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Parabéns pra você, ao som do Berimbau
Posted by Cottidianos
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19:42
Mestre Salário
— Nós fizemos uma atividade hoje em comemoração aos meus 40 anos de idade e 26
anos de capoeira. Vieram mestres de capoeira de vários lugares; Mestre Museu,
da Fundação Capoeira das Gerais, de Belo Horizonte, os monitores instrutores de
Belo Horizonte vieram também. Mestre Sabugão, de São Paulo, Mestre Topete de
Campinas. Mestre Vanildo, de Cosmópolis, Contra-Mestre Índio, Professor
Maranhão, de Americana...
Nesse
momento da entrevista somos interrompidos, por um aluno do Mestre:
Aluno —
Mestre, é para eu levar o atabaque?
Mestre Salário
— Sim, é para levar o atabaque. Eu só estou dando uma entrevista aqui, só um
momento, por favor. Enquanto o aluno que o havia inquirido se afasta, o mestre
continua...
...
Mestre Manjuba, de Americana, o pessoal de Rio Claro, de São Paulo, o pessoal
de salto e os capoeiristas de Campinas e Região, que vieram prestigiar essa
festa, não só pelo meu aniversário, mas pela capoeira, que reúne os amigos. Essa
é uma roda de amigos. O importante é a gente estar fazendo nossa arte,
diversificação e união da capoeira, pois os valores estão agregados, não só em
um grupo, mas na capoeira em geral. No mais, é isso aí, a capoeira como um
todo, não como uma divisão de águas.
José Flávio
— Qual a importância para o senhor, de
comemorar o seu aniversário numa roda de capoeira, junto a tantos amigos?
Mestre Salário
— Na verdade, hoje eu não estava conseguindo nem erguer a perna. Não dormi
direito. Mas quando os amigos aparecem na roda de capoeira, quando os amigos
chegam, a energia e a alegria são tantas que a gente esquece o tempo, esquece o
que esta acontecendo...
Nesse
momento, somos novamente interrompidos por um amigo do Mestre que veio lhe
desejar a paz do altíssimo:
—
Paz do Senhor!
—
Paz do Senhor, meu irmão!
O
amigo se afasta e o mestre Salário continua:
...
E a gente acaba deixando com que a alegria e a capoeira nos levem. É bom a
gente ter essa oportunidade de estar perto dos amigos. Meus amigos de verdade
estão aqui. Não são amigos que vieram pra dividir, mas sim pra somar. Então
todos que participaram da roda hoje, saíram daqui felizes, pois jogaram,
cantaram, sorriram, se divertiram. Esse é o nosso principal objetivo na
capoeira: somar em vez de dividir. É alegria total. Hoje eu estou muito feliz,
meus quarenta anos, na verdade a data do meu aniversário é mesmo amanhã, que é
dia 04 de maio. 40 anos de idade, 26 anos de capoeira eu fiz o mês passado, dia
22 de abril, mas isso é o que menos importa, o importante é isso, ver muitas
crianças na roda de capoeira, que vão levar a capoeira mais adiante. Daqui a um
tempo, (o mestre se referia nesse momento a um futuro distante, limitado pelas deficiências
da velhice) eu não poder mais jogar capoeira, daqui há uns 20, 30 anos, mas
esses alunos vão levar a tradição da capoeira pelo mundo afora. Hoje é mais
fácil, basta você ter um bom profissional, um bom educador, uma pessoa que tem
compromisso com a capoeira. Isso é o mais importante de tudo. No mais, gostaria
de agradecer a Deus do céu, pela oportunidade de estar aqui fazendo novas
amizades.
***
Essa
conversa se deu ao final de uma apresentação de uma roda de capoeira, no
coração do centro comercial de Campinas, no último dia 03. Era um sábado pela
manhã, próximo ao meio-dia. Principalmente em dias de sábado, o centro da
cidade vira um formigueiro humano. Pessoas passam com sacolas de compra, outras
apenas passam pelo local, as lojas anunciam os seus produtos em alto e bom som.
Grande número de carros trafega pelas ruas e avenidas paralelas, tornando o
trânsito intenso. Em resumo: sábado no centro de Campinas é uma loucura.
Diante
de mim estava Mestre Salário, um homem com o coração cheio de alegria. Uma
alegria contagiante que se manifestava no seu sorriso, nos seus olhos, no jeito
carinhoso de cumprimentar os amigos. Era o seu aniversário de 40 anos de idade
e 26 anos de capoeira e ele resolveu chamar alguns de seus muitos amigos para
comemorar em clima de festa, numa vibrante roda de capoeira.
A
festa acontecia na Praça Rui Barbosa que fica entre os fundos da Catedral
Metropolitana de Campinas e centenas de estabelecimentos comerciais. Fossem
algumas décadas atrás, estaríamos entre um templo religioso e um templo da
arte, pois exatamente onde fica uma dessas lojas de departamento, foi o lugar
de um belíssimo teatro, símbolo da arte e da cultura campineira: o Teatro
Municipal de Campinas. Esse templo da cultura foi demolido em 1965. A casa de espetáculos foi derrubada em meio
a muita polêmica, na administração do prefeito Ruy Novaes.
Quando
cheguei a Praça, a roda já havia começado. De longe já comecei a ouvir o toque
festivo do berimbau. Havia muita gente em volta do grupo de capoeiristas. Havia
muitas crianças na roda. Mestre Salário desenvolve um trabalho com capoeira voltado
ao público infantil. Subi os poucos degraus para uma espécie de grande palco
que fica bem no centro da praça para ver se conseguia melhor angulo para uma
fotografia. Depois de fazer algumas fotos, desci e fiquei mais próximo dos
capoeiras. Enquanto o berimbau tocava e os capoeiras jogavam, fiquei observando
as emoções nas faces das pessoas, tanto as que rodeavam os capoeiristas, quanto
aos curiosos e apreciadores que pararam para ver a beleza da festa. Para onde
quer que olhasse e para quem olhasse só conseguia ver a alegria estampada no
rosto das pessoas.
As
crianças jogavam capoeira entre si e também tiravam os adultos para o jogo. Uma
hora a capoeira era jogada de mestre para mestre, outra hora entre discípulos e
mestres. Outras vezes, entre discípulos e discípulos. Fiquei observando a alegria com que as
crianças se entregavam a luta. Capoeira é isso; alegria, integração, domínio do
corpo.
A
capoeira é um jogo bonito, traz paz, felicidade. Cuidado, porém. A capoeira
também é traiçoeira, mandingueira. Se usada em toda a sua potência, a capoeira
pode ser uma luta mais violenta que o Kung Fu ou Karatê.
Daí a importância dos Mestres insistirem com seus discípulos a usar a luta como
defesa e não como ataque. Tive oportunidade de fazer essas reflexões na própria
roda a que assistia. Em um determinado momento, jogavam, no centro da roda,
Mestre Salário e Mestre Topete. Ginga daqui, ginga de lá, passou um capoeirista
próximo ao Mestre Salário, no momento em que ele erguia a perna para “golpear”
Mestre Topete. Sem querer, a perna de Mestre Salário atingiu o capoeirista.
Resultado: ele teve que sair da roda por alguns minutos para ser atendido e se
recuperar do golpe. Olha que ele era um moreno alto e forte, como diria na
linguagem das academias, “sarado”. Imagine se fosse alguém mais fraco? Ou se o
golpe de capoeira tivesse sido intencional. Enfim, depois de alguns minutos, o
jovem voltou a roda e continuou a brincar como se nada tivesse acontecido.
Como
em toda festa de aniversário não pode faltar a música mais famosa do mundo, nos
momentos finais da brincadeira, foi a vez de cantar “Parabéns pra você”. Os
amigos se reuniram em volta do Mestre Salário e a alegria foi geral. As
crianças todas, presentes à roda, saudaram o mestre com o jogo da capoeira e o
mestre jogou, mesmo que por alguns breves instantes, com cada um. Enquanto a
roda se desfazia, fiquei aguardando por mais alguns minutos para poder
conversar com o aniversariante, conversa essa que abre o texto.