0
Educação em Chamas
Posted by Cottidianos
on
00:05
Quinta-feira, 17 de outubro
“Mais uma vez os homens, desafiados pela
dramaticidade da hora atual, se propõem a si mesmos como problema. Descobrem
que pouco sabem de si, de seu “posto no cosmos”, e se inquietam por saber mais.
Estará, aliás, no reconhecimento de seu pouco saber de si uma das razões desta
procura. Ao se instalarem na quase, senão trágica descoberta do seu pouco saber
de si, se fazem problemas a eles mesmos. Indagam. Respondem, e suas respostas
os levam a novas perguntas”.
(Paulo Freire – Pedagogia do Oprimido)
Imagem: - http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2013-10-15/manifestantes-e-black-blocs-convocam-para-protesto-do-dia-dos-professores.html |
É noite. Pessoas correm desesperadas por
todos os lados. A confusão é geral. Bombas de gás lacrimogêneo caem na
Cinelândia, centro do Rio, e a irritante fumaça que delas emana é muito forte e
se espalha por toda praça. O bando de
mascarados parte feroz para cima da polícia. Fogos de artifício e pedras são jogados
em direção aos policiais. Estes se defendem como podem: escudos protetores,
balas de borracha e gás lacrimogêneo. Um dos policiais é atingido na testa por
uma dessas pedras atiradas pelos vândalos, que utilizam placas de metal como
escudos. Um grupo quebra orelhões e banheiros químicos e joga-os na rua e, em
seguida, põe fogo nos entulhos. As chamas formam uma espécie de barricada. Em
outro ponto da praça um ônibus e um carro da polícia são incendiados. Perto do
Teatro Municipal, os grupos se enfrentam de maneira mais contundente. Os
policiais recuam e dão tiros para o alto tentando dispersar o bando furioso. O
grupo de baderneiros se mostra incansável e agressivo. Em sua insanidade,
destilam seu ódio pichando o prédio da Câmara Municipal.
Esse relato parece ficção saída das mais
violentas páginas de guerra. Infelizmente, é real e aconteceu na terça-feira,
15 de outubro, quando no Brasil comemora-se o Dia do Professor. A baderna e a
quebradeira foram promovidas pelos inimigos dos atos democráticos e de direito.
Eles formam um grupo de indivíduos mascarados que se autodenomina Black Blocks e se infiltram em meio aos
protestos pacíficos com uma única finalidade: promover a destruição do patrimônio
público. Ao final do confronto, os policiais conseguiram prender 64 pessoas.
Antes da batalha insana, havia ocorrido
uma manifestação pacífica dos professores das redes municipal e estadual de
educação que terminou uns quarenta minutos antes de toda essa confusão. Os
professores fizeram questão de deixar bem claro o horário em que o protesto
promovido por eles terminou, para que ninguém os confundisse com os vândalos.
Os professores da capital fluminense estão em greve desde o dia 08 de agosto e
reivindicavam aumento de salário, melhores condições de trabalho e autonomia
pedagógica. Estão em luta por uma escola pública de qualidade. Uma nobre
batalha, há que se ressaltar.
Imagem;http://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/fotos/professores-municipais-do-rio-ameacam-retomar-greve-e-lotam-cinelandia-em-protesto-17092013#!/foto/1 |
Em setembro, a Justiça determinou a
suspensão da greve, porém os profissionais da educação foram irredutíveis: após
reunirem-se em Assembleia, decidiram pela manutenção do movimento grevista. Os
professores agem como bravos guerreiros e são se deixam intimidar. Já fizeram
seus protestos em frente à Secretaria de Educação, já ocuparam o plenário da
Câmara de Vereadores, de onde foram expulsos pela polícia à base de violência.
A polícia agiu em relação a eles como se fossem vândalos, com cassetetes, balas
de borracha e gás lacrimogêneo. Em relação a esse último, era tão forte a intensidade
e a quantidade que alguns grevistas, jornalistas que cobriam o fato e, até
mesmo policiais, passaram mal. Prefeitura e governo já ameaçaram cortar o ponto
dos grevistas. As negociações continuam e as partes ainda não chegaram a um
acordo.
Essa nobre batalha, com a finalidade de
melhorar o sistema educacional não deve ser entendida como um caso regional: é
uma luta em nível nacional, uma vez que as reivindicações daquela classe
profissional são sentidas, por demais, em todo o sistema educacional brasileiro,
de norte a sul, de leste a oeste. Nem muito menos deve ser entendida apenas
como uma luta apenas dos professores: essa luta é uma luta de cada um de nós.
Enquanto nação, poderíamos ser uma potencia
no cenário mundial. Vejamos: a situação climática nos privilegia: não estamos
sujeitos, pelo menos até agora, a furacões, tufões e maremotos. A nossa terra é
fértil e a lavoura é abundante, para nascer, basta plantar. Temos ricos campos
de petróleo. Porque então as coisas não funcionam? Porque estamos ainda
engatinhando em direção ao posto de nação desenvolvida?
Simplesmente, devido a dois fatores
básicos: a enorme desigualdade social que reina absoluta me nosso país e as
gritantes deficiências em nosso sistema educacional. São a esses dois fatores
básicos, que se acham interligados, uma das causas, talvez a causa principal,
de estarmos patinando no campo do desenvolvimento econômico e social.
Falo aqui do segundo fator. As nossas
deficiências em matéria de educação atingem todos os níveis: do ensino básico
ao ensino superior, da escola pública à escola privada, uma vez que, uma maça
estragada, estraga todas as outras maçãs do cesto. É fato que, no Brasil, se
esquecem de que para se ter um engenheiros, médicos, empresários, pesquisadores
e tantos outros profissionais eficientes, é preciso que, antes eles passem
pelos bancos das escolas e pela orientação dos professores.
O conhecimento não acontece como em Aladim e a Lâmpada Maravilhosa: esfregou
as mãos e o gênio aparece. O
conhecimento precisa ser buscado, transmitido, provocado.
O que vemos então? Vemos esses
profissionais da educação, tão imprescindíveis para se tenha uma nação
desenvolvida em suas bases econômicas e sociais, não serem valorizados como
deveriam. Os bravos professores “se viram nos trinta”, como diz o quadro do
programa dominical, Domingão do Faustão,
exibido pela Rede Globo de Televisão. Por causa dos baixos salários, muitos
deles têm que dar aulas em duas ou três escolas diferentes a fim de
complementar o orçamento. Com uma correria dessas, não há guerreiro valente que
não se canse. Uma forma de expressar esse cansaço, e os aborrecimentos que dele
advém, é fazer greve.
Passam tarefas de casa para os alunos,
mas quem acaba tendo mais trabalho em casa são eles, os mestres. Fora do horário
na escola, tem que corrigir provas, fazer planejamento e outras atividades
afins. Muitas vezes, o bônus dessas tarefas não vem junto com o salário no fim
do mês.
Imagem: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/fotos/2013/10/fotos-protesto-reune-milhares-no-rio-de-janeiro.html |
Não sendo suficiente todo esse quadro,
acresça-se a ele, o fator da violência nas escolas. Fico pasmo quando vejo na TV ou leio nos
jornais, reportagens mostrando professores sendo agredidos verbalmente ou
fisicamente pelos alunos. Estes, muitas vezes, se comportando de modo bruto,
sem que os educadores consigam fazer coisa alguma. Isso provoca preocupação a
mim, que apenas recebo a informação, imaginem em quem exerce atividades
profissionais nesses ambientes todos os dias. Deve ser uma situação de grande
estresse. Esse fato da violência nas escolas é uma coisa que acontece em nível
mundial. Uma pergunta a se fazer nesses casos é: O que está acontecendo com
nossos jovens e crianças.
Há em tramitação no Congresso Nacional,
um Projeto de Lei propondo que sejam destinados a educação, recursos
provenientes dos royalties do
petróleo. É uma boa iniciativa. Qualquer dinheiro que entre em caixa é bem
vindo. Mas não criemos ilusões e expectativas em relação a ele. Pois quando esses
rendimentos poderiam chegar aos cofres do setor educacional? Daqui há cinco,
dez anos? Sabemos que o preço do petróleo é tão inconstante quando as ondas do
mar. E se o preço do barril de petróleo cai? Não seria hora de se pensar para a
educação uma política e recursos mais sólidos e duradouros?
Para terminar trago aos caros leitores,
trecho do artigo assinado por Otaviano Helene e Ildo Luís Sauer, intitulado, Educação e Petróleo, publicado na edição
especial da revista Caros Amigos, ano
XVII, nº 64, de setembro de 2013.
“Há dois parâmetros financeiros que
resumem a capacidade de um país oferecer educação para sua população. Um deles
é a fração do PIB (Produto Interno Bruto) destinada ao setor. Países que têm um
sistema educacional público, adequado às suas necessidades, sem problemas
crônicos a superar e sem grandes contingentes de crianças e jovens investem
cerca de 7% a 8% de seus PIBs na educação pública. Países que superaram ou
estão superando atrasos educacionais grandes, como são os nossos, investiram ou
investem valores da ordem de 10% do PIB na educação pública. Atualmente, o
Brasil investe cerca de 5% de seu PIB na educação pública, um subinvestimento
cujo resultado evidente é o que vemos: enormes evasões escolares, professores e
demais trabalhadores sub-remunerados, carência de profissionais em diversas
áreas, etc.
Um segundo parâmetro é o investimento
por estudante e por ano em comparação com a renda per capita do país. Países
ricos ou pobres, mas quem mantém um bom sistema educacional, investem cerca de
25% a 30% da renda per capita na educação básica. No caso brasileiro, esse
percentual está, em média, próximo dos 15%, sendo que em muitos estados e
municípios e etapas e modalidades de ensino, os investimentos por aluno e por
ano estão abaixo mesmo de 10% da renda per capita. Esse padrão de investimento
é suficiente para explicar classes superlotadas, professores sobrecarregados,
baixo desempenho dos estudantes, etc...”
Postar um comentário