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13 de maio de 1888: A liberdade abriu as asas sobre nós
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Quarta-feira, 14
de maio
““Pra Isabel, a heroína / Que assinou a
lei divina
Negro, dançou, comemorou o fim da sina
Na noite quinze reluzente / Com a
bravura, finalmente
O marechal que proclamou / Foi
presidente
Liberdade, liberdade! / Abra as asas
sobre nós (bis)
E que a voz da igualdade / Seja sempre a
nossa voz”.
Trecho da música Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre nós
(Autores: Preto Jóia, Niltinho Tristeza,
Vicentinho, Jurandir
***
Princesa Isabel assina
a Lei Áurea
Texto
possui apenas dois artigos e já está em vigor tanto na Corte como nas
províncias
Desde
a tarde de ontem, dia 13, está extinto em todo o Brasil, o trabalho escravo, prática
das mais cruéis e condenáveis que foi permitida legalmente no país por mais de
300 anos. Menos de três horas depois da aprovação do projeto pelo senado do
Império, a Princesa Regente Dona Isabel, com uma pena de ouro ofertada pelo
povo, sancionava em solenidade no Passo da Cidade a já chamada Lei Áurea.
É
opinião generalizada que a Pátria se tornou realmente livre com o ato que
retirou o Brasil da condição de única nação do Ocidente que ainda explorava o
elemento servil. Estima-se que mais de 600 mil negros foram beneficiados pela
lei.
Poucas
vezes nos seus anos de funcionamento a Assembleia Geral produziu uma lei com
extraordinária rapidez como a que acaba de emancipar os escravos. Foram só seis
dias de tramitação da mensagem, não obstante a tentativa dos parlamentares
anti-abolicionistas de imporem obstáculos a adoção de urgência para a matéria.
Nos debates da Câmara e no Senado, se enfrentaram, quer defendendo, quer
atacando o projeto, alguns dos maiores tribunos do país.
Sorrisos
e lágrimas
A
fisionomia da Princesa Regente, sempre expressando contentamento pelo ato que
acabava de assinar, às vezes dava ares de preocupação, em virtude da gravidade
do estado de saúde de seu augusto pai, que está em tratamento na cidade
italiana de Milão, sob cuidados dos três melhores médicos europeus.
Confiante
de que o Senado aprovaria a proposta neste domingo, Dona Isabel, que se
encontrava em Petrópolis, dirigiu-se de trem de ferro logo após o meio-dia para
o Rio de Janeiro, acompanhada de seu esposo, o conde D’Eu, e dos ministros do
Império, Costa Pereira e da Agricultura, Rodrigo Silva. Sua Alteza chegou ao
passo por volta das 14 horas, recebendo demorados aplausos do público.
Coube
a uma comissão de senadores, tendo à frente, Souza Dantas, entregar a Princesa
Regente o autógrafo do projeto, cujo texto foi transformado numa verdadeira
peça de arte pelo conhecido calígrafo Leopoldo Heck. Na oportunidade, Dantas
felicitou Dona Isabel “por caber-lhe a glória de assinar a lei que apaga de
nossos códigos a nefanda mácula da escravidão, como já lhe coube a de confirmar
o decreto que não permitiu nascerem mais cativos no império (a Lei do Ventre
Livre)”.
Falando
em seguida sem conter as lágrimas, Dona Isabel declarou: “Seria o dia de hoje
um dos mais belos de minha vida se não fosse saber meu pai estar enfermo. Deus
permitirá que ele nos volte para tornar-se, como sempre, útil à nossa pátria”.
Participaram
da cerimônia na Sala do Trono, senadores, deputados, ministros, magistrados, embaixadores
e outras personalidades, além de gente do povo que, em verdadeiro delírio,
invadiu o Palácio. Em frente ao edifício na Praça Pedro 2o, cerca de
5 mil pessoas se aglomeravam. A multidão irrompeu em ruidosas aclamações
quando, o deputado Joaquim Nabuco, de uma sacada do Paço, comunicou ao povo que
não havia mais escravos no Brasil. chamada pelos cidadãos, que se concentrava
diante do Palácio, Dona Isabel surgiu numa janela, sendo mais uma vez aclamada
pelos manifestantes.
***
O
texto acima era uma das matérias trazidas pelo Jornal do Senado, do Rio de
Janeiro, na segunda-feira, dia 14 de maio, do distante ano de 1888.
O
Brasil acordara naquele dia em estado de graça. O dia anterior, domingo, 13 de
maio havia sido a realização de um sonho, não apenas para o povo negro, mas
para uma nação inteira, à exceção de alguns que ainda viam na escravidão, uma
forma de perpetuar seus lucros em um mundo de injustiças e crueldades. 13 de
maio de 1988 foi, verdadeiramente, um dia de glória e de grande felicidade para
a nação brasileira.
Houve
festejos por todos os recantos da nação, das grandes cidades às fazendas
escondidas ao pé da serra, nos lugares de fácil ou de difícil acesso, não houve
como impedir que essa notícia se espalhasse com a força com que se espalham as
águas das cachoeiras. Na capital do Império, Rio de Janeiro, uma grande
multidão se concentrou em frente ao Paço Imperial, com a finalidade de
acompanhar aquele tão esperado momento: a assinatura da Lei Áurea. Ato que
acabava, oficialmente, com a escravidão no Brasil. Afinal, para nossa vergonha,
éramos a única nação no continente, que ainda adotava essa infame prática. Pelas
ruas do Rio houve desfiles dos partidários do abolicionismo e povo tomou as
ruas da cidade em alegre manifestação.
Princesa Isabel |
Em
salvador, a expectativa não foi diferente. Gente do povo, estudantes, políticos
abolicionistas e escravos, saíram em marcha pelas ruas da cidade ao som de
bandas de música.
Nos
engenhos, os agora ex-escravos, de banho tomado e com sua melhor roupa, mesmo
que fosse a mais simples, acorreram à frente da casa grande, onde o senhor de
engenho, juntamente com toda a família, leu a para eles a lei recém-assinada
que lhes concedia a tão sonhada liberdade.
Em
todo o país, os fogos-de-artifício explodindo no céu, eram reflexos da alegria
que explodia no coração. Fachadas de casas particulares e de repartições
públicas acesas durante noites seguidas também eram reflexos da intensa luz da
felicidade incontida pela tão esperada notícia. Nas fazendas de café e de
açúcar os negros sambaram e comemoraram por vários dias seguidos.
É
significativo o fato de que a Princesa tenha assinado a Lei Áurea com pena de
ouro. Áureo é uma palavra derivada do
latim aureu, que quer dizer da cor do
ouro, brilhante, excelente, magnífico. Aquele era um momento magnífico, talvez
por isso, tenha-se dado à lei o nome de Lei Áurea.
A
Lei Áurea veio confirmar uma tendência que já se vinha se tornando forte por
todo o país. A cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte, foi pioneira na
aceitação da causa abolicionista. Em 30 de setembro de 1883, a cidade potiguar
declarou extinta o fim da escravidão. Na ocasião, Joaquim Bezerra da Costa
Mendes, líder da Sociedade Libertadora Mossoroense, declarou com orgulho: “Mossoró
está livre: aqui não há mais escravos. Várias outras comunidades do interior da Província do Rio Grande do Norte, passaram a seguir o bom exemplo de Mossoró e
também libertaram seus escravos.
Em
25 de março de 1884, foi a vez da Província do Ceará, declarar que, naquela Província, estava extinta a escravidão. A população da capital se reuniu na
Praça Castro Ferreira. Fogos estouraram e sinos repicaram anunciando a
liberdade.
Todos
esses acontecimentos anteriores àquele grande dia, no qual a multidão se reuniu
em frente ao Passo Imperial para soltar o grito de liberdade, repercutia na
Corte, obrigando a classe política, de certa forma, a ratificar aqueles anseios
que já eram tendência em todo o país.
Pense
numa árvore frondosa no meio da floresta. Poderia ela se sustentar se suas
raízes estivessem podres? É obvio que não. Não demoraria muito para aquela
frondosa árvore deitar ao chão em queda. Assim foi o sistema escravista: Por
muito tempo trouxe riqueza e opulência para os senhores da casa grande à custa
de sangue inocente. Porém, apesar de toda essa opulência e fortes argumentos
que sustentavam a sua existência, suas bases eram podres, totalmente podres,
uma vez que estavam fincadas em um grande mal: a injustiça. E um sistema que se
sustenta na injustiça tende a cair, mais cedo ou mais tarde.
Quando
as demais nações emanciparam seus escravos, ficou evidente que, também, no
Brasil a escravidão estava com seus dias contados. Isso ficou mais evidente
ainda, quando foi proibido o tráfico de escravos, em 1850. Ora se não havia
escravos para traficar, a fonte secaria. Era só uma questão de tempo. Com os
altos índices de mortalidade entre a população escrava, como renovar o quadro
de trabalhadores nas lavouras, se não haveria mais navios negreiros aportando
na costa brasileira?
Em
decorrência dessa proibição, aconteceu a lei da oferta e da procura, como
acontece em todo lugar em qualquer época: com a falta de escravos no mercado,
aumentou o preço dessas “mercadorias” e somente os ricos podiam ter acesso a
essa benesse. Afinal de contas, ter um escravo virou luxo. Porém, como ainda
havia muitos ricos, consequentemente também havia muitos escravos.
Inventava-se
de tudo para não libertar os cativos, inclusive dizer que eles não estariam
prontos para ser livres e que tão logo isso acontecesse, eles se entregariam a
vadiagem e o aumento da criminalidade viria em consequência. Esse pensamento
“medieval” — tomo a liberdade de usar esse termo, mesmo estando ele fora de sua
época — ainda encontra adeptos nos dias atuais que, só por verem um negro, ou um
grupo de negros circulando por aí, que já acham que são bandidos. Os
noticiários estão repletos de casos assim.
D. Pedro II |
O
Imperador D. Pedro II via com bons olhos a questão da abolição, mas contra ele
havia leões ferozes, e mexer na toca desses bichos é coisa complicada, ainda
nos dias de hoje é assim. Então ele foi adotando medidas que caminhavam nessa
direção, os fazendeiros e seus representantes políticos rejeitavam, colocavam a
coisa em banho-maria e a questão ia ficando, digamos assim, para debaixo do
tapete.
Mesmo
assim, D. Pedro ia minando a força dos antiabolicionistas. Em 1965 ele proibiu
que os escravos condenados a trabalhos forçados não fossem submetidos ao
castigo com chicote. Em 1966, proibiu que o trabalho escravo fosse usado em
obras públicas. Em 1869 sancionou duas proibições importantes: a do leilão
público de escravos e a de separar o casal escravo na realização das vendas. Em
28 de Setembro, de 1871, foi assinada uma lei importante: a lei 2040. Essa lei
ficou conhecida como a Lei do ventre Livre. A partir dela, os filhos das
mulheres escrava nasceriam livres, e obrigava os senhores a cuidar delas até a
idade de oito anos. Depois disso, os senhores poderiam fazer duas escolhas:
receber uma indenização do Império, no valor de 600 mil réis, ou continuar
utilizando o trabalho deles até a idade de 21 anos, ou seja, era uma liberdade
pela metade.
Assim
foram surgindo outras leis, outras concessões, que demonstravam apenas que a
escravidão estava com os dias contados e que a abolição era uma força que não
se poderia mais deter.
Apesar
de toda a celebração e festa que se sucederam à abolição da escravatura, a vida
negros não se tornou fácil do dia para a noite, nem o Brasil, para eles, passou
a ser uma “terra onde corria leite e mel”. Eles se tornaram iguais perante a
lei, porém, apenas perante a lei, pois em sociedade passaram a sofrer
segregação e discriminação. O fim da escravidão não lhes trouxe garantias de que
seriam aceitos no convívio social, uma vez que a sociedade acostumou-se a
vê-los apenas como aqueles que só realizavam trabalhos duros e forçados.
A força dessa água chamada liberdade
estourou naquele dia 13 de maio de 1888. Ainda assim, a sociedade brasileira
ainda não compreendeu o termo “liberdade” em toda a sua plenitude, basta a ver
os casos de racismo que ocorrem frequentemente, notórios ou disfarçados, e a
falta de acesso á saúde e à educação, que ainda enfrenta grande parte da
população negra. Será que depois de passados exatos 126 anos daquele glorioso
dia, ainda precisamos que seja assinada uma nova Lei Áurea? Ou que, pelo menos,
seja feita uma emenda a ela, a fim de que sejam reparados os erros do passado e ainda ecoam no presente?
A
Lei Áurea, sem dúvida, respondeu a um grande anseio da sociedade brasileira e
da comunidade internacional, principalmente, da Inglaterra. Entretanto, ela
poderia ter sido bem mais eficiente e justa, se tivesse indenizado os negros
pelos exaustivos trabalhos a que foram, por tanto tempo, submetidos. Após a
libertação, os ex-escravos foram abandonados à própria sorte. Analfabetos e
vítimas de todo tipo de preconceito, muitos prefiram continuar trabalhando nas
fazendas de café ou de açúcar, vendendo sua força de trabalho a “preço de
banana”. Aos negros que buscaram as cidades, não lhes restava muitas
alternativas excelentes. A eles só restou o mundo do subemprego e a economia
informal. Sem condições de moradia digna, foram se amontoando em cortiços,
guetos e favelas. Nesse sentido, podemos dizer que o sistema escravocrata
deixou para os negros uma herança maldita, pois as ideias reinantes de que os negros só serviam para trabalhos
forçados e de que eram eles os responsáveis pelo aumento dos níveis de
criminalidade, persistem até os dias atuais.
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