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Fabiane: Vítima de um boato que circulou na Internet
Posted by Cottidianos
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00:52
Quarta-feira,
07 de maio
“Não vou me preocupar com as perseguições
Com as pedras
que me lançam, Jesus está por perto
Eu posso
confiar, eu posso descansar, Jesus está por perto
Pra falar atire
a primeira pedra
Aquele que não
tem pecado, aquele que não erra
Pra me defender
diante do inimigo
Tomar minha dor,
pra chorar comigo
Pra me sustentar
debaixo de Tua destra
Isso é fato
consumado, os meus casos impossíveis
Serão sempre
encerrados pelo meu advogado
Meu advogado é o
meu Senhor
Ele me defende
do acusador
Minha causa
entreguei em Suas mãos
Posso descansar
o meu coração
Minha audiência
ele já marcou
E garantiu de
novo que eu serei o vencedor
Meu advogado
mora lá no céu
Verdadeiro
justo, pra sempre fiel”.
Um
coro de 300 vozes entoava o gospel, Advogado
Fiel, enquanto o caixão com o corpo da dona de casa, Fabiane Maria de
Jesus, de 33 anos, descia à sepultura. O cântico era um dos preferidos de
Fabiane. À beira do túmulo, familiares e amigos, entre canções gospels e
lágrimas sentidas, davam o último adeus à dona de casa, mãe de uma menina de 12
anos e outra de apenas um ano de idade. Essa fúnebre cerimônia acontecia no
Cemitério Jardim da Paz, na praia do Guarujá, litoral de São Paulo.
Visivelmente
emocionado, um dos primos de Fabiane, gritava: “Vamos cobrar justiça. Mas não
justiça com nossas próprias mãos, a justiça verdadeira, a justiça de Deus”. Após
clamar por justiça, ao final do sepultamento, ele convidou a todos os
presentes, a fazerem uma passeata pela paz, até a Praça Mário Covas, que fica
próxima do cemitério.
O
que aconteceu com Fabiane? Por que ela se foi em circunstância tão cruel e
perversa?
A
mulher era uma pacata dona de casa, casada, mãe de duas filhas a quem muito
estimava. Vivia feliz com o marido e, o casal, procurava educar as filhas na fé
e na retidão, como convém a uma família cristã. Frequentava a igreja de São
João Batista, no bairro dos Moinhos e ali
era muito querida por todos. Apesar de levar uma vida tranquila, ela tinha
problemas de saúde. Transtornos bipolares alternados a estados de agitação e
depressão eram pedras no caminho, pedras essas que não a impediam de levar uma
vida normal em família e em sociedade.
Na
noite de sábado, porém, Fabiana se viu numa situação semelhante a dos filmes de
horror. No caso dela, o terror não estava do outro lado da tela... O horror era
real.
Uma
página do Facebook, dedicada a postagem
de notícias, cujo administrador também reside no Guaruja, em postagem recente,
publicou um retrato falado de uma mulher que segundo a postagem, era uma
terrível sequestradoras de crianças. Ainda segundo a publicação os sequestros
de crianças tinham o macabro fim de usá-las em rituais de magia negra. A página
tem cerca de 50 mil seguidores, mas todo mundo sabe como funciona a Internet,
um compartilhamento triplica em segundos, esse número, com enorme facilidade. Foi
o que aconteceu no caso da publicação: a notícia foi compartilhada por cerca de
150 mil pessoas.
Alguém
achou semelhança entre a foto da sequestradora e a pacata dona de casa. Foi a
partir daí que o veneno começou a se espalhar. Correu de boca em boca e, dentro
de pouco tempo, a pacata dona de casa, foi transformada em mulher malvada e
cruel, como num passe de mágica. Fabiane prosseguia sua vida normal e nem
desconfiava que o poderoso veneno da calúnia contra a pessoa dela estava se
espalhando silenciosamente.
No
sábado à noite, ela caminhava pelo bairro, tranquilamente, com a Bíblia nas
mãos, certamente ia ou voltava da igreja, não se sabe ao certo. Parou em um
estabelecimento comercial, comprou algumas bananas. Havia uma criança
perambulando por ali e, certamente, devia estar com fome. Vendo aquelas bananas
tão apetitosas, a criança pediu uma delas a Fabiane que, prontamente, atendeu
ao pedido.
A
turba enfurecida reconheceu naquele caridoso gesto e naquele meigo sorriso
expressado por Fabiane, enquanto entregava a banana à criança, a confissão de
um crime. Era ela mesma a sequestradora. Para piorar a situação ela foi
flagrada com a foto de duas crianças dentro da bíblia que segurava nas mãos. Era
a prova definitiva de que a multidão raivosa precisava. Nem sabiam eles que a
foto daquelas duas crianças era as fotos das próprias filhas de Fabiane.
De
posse do veredicto final, os bárbaros partiram para cima dela e, furiosos, a
espancaram até a morte. Fabiane, provavelmente, gritou que era inocente, um
grito que, certamente, foi abafado pelas dezenas de vozes daqueles que lhe
tiravam a vida. O que tornava o fato ainda mais chocante era a presença de
crianças, entre a multidão, participando de todas aquelas cenas de violência. Em
decorrência do espancamento, Fabiane sofreu traumatismo craniano. Foi levada
ainda com vida ao hospital, mas não resistiu aos ferimentos.
A
polícia averiguou e não encontrou o menor indício de que Fabiane pudesse ser uma
sequestradora.
Segundo
o advogado da família da vítima, há queixas na polícia contra a página, “Guarujá
Alerta”, justamente por divulgar notícias falsas, notícias essas que já fizeram
inocente ir para a prisão.
A
internet é paiol de pólvora: para causar um grande incêndio é coisa de poucos
segundos. Apagá-lo, quem conseguirá? Portanto é preciso muita responsabilidade
da parte de quem escreve para não joga pedras em inocentes e também da parte de
quem lê, pois não pode sair por aí, acreditando em tudo o que circula na rede,
pois também poderá acontecer de jogar pedras em inocentes. Só mesmo os
selvagens para fazerem justiça com as próprias mãos, os humanos um pouco mais
civilizados sabem que existem as instituições que administram a justiça que,
rápida ou lenta, estão prontas a aplicar as penas necessárias.
Que mundo é esse, que
enquanto uma parte da sociedade caminha para abrir os horizontes mentais outra
parte dessa mesma sociedade parece querer regredir ao tempo das cavernas?
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