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Eu tenho um sonho – Parte II: O discurso
Posted by Cottidianos
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00:48
Quinta-feira,
14 de novembro
Imagem: http://www.greenwichtime.com/local/article/Greenwich-man-looks-back-on-his-march-to-4766143.php |
"Eu estou contente em unir-me com vocês no dia que entrará para a
história como a maior demonstração pela liberdade na história de nossa nação.
Cem anos atrás, um
grande americano, sob cuja sombra simbólica nos encontramos hoje, assinava a
Proclamação de Emancipação. Esse decreto fundamental veio como um raio de luz e
esperança para milhões de escravos negros que tinham sido marcados nas chamas
de uma vergonhosa injustiça. Veio como aurora de júbilo, para terminar a longa
noite de seu cativeiro.
Mas cem anos depois,
o negro ainda não é livre. Cem anos depois, a vida do negro ainda é lamentavelmente
dilacerada pelas algemas da segregação e pelas correntes da discriminação.
Cem anos depois, o
negro vive em uma ilha isolada de pobreza, no meio de um vasto oceano de
prosperidade material. Cem anos depois, o negro ainda definha nos cantos da
sociedade americana, e se encontra exilado em sua própria terra. Assim, nós
viemos aqui hoje para dramatizarmos uma condição vergonhosa.
De certo modo, nós
viemos à capital de nossa nação para sacar um cheque. Quando os arquitetos de
nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e a
Declaração da Independência, eles estavam assinando uma nota promissória da
qual todo americano se tornaria herdeiro. Essa nota promissória era uma
promessa de que todos os homens, negros e brancos, teriam garantidos os
direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à procura pela felicidade. Hoje é
óbvio, que a América tem negligenciado essa promissória, no que diz respeito
aos seus cidadãos de cor. Em vez de honrar esse compromisso sagrado, a América
deu ao povo negro um cheque sem fundos; um cheque que foi devolvido com a
inscrição "saldo insuficiente". Mas nós nos recusamos a acreditar que
o banco da justiça esteja falido. Nós nos recusamos a acreditar que haja “saldo
insuficiente” nos grandes cofres de oportunidades deste país. Assim, nós viemos
trocar este cheque, um cheque que nos dará o direito de reclamar as riquezas da
liberdade e a segurança da justiça.
Imagem: http://blog.shankbone.org/2010/02/21/lincoln-memorial-2010-creative-commons-photos/ |
Nós também viemos a
este lugar sagrado para lembrar à América da tremenda urgência do presente.
Este não é a hora de se lançar a luxúria do abrandamento, ou para se tomar a
droga tranquilizante do gradualismo. Agora é hora de tornar reais as promessas
de democracia. Agora é hora de nos erguermos do vale escuro e desolado da
segregação, para o caminho iluminado da justiça racial.
Agora é hora de erguer
nossa nação das areias movediças da injustiça racial para a rocha sólida da
fraternidade. Agora é hora para fazer da justiça uma realidade para todos os
filhos de Deus.
Seria fatal para o
país, ignorar a urgência desse momento. Este verão sufocante do legítimo
descontentamento dos negros, não passará até termos um outono renovador de
liberdade e igualdade. Este ano de 1963 não é um fim, mas um começo. Aqueles que
esperavam que o negro só precisasse desabafar, e que a partir de agora ficará
sossegado, terão um violento despertar se o país regressar a sua vida de
sempre.
Não haverá tranquilidade
nem descanso na América até que o negro tenha garantido todos os seus direitos
de cidadania. Os turbilhões de revolta continuarão a sacudir as fundações de
nosso país até que desponte o iluminado dia da justiça. Mas há algo que eu
tenho que dizer ao meu povo que se encontra no caloroso umbral que conduz ao
palácio da justiça. No processo de conquistar nosso legítimo lugar, nós não
devemos ser culpados de ações injustas. Não vamos satisfazer nossa sede de
liberdade bebendo da taça da amargura e do ódio. Nós sempre temos que conduzir
nossa luta no alto nível da dignidade e da disciplina. Nós não devemos permitir
que nosso criativo protesto se degenere em violência física. Repetidamente,
precisamos elevarmo-nos às alturas do encontro da força física com a força da
alma. A maravilhosa nova militância, que se entranhou na comunidade negra, não
deve nos levar a desconfiar de todas as pessoas brancas, pois muitos de nossos
irmãos brancos, como é claro pela presença deles aqui hoje, se deram conta de que
os seus destinos estão ligados ao nosso destino. Eles se deram conta de que sua
liberdade está intrinsecamente ligada à
nossa liberdade. Nós não podemos caminhar sozinhos. E, à medida que caminhamos,
devemos assumir o compromisso de marchar sempre em frente. Nós não podemos
retroceder. Há quem pergunte aos defensores dos Direitos Civis: "Quando é
que vocês ficarão satisfeitos?"
Imagens: http://www.expressodasilhas.sapo.cv/mundo/item/39529-o-sonho-de-luther-king-faz-50-anos |
Nós nunca estaremos
satisfeitos enquanto o negro for vítima dos horrores indizíveis da brutalidade
policial. Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto nossos corpos, exauridos
pelo cansaço da viagem, não poderem ter hospedagem nos motéis das estradas e os
hotéis das cidades. Nós não podemos estar satisfeitos enquanto a mobilidade
básica do negro for de um gueto menor para um maior. Nós nunca podemos estar
satisfeitos enquanto nossas crianças forem despidas de sua identidade e
destituídas de sua dignidade por uma placa dizendo “Somente para Brancos”. Nós
não podemos estar satisfeitos enquanto um negro no Mississipi não puder votar e
um negro em Nova Iorque acreditar que ele não tem motivo para votar. Não, não,
nós não estamos satisfeitos, e não estaremos satisfeitos até que a justiça e a
retidão rolarem abaixo como águas de uma poderosa correnteza.
Eu não esqueci que
alguns de vocês chegaram aqui após grandes provas e tribulações. Alguns de você
vieram recentemente de celas estreitas das prisões. Alguns de vocês vieram de
áreas onde sua busca pela liberdade lhe deixou marcados pelas tempestades da
perseguição e abalados pelos ventos de brutalidade policial. Vocês têm sido os
veteranos do sofrimento criativo. Continuem trabalhando com a fé de que
sofrimento imerecido é redentor. Voltem para o Mississippi, voltem para o
Alabama, voltem para a Carolina do Sul, voltem para a Geórgia, voltem para
Louisiana, voltem para as favelas e guetos de nossas cidades do norte, sabendo
que de alguma maneira esta situação pode e será mudada. Não nos embrenhemos
pelo vale do desespero.
A emoção com que King pronunciava o discurso vinha num ritmo de
crescimento desde o início. Aqui ele sinaliza que iria finalizar o discurso.
Mas a emoção o domina de vez, e o que era o discurso da razão, cede lugar de
vez ao discurso da emoção. O reverendo faz um discurso que não mais estava
escrito no papel. Estava escrito no coração cheio de esperança de que o sol da
justiça se levantasse no horizonte igual ao sol do amanhecer daquele dia.
Imagem: http://archives.frederatorblogs.com/frederator_studios/2011/01/ |
... Digo-lhes hoje,
meus amigos, que embora nós enfrentemos as dificuldades do hoje e do amanhã, eu
ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano. Eu
tenho um sonho que um dia esta nação se erguerá e viverá o verdadeiro
significado de sua crença; “Consideremos estas verdades evidentes por si
mesmas: que todos os homens são criados iguais”.
Eu tenho um sonho de que,
um dia, nas colinas vermelhas da Geórgia, os filhos dos descendentes de
escravos e os filhos dos descendentes dos donos de escravos poderão se sentar
junto à mesa da fraternidade.
Eu tenho um sonho de que
um dia, até mesmo no estado de Mississippi, um estado que transpira com o calor
da injustiça, que transpira com o calor de opressão, será transformado em um
oásis de liberdade e justiça.
Eu tenho um sonho que
meus quatro filhinhos, um dia, viverão em uma nação onde não serão julgados
pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!
Eu tenho um sonho que
um dia, lá no Alabama, com seus racistas malignos, com seu governador com os
lábios gotejando palavras de intervenção e anulação; um dia, bem lá no Alabama,
meninos negros e meninas negras poderão unir as mãos com meninos brancos e
meninas brancas como irmãs e irmãos. Eu tenho um sonho hoje!
Eu tenho um sonho de que
um dia todo vale será exaltado, toda colina e montanha tombará, e o que é
áspero se aplainará e que é torcido se endireitará e a glória do Senhor se
revelará e todos os seres, juntos, a verão. Esta é a nossa esperança.
Esta é a fé com que regresso para o Sul. Com
esta fé seremos capazes de talhar da montanha do desespero uma pedra de
esperança. Com esta fé seremos capazes de transformar as discórdias estridentes
de nossa nação em uma bela sinfonia de fraternidade. Com esta fé nós poderemos
trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, para ir a prisão juntos, defender
a liberdade juntos, sabendo que um dia seremos livres. Este será o dia, este
será o dia no qual todos os filhos de Deus poderão cantar com um novo
significado:
"Meu país, isto
é sobre ti; doce terra de liberdade, sobre ti eu canto.
Terra onde meus pais
morreram, terra do orgulho peregrino.
Das encostas de todas
as montanhas, que ressoe a liberdade!”
E se a América está
destinada a ser uma grande nação, isto tem que se tornar realidade.
Então que a liberdade
ressoe desde os extraordinários cumes de New Hampshire; que a liberdade ressoe.
Desde as poderosas
montanhas de Nova York;
Que a liberdade
ressoe desde os elevados Alleghenies da Pennsylvania;
Que a liberdade
ressoe desde os nevados cumes das Rochosas do Colorado;
Que a liberdade
ressoe desde as colinas curvas da Califórnia.
Mas não somente isso:
que a liberdade ressoe desde a Montanha de Pedra da Geórgia;
Que a liberdade
ressoe desde Lookout Mountain do Tennessee;
Que a liberdade
ressoe desde toda a colina e pequeno monte do Mississipi.
Desde toda encosta,
que a liberdade ressoe.
E quando isto
acontecer, quando permitirmos que a liberdade ressoe, quando a deixarmos
ressoar em cada vila e cada aldeia, de
cada estado e de cada cidade, seremos capazes de apressar o dia em que todos os
filhos de Deus, negros e brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos,
poderão dar-se as mãos e cantar nas palavras do antigo cântico dos negros:
"Livres
finalmente! Livres finalmente!
Louvado seja Deus, Todo Poderoso, somo livres finalmente!”
Ao discurso de King
seguiram-se intensos aplausos. As pessoas olhavam-se umas às outras e lágrimas
escorriam pelas suas faces. Naquele momento, diante da significativo monumento,
não havia brancos ou negros, e sim uma sociedade desejosa de um mundo no qual
os ideais de liberdade, igualdade, justiça e paz fossem os valores dominantes.
Essa emoção se estendia aos telespectadores que acompanhavam a programação pela
TV.
Quando terminou a marcha e
os organizadores estavam na Casa Branca reunidos com John Kennedy, todos
concordaram que aquele havia sido um momento para entrar para a história dos
Estados Unidos e parabenizavam-se pelo sucesso do evento. O Presidente
reafirmou que a proposta da nova legislação tinha o seu total apoio e não teria
dificuldades em ser aprovada no Congresso. A proposta realmente foi aprovada um
ano depois. Kennedy não viu a realização desse sonho: havia sido assassinado em
Dallas, no Texas. Após o desfecho desses fatos, King acelerou as atividades na
luta em prol dos direitos civis, como se pressentisse que também não lhe
restava muito tempo.
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