fazendo um
bom trabalho. Porém, acho que os bons exemplos devem superar, em muito, os maus
exemplos.
São
os guerreiros os pais que matriculam os filhos nessas escolas, são guerreiros
os estudantes que estudam nessas condições precárias, são guerreiros os
professores que, apesar de todas as dificuldades enfrentadas, não desistem do
ideal de transmitir a luz do conhecimento a quantas pessoas forem necessárias.
Precisamos
de uma revolução que sacuda as bases de nossa sociedade, que nos tire da letargia
que conduz a falta de conhecimento e informação. Precisamos de uma revolução
que nos conduza ao caminho do desenvolvimento econômico e social. Para que isso
aconteça, só há um caminho possível: a revolução pela educação.
Postar um comentário