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JK: Um homem inspirador
Posted by Cottidianos
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12:02
Quinta-feira,
1o de maio
"Um
homem em posição de comando é como uma faca de dois gumes.
Se for nobre e
virtuoso levará seu povo ao sucesso e à felicidade.
Se for despido de
virtuosidade lançara uma nação inteira em um abismo sem fim".
Minha
homenagem neste dia do trabalho vai para um menino pobre, inteligente,
sagaz, trabalhador e que, apesar de ter alcançado posição de destaque e de
comando na sociedade, sempre conservou sua alma de criança e a humildade dos
tempos de menino em Diamantina, no Estado de Minas Gerais. Falo do presidente,
Juscelino Kubitschek de Oliveira, mais conhecido como JK, também conhecido por “presidente
bossa-nova”, por ser fã da Bossa Nova.
Quando
olho para um presente no qual bate à porta do Brasil, o maior campeonato de
futebol de mundo e vejo operários correndo para terminar estádios de futebol
que poderiam já estar prontos faz tempo. Quando ouço notícias de aeroportos que
deixam a desejar em infraestrutura e em obras que não conseguiram ficar prontas
a tempo para bem receber os milhares de turistas que por aqui passarão nesses
tempos em que os melhores times de futebol do mundo serão protagonistas, em
terras brasileiras, de um belo espetáculo esportivo, sinto vontade de buscar
inspiração no passado, em pessoas dinâmicas e inspiradoras.
Não
há como não deixar de fazer comparações. O Brasil foi anunciado como sede do
mundial de 2014, em outubro de 2007. De lá para cá já se passaram quase oito
anos. A maioria das cidades sedes teve dificuldades em construir seus estádios,
tendo a seu favor, moderna tecnologia e facilidade de deslocamento. Brasília,
capital federal, Patrimônio Histórico da humanidade, foi construída em cinco
anos. Sendo que, hoje, nos grandes centros, é possível encontrar qualquer tipo
de material de construção e, à época da construção da Brasília, só havia no
Planalto Central, areia, tijolo e terra. Todos os demais materiais tinham que
vim de longe, inclusive pesadas máquinas. O Brasil, no final da década de 50,
conseguiu construir uma cidade no meio do nada, nos distantes ermos do Planalto
Central, sob a liderança de JK. Isso não é coisa para se fazer pensar?
Juscelino
Kubitschek esteve à frente da presidência do Brasil entre 1956 e 1961. Antes já
havia sido prefeito de Belo Horizonte, deputado federal e governador de Minas
Gerais. Durante o seu governo, o Brasil experimentou um período de grande
desenvolvimento econômico. JK nasceu em 12 de setembro de 1902, em Diamantina e
morreu em 22 de agosto de 1976, em um acidente de carro na rodovia Presidente
Dutra. Por
muito tempo acreditou-se que a morte de Juscelino havia sido acidente. Em dezembro do ano passado, a Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog, da cidade de São Paulo, divulgou
um documento que muda a versão oficial desse fato. O dossiê apresenta 90
indícios de que JK foi assassinado, em um plano eficaz que fez com que tudo
parecesse um acidente.
Abaixo,
apresento a vocês, trechos de uma entrevista que o jornalista Pedro Bloch (1914-2004),
fez com JK, em 14 de setembro de 1963 e publicada na revista Manchete, no 595.
Essa e outras entrevistas, feitas pelo jornalista, foram reunidas no livro Pedro Bloch Entrevista, lançado em 1989
pela Bloch Editora. Na época em que essa entrevista foi
realizada, JK era senador pelo estado de Goiás, porém, sua família e seus assessores
ainda o chamavam de presidente. O objetivo do jornalista não foi buscar a alma
do político, mas do homem Juscelino. A conversa de Pedro Bloch mostra um homem dinâmico,
autodidata, que nunca se acomodou diante das dificuldades, que diante de
situações difíceis na vida pessoal e na vida pública, não cruzou os braços, mas
foi à luta e mudou a própria história.
Resolvi
apresentar esse texto aos leitores por considerá-lo realmente inspirador para
aqueles que acreditam que é possível vencer as dificuldades e mudar a própria história.
***
O começo da história
— Diante de mim está Juscelino Kubitschek de Oliveira, o criador de Brasília.
Não é o político que desejo ver. O que me interessa é o homem. JK é o ser
humano sensível, o chefe de família, o que resta do Nonõ de Diamantina. O presidente põe os olhos no passado e a
história começa:
— Mamãe, você já sabe, vai completar, agora, a
15 de setembro, 90 anos. Filha de um homem que muito lia, trouxe dele a fome de
cultura. Mamãe sempre foi uma pessoa de energia, tenacidade, continuidade, coragem. Professora particular, foi a
primeira mestra de grupo escolar, nomeada em Diamantina, tendo lecionado,
ininterruptamente por 35 anos, instruindo e educando várias gerações. Ficou viúva
aos 26 anos, com dois filhos para criar (eu e minha irmã, Maria da Conceição).
Mas ninguém, em Diamantina, falava em Juscelino ou Maria da Conceição. Éramos,
simplesmente, Nonõ e Naná.
— Eu sou a média do temperamento de papai e
mamãe. Ela é de uma austeridade sem limites, de uma autoridade sem dimensões
(todo menino bravo ia para a escola de Mestre
Júlia). Já meu pai (João Cesar de Oliveira) era boníssimo, mas boêmio.
Grande inteligência, orador espontâneo, muito estimado, serenatas e gripes se
sucederam nele, até que a tuberculose tomou conta. Naquele tempo, você sabe,
seu Pedro Bloch, como se tratava a tuberculose. Ficou isolado num lugar modesto
e nós em nossa humilde casinha (que se pensa transformar, agora, num pequeno
museu). Ele, doente, muito escrupuloso, só permitia que os filhos o vissem, de
quando em quando, de longe. Quando estava para morrer (aos 32 anos), disse a
mamãe: “Vou morrer feliz porque esses meninos vão ficar bem em suas mãos”!
Mamãe teve que enfrentar a vida sozinha. (Eu tinha pouco mais de um ano e minha
irmã por volta de dois.) Você não calcula a fibra que demonstrou. E sempre com
esse pudor de demonstrar ternura, com uma fé inabalável no futuro e sem uma
palavra de queixa.
A
primeira vitória — Estudei com mamãe. Naquele tempo as
professoras acompanhavam a turma, desde o primeiro atrasado até o quarto ano.
Sendo filho da professora, ela exigia de mim que fosse o melhor aluno. Fui.
Acabei sendo eleito orador da turma pelos meus coleguinhas. Foi a minha
primeira vitória em matéria de eleições.
— Tudo o que se faz com alicerces sólidos tem,
depois, uma importância considerável. A criança, em sua vida e em seus estudos,
molda o que será amanhã. Muita gente da minha família considera que as coisas
mais interessantes que eu tenho feito resultaram do fato de eu ter conservado
um pedaço de minha alma de criança. No menino de sete, você já pode adivinhar o
homem de setenta. Quem não vive integralmente a sua infância não amadurece
nunca.
JK e os
fantasmas — Um episódio que recordo sempre. Você sabe
como nós fomos educados, numa cidade do interior, como Diamantina, onde não
havia luz elétrica; casas velhas de salões enormes. Morei, certa vez, num
casarão que tinha um corredor que dava para 42 quartos. Eu percorria, muitas
vezes, à noite, aquele corredor, de vela na mão, e, quando ela apagava, de
repente, era de se ficar transido de pavor. As pretas velhas viviam enchendo a
imaginação da criançada com suas histórias sobrenaturais. Havia um casarão numa
rua deserta onde — há muitos anos — ocorrera um crime que deixou abalada a
cidade. Diziam então que o assassinado, todos os dias, à meia-noite, percorria
as ruas a cavalo e, é claro, nenhum garoto se atrevia a ficar acordado àquela
hora. Pois, menino ainda, resolvi ficar esperando a hora fatídica, ao pé da
janela. Soou a hora terrível... Olhei... Esperei... E o fantasma não apareceu.
Você não calcula com que terror pânico eu fiquei à espera. Tirei conclusões do
fato muito depois: Sempre quero ver o fantasma, pois, sabendo que não existe,
acaba o medo.
Autodidata — Quando terminei o primário lá em Diamantina, me encontrei com o
fato de que secundário só em Belo Horizonte havia. Pedi, então, a mamãe que me
pusesse no seminário. Ainda recordo o dia em que fomos subindo, eu e mamãe, a
ladeira para pedir ao padre francês Perroneile um abatimento. Mamãe ganhava 120
mil-réis. O padre concordou e eu fiquei pagando 40. Outros 40 eram gastos com
Naná. Mamãe vivia com os outros 40 restantes. Não é preciso dizer que ela só
aguentou esse sacrifício até o quarto ano. E foi muito. Fiquei três anos à toa
em Diamantina. O meu único hobby (eu,
que não gostava de esportes, nem havia onde praticá-lo ali) a leitura. Não
houve romance, na cidade, um único livro, que eu não tivesse lido. Toda a
biblioteca da União Operária passou por mim. Lia sozinho, da filosofia ao
folhetim, da teologia ao clássico do espiritismo... Tudo. Foi quando planejei
sair de minha terra. Ali eu tentara ser caixeiro de armazém, mensageiro de
telégrafos, entregador de cartas. Não consegui nada. Resolvi superar o meu
problema estudando sozinho. Pegava das 5 da manhã e ia até 9 da noite. Estudei
muito. Traduzi o teatro clássico francês inteirinho, com dicionário ao lado,
sem ninguém para me orientar. Considero isso uma das maiores façanhas de minha vida.
Quando começaram os exames parcelados, eu me preparava em Diamantina e ia a
Belo Horizonte prestar provas. Estudei tudo sem professor, lutando, decifrando,
pesquisando. Fiz concurso para os telégrafos e consegui ser nomeado. (Mais
tarde, já presidente, JK recebe uma mensagem telegráfica de um colega em
apuros. Fez questão de, ele mesmo, telegrafar a resposta ao amigo desesperado,
solucionando o problema.) Ao me matricular na Escola de Medicina já era
empregado. Eu, que tinha vivido, até então, com dez mil-réis por mês, passando
a ganhar cento e oitenta, me considerei milionário. Pagava 100 pela pensão, 10
de lavagem de roupa e
mais algumas despesas forçadas. O mais difícil, entretanto, era
conseguir os 700 mil-réis da anuidade da escola. Pedia emprestado e lutava com
os 5% de juros ao mês. Minha divida parecia não acabar nunca. Quando cheguei ao
quinto ano minha irmã veio me visitar na pensão. Adoeceu e chamei um médico.
Este a tratou e acabou casando com Naná e me abriu a possibilidades. Seu nome
era Júlio Soares e foi, durante muitos anos, o maior cirurgião de Minas.
Trabalhei com o meu cunhado dois anos. Fui pra Polícia Militar, onde fiquei
muito tempo, saindo como tenente-coronel. Fiz urologia e, depois, cirurgia, fui
chefe do Serviço de Cirurgia do Hospital Militar. Embarquei para a Europa onde
estudei, durante um ano, para me preparar para um concurso de docente da Escola
de Medicina.
...
Introdução à política — Eu nunca havia pensado em política. Eu era capitão-médico quando
estourou a revolução de 32. Quase ninguém queria ir. Eu, com meu espírito
audacioso, me ofereci logo. Fui o primeiro médico da PM a seguir para o front que era perto de Passa Quatro.
Ficamos encravados, durante quatro meses, por ali. Era o cirurgião que mais
trabalhava naquela zona. Comecei a fazer nome. Benedito Valadares era delegado de
Passa Quatro. Me conheceu. Em seguida foi deputado, Getúlio o convidou para
interventor de Minas e ele fez questão de que eu fosse secretário do governo.
Depois fui deputado... E o resto você recorda.
D. Sara
e as filhas — Conheci Sara numa festa. Em Belo Horizonte
havia uns dois clubes, inacessíveis para mim. Eu ia a algumas festas de gruo escolar, dadas em benefício, a dois mil-réis a entrada. Um dia (estava no
quarto ano) vi aquela moça. Sorrisos trocados. Dançamos. Encontros. Casamento.
A educação das meninas (99%) foi de Sara. Quando Márcia nasceu e Maristela
passou a viver conosco, já era eu, prefeito de Belo Horizonte. Depois fui
deputado, governador, presidente da República. É fácil compreender que meu tempo era todo absorvido nessa incessante atividade
político-administrativa. Eu sempre dizia às meninas: “Vocês sempre viveram de
palácio. Quero pedir uma coisa a vocês: — sejam sempre simples, humildes.” Por
falar nelas: Você que tanto gosta de histórias de crianças, ouça uma de Márcia,
quando tinha poucos anos de idade e eu fui eleito governador de Minas. Ela
chegou perto de mim e perguntou: “Papai, como é o Palácio? Tem sala dourada?
Sala de ouro?” “Por que você pergunta isso?” — Quis eu saber. “Você está
achando seu pai importante é?” E a menina, me olhando de alto a baixo: “Não,
papai. Sua profissão é importante, mas você é simples”. Foi uma das coias mais
agradáveis que ouvi em minha vida.. Depois JK passa a me falar com imensa
ternura de Maristela, mas quero que ela própria me conte a história de sua
adoção. Pouco antes, D. Sara me havia dito: “Maristela sempre se revelou com
uma capacidade infinita de dar. Eu diria que todos os momentos da sua vida são
dos mais felizes que temos tido”. Isso comove profundamente, Maristela, que diz
com duas lágrimas felizes lhe despontando: “E a
senhora acabou fazendo a gente chorar, não é? E,
segurando com ternura, a mão de Rodrigo, o marido engenheiro, me conta:
— Eu acho formidável tudo o que aconteceu
comigo. É uma coisa especial que só eu tenho. Cada um nasce com um destino e o
meu foi maravilhoso, porque nasceu de um jeito, quebrou pra um lado
completamente diferente e, através da minha adoção, pude ajudar minha família
toda. (Um casal com 11 filhos, dos quais quatro foram adotados.) Mas a história
foi assim: Tenho uma irmã que foi adotada e que vive em Belo Horizonte com uma
família muito amiga de papai JK. Nós morávamos em Montes Claros. Um dia, de
passagem pra Bahia, fiquei alguns dias com essa minha irmã. JK queria uma
companhia para Márcia e, em conversa, surgiu a ideia de que eu pudesse ser essa
companhia, passar alguns dias... E até hoje... Foi na época de Natal... E o meu
melhor presente na vida. Papai é essa ternura que você sabe, mas mamãe, também
é formidável (Maristela gosta muito dessa palavra). Papai deve muito a ela. Eu,
alias, acho que a mulher representa cinquenta por cento do que o homem realiza.
...
— O
senhor vê saída para a crise que vivemos?
— O povo brasileiro tem uma capacidade
fabulosa de recuperação. É preciso transmitir a esse povo um sopro de
esperança, através de um desenvolvimento autêntico, através de realizações
positivas que nos conduzam ao verdadeiro e grande destino do Brasil. A matéria- prima é extraordinária para que se trabalhe com ela. E,
entre tantas deste país, a melhor ainda é seu povo.
...
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