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20 anos sem o mito Ayrton Senna da Silva – Parte I
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00:27
Sábado, 03 de
maio
Amigo
é coisa para se guardar
Debaixo
de 7 chaves, Dentro do coração,
Assim
falava a canção que na América ouvi,
Mas
quem cantava chorou ao ver o seu amigo partir,
...
Amigo
é coisa para se guardar
No
lado esquerdo do peito,
Mesmo
que o tempo e a distância digam não,
Mesmo
esquecendo a canção.
O
que importa é ouvir a voz que vem do coração.
Seja
o que vier, Venha o que vier
Qualquer
dia amigo eu volto pra te encontrar
Qualquer
dia amigo, a gente vai se encontrar.
(Letra de Canção
da América
Autores: Milton
Nascimento , Fernando Brant)
Abro
as janelas do quarto de meu amplo horizonte e, com grande alegria, percebo que
faz um dia maravilhoso. Quando uso a expressão “dia maravilhoso” não me refiro
a se está fazendo sol ou se está chovendo, se está fazendo frio ou se está
fazendo calor, nem a quantas corridas ganhei ou quantos troféus acumulei,
também não estou me referindo aos bons negócios que fechei, ou coisas desse
tipo.
Quando
digo “faz um dia maravilhoso” estou me referindo a deslumbrante e azulada luz
que entra pelas janelas de minha nova casa e perpassa, por inteiro, meu novo
corpo. Estou me referindo ao rio de paz e de relaxamento que corre em meu
peito, renovando minhas esperanças de que, um dia, o mundo seja pleno de paz e
livre dos sentimentos mesquinhos como o ódio e a vingança.
Por
que o criador, ao ver crescer juntos, o trigo e a erva daninha, não arranca a
segunda para que o primeiro possa crescer belo e vigoroso? Certamente, essa
pergunta deve ter estado em muitas mentes e sido proferida por muitas bocas. Ao
que eu diria: não se pode arrancar joio e trigo sem que não se prejudique de
alguma forma as raízes do trigo. Então, o divino criador, em sua infinita
sabedoria, permite que os dois cresçam juntos, joio e trigo. Um dia, porém,
será feita a colheita. O trigo será levado aos celeiros e terá destino nobre e
o joio será lançado no fogo e para mais nada servirá.
Quando
digo “hoje faz um dia maravilhoso”, quero, na verdade, me referir às
oportunidades de crescimento espiritual que me são dadas, não digo a cada dia,
mas a cada instante. Falo da capacidade de superar os estreitos limites de
minha alma, ainda amarrada a memórias e lembranças da minha antiga vida na
terra. Não é fácil se desligar dessas amarras de um dia para outro. Mas é preciso se libertar delas para que
possamos usufruir do rio de leite e mel que corta os vales do infinito.
Ao
dizer que faz um belo dia, me vem à mente as pessoas que ajudei e as que também
me ajudaram. Enfim, refiro-me a coisas que fazem bem ao meu campo vibratório.
Aqui,
no espaço etéreo temos uma medida diferente para dizer se estamos vivendo um
bom ou mau momento. É uma ideia muito diferente da que tinha quando estava
entre vocês. Até que foi fácil assimilar esses novos conceitos.
Na
verdade, as oportunidades de aperfeiçoamento nos são dadas desde que nascemos. Nos é que não prestamos atenção a elas,
nem lhe damos o devido valor. Eis o motivo pelo qual, tantas vezes, batemos a
cabeça na parede. A melhor solução sempre está colocada à nossa frente, ao
nosso alcance, e nós, ao invés, de acolhê-las, passamos em frente e batemos
contra o muro, não bastasse isso ainda nos lamentamos e, muitas vezes,
colocamos no criador, a culpa de nossos males, de nossos fracassos.
Quando
fui chamado aqui, interrompi uma carreira brilhante e vitoriosa como piloto de
Fórmula 1. Era notícia em jornais de todo o mundo como o piloto que sabia
dominar a chuva e vencer sob ela. Hoje, sinto-me aliviado por ter me libertado
da angústia que era viver num mundo que entrava em desarmonia com os meus
valores e ideias. Via, ao meu redor, muita desigualdade, inveja e mesquinharia.
Essas coisas interferiam de modo negativo em minha energia e em meus
pensamentos, eram como forças contrárias e conflitantes.
Mas
minha missão era estar num carro de corrida, dentro dos boxes, nas pistas, treinando
exaustivamente para conseguir bons resultados nos Grandes Prêmios, levantar a
taça ao final dos campeonatos. Amava minha profissão e ali era meu lugar. Portanto,
querendo ou não, tinha que aguentar os espinhos. Afinal, nem só de flores vive
um campeão.
Olho
novamente para janela que se descortina para o horizonte e vejo que começa a
cair uma esplêndida e colorida chuva. Os pingos leves e brilhantes caem de modo
tão suave que parecem bailar ao sabor do vento. A química do infinito torna
diferente a propriedade das coisas. Por exemplo, a
essência da chuva é formada por paz, felicidade, boas vibrações. Gosto quando
chove assim, retira toda a energia negativa que se acumula no ambiente
tornando-o mais leve.
Por
falar em chuva, sempre gostei dela. Sempre fui apaixonado por ela. Dias chuvosos
eram os meus preferidos. Para os meus concorrentes, ao contrário, era um terror
quando chovia. Para mim era uma benção. Dava-me muito bem quando ela caia. Porém,
não se consegue a perfeição senão a custa de muito esforço.
Lembro
que, no início, quando comecei no Kart, eu era muito bom. Um dia houve uma
competição e choveu bastante justamente nesse dia. Foi um horror. Carros me ultrapassavam por
todos os lados. Por mais que me esforçasse, não conseguia sair do lugar. Minha atuação
como piloto naquele dia foi péssima. Foi um dos piores dias da minha vida.
Voltei
para casa irritado, humilhado, arrasado. Foi então que percebi que não era tão bom
quanto pensava ser. Prometi a mim mesmo que, a partir daquele dia, eu iria ser
o melhor. Fosse nos dias de sol ou nos dias chuvosos, eu seria o melhor.
Passei
a treinar com mais empenho e afinco do que nunca. Quando chovia, eu pegava meu
Kart e botava ele na pista. Treinava, treinava e treinava embaixo de toda
aquela chuva. Somente ia embora quando o sol já havia descido no horizonte e não
havia mais luz natural a iluminar a pista. Chegava em casa sujo, suado e,
principalmente, exausto. Entretanto sempre havia um sorriso de satisfação em
meus lábios. Sabia que estava fazendo progressos. Sentia que a cada chuva que
caia meu desempenho nas pistas era melhor e meu domínio sobre o carro se
tornava cada vez mais eficiente.
Em
1981, soube que havia na Inglaterra, uma excelente escola de pilotagem,
chamada, Jim Russel Racing Driver School. A qualidade do ensino dessa escola
era tão boa que já tinha atraído pilotos brasileiros do quilate de Nelson
Piquet, Raul Boesel, Roberto Pupo Moreno, Chico Serra e Emerson Fittipaldi. Eles
falaram tão bem da escola que resolvi conferir também.
A Jim
Russel Racing Driver School ficava em Attleborough (Norwich), no condado de Norfolk,
no extremo leste da Inglaterra. A região também abrigava fábricas e equipes de
grande importância para as equipes de Fórmula Ford e Fórmula 3. Eu sabia da importância
dessas duas categorias para alguém que deseja alcançar o topo na Fórmula 1. Principalmente,
a Formula 3 era o degrau imediatamente anterior as pistas de Formula 1. Ir a
Inglaterra foi uma aventura. Não sabia falar inglês, nem nada. A única coisa
que sabia era que teria descer no Heathrow, aeroporto de Londres, chegar em
Alteborough e procurar Ralph Firman, dono da Van Diemen, a principal fábrica de
carros da Formula Ford.
O pessoal
em Alterborough já tinha ouvido falar de mim. Uma dia o Chico Serra, piloto
brasileiro que corria para Dennis Rushen, dono da equipe Rushen Green, chegou
para ele e falou:
—
Eu sou muito rápido, você não acha?
—
Sim, você ganha tudo!
—
Vem aí um cara que é realmente rápido. Tem um cara especial chegando do Brasil.
o nome dele é Ayrton Senna.
Chico
Serra era muito bom. Já havia ganhado campeonatos importantes como o campeonato
inglês e Formula Ford Festival.
Eu
já havia corrido nas pistas de Kart da Europa e havia conseguido bons
resultados por lá. Quando eu cheguei a Altborough, Ralph Firman já esperava por
mim havia dois anos.
Quando
entrei num carro de Fórmula Ford, tive certa dificuldade de adaptação que durou
umas duas ou três corridas. O estilo de
guiar o carro era diferente. O kart era mais agressivo e o Formula Ford exigia
firmeza e, ao mesmo tempo, suavidade. Depois que me acostumei, as vitórias
começaram a chegar.
O
que achei difícil mesmo foi me adaptar ao jeito inglês de viver. O choque
cultural foi grande, principalmente para mim que era muito ligado a minha família.
Estávamos sempre juntos em casa; eu, minha mãe, meu pai, meu irmão e minha
irmã. Sempre nos demos muito bem. Nossa relação era muito harmoniosa. Ficar longe
deles foi bem difícil.
Havia
levado junto comigo, minha mulher, uma brasileira bastante bonita e simpática. Ela
também sentia falta da família.
Outra
coisa que me incomodava pra caramba era o frio. Deus do céu, como sofria com o
frio. Confesso que sair da cama pela manhã era um enorme sacrifício. Quando estava
muito frio e eu tinha treinar, já deixava avisada a equipe: “Deixa meu carro e
minhas luvas aquecidas... Ah, outra coisa, vou chegar mais tarde, depois que esquentar
um pouco”.
A temporada
da Fórmula Ford estava chegando ao final e, apesar do bom resultado que havia
obtido, meu retorno à Inglaterra no ano seguinte, 1982, era incerto, não sabia
se voltava, ou melhor, não queria voltar. Estava certo que eu correria no
Formula Ford Festival próximo ao fim do ano. Mas desisti de participar dessa
competição. Tive que voltar ao Brasil.
No
final daquele ano de 1981, meu pai teve problemas e meu retorno ao Brasil se
fazia necessário para ajudar no que fosse preciso. Foi nesse ínterim que
resolvi parar de correr. Fiquei trabalhando nos negócios da família. Porém, o
desejo de voltar às pistas falou mais alto. Senti que o meu coração me implorava
que voltasse às corridas.
Essa
minha indecisão, durou apenas quatro meses.
Lembro
que, ao sair da Inglaterra, Ralph me perguntou:
—
E aí, campeão, vai estar aqui no que vem?
—
Não sei. Em janeiro te dou a resposta.
Em
Janeiro, peguei o telefone e liguei para ele:
—
Ralph, prepara meu carro que eu chego por aí dentro em breve.
Disse
adeus a minha mulher, minha família, meus amigos e fui correr atrás do sonho e
daquilo que meu coração me pedia que fizesse. O desejo de voar nas pistas tal
qual a águia real voa pelos ares, falou mais alto.
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