0
Um olhar sobre o futuro
Posted by Cottidianos
on
21:55
Quinta-feira, 03 de outubro
Em minha última postagem, Sinais de Alerta, escrevi sobre o quinto relatório do IPCC (Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). Hoje recebi, por e-mail, um texto
enviado a mim, por Tânia Perussi (Tânia,
obrigado pelo texto). Achei que esse texto complementava o texto anterior e
resolvi compartilhá-lo com vocês, caros leitores. É um discurso proferido pelo
presidente do Uruguai, José Mujica, na Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável – a Rio +20 – realizada entre os dias 13 e 22 de
junho de 2012, no Rio de Janeiro.
José Mujica, mais conhecido como Pepe Mujica, é um
Presidente diferente de todos que conhecemos. Ele foi eleito presidente do
Uruguai em 2009. Dos 12.500 dólares que recebe, doa 90% para ONGs e pessoas
carentes. Seu veículo de locomoção é um fusca. Não mora em Palácios, como
qualquer outro Presidente. Poderia morar no belo Palácio de arquitetura
francesa, construído em 1908, mas por opção, mora em uma pequena fazenda a
poucos quilômetros da capital, Montevidéu. Pepe se considera “um velho lutador
social da década de 50, com muitas derrotas nas costas, que queria consertar o
mundo e que, com o passar dos anos, ficou mais humilde e agora tenta consertar
um pouquinho, alguma coisa”, diz ele em entrevista ao Fantástico, em dezembro
de 2012. Na juventude, participou do MLM (Movimento de libertação Nacional). Lutou
contra a Ditadura Militar. Foi preso e torturado.
Jose Mujica
Imagem: http://www.50emais.com.br/cultura/presidente-do-uruguai-da-exemplo-para-o-mundo/attachment/jose-mujica-1/ |
"Autoridades
presentes de todas as latitudes e organizações, muito obrigado. Muito obrigado
ao povo do Brasil e à sua presidenta, Dilma Rousseff. Muito obrigado à boa-fé
que, certamente, foi manifestada por todos os oradores que me precederam. Vimos
por este meio expressar nossa vontade mais íntima, como governantes, de aderir
a todos os acordos que nossa miserável humanidade possa assinar.
No
entanto, vamos fazer algumas perguntas em voz alta. Durante toda a tarde houve
conversas sobre desenvolvimento sustentável e sobre o resgate das imensas
massas das garras da pobreza.
O que é
isso que vibra dentro de nossas mentes? Será o desenvolvimento e o modelo de
consumo que reina nas sociedades ricas atuais? Faço esta pergunta: o que
aconteceria a este planeta se o povo da Índia tivesse a mesma proporção de
carros por família como os alemães?
Quanto
oxigênio sobraria para respirarmos? Mais claramente: será que o mundo tem hoje
os elementos materiais para permitir que 7 ou 8 bilhões de pessoas possam ter o
mesmo nível de consumo e geração de resíduos como as sociedades mais ricas do
ocidente? Isso é possível? Ou será que teremos que começar em algum dia um
outro tipo de discussão? Porque fomos nós quem criamos esta civilização em que
vivemos: baseada em mercado, baseada em competição e que rendeu o progresso
material maravilhoso e explosivo. Mas a economia de mercado criou sociedades de
mercado. E deu-nos esta globalização, que significa estar ciente do que ocorre
em todo o planeta.
Estamos
governando a globalização ou a globalização nos governa? É possível falar de
solidariedade e que "estamos todos juntos" numa economia baseada na
concorrência impiedosa? Até onde chega nossa fraternidade?
Eu não
digo nada disso para negar a importância deste evento. Pelo contrário, o
desafio à nossa frente é de uma magnitude colossal e a grande crise não é ecológica,
mas sim política.
Hoje, o
homem não governa as forças que ele desencadeou, mas sim são essas forças que
governam o homem e a vida. Por que não viemos para este planeta para nos
desenvolver indiscriminadamente.
Nós
viemos ao mundo para ser felizes. Porque a vida é curta e se vai. E nenhum bem
material vale tanto quanto a vida, e isso é fundamental. Mas se a vida vai
escapar, vamos trabalhar e trabalhar para consumir mais, pois a sociedade de
consumo é o motor, porque em última análise, se o consumo está paralisado,
paralisa a economia, e se você parar economia, o fantasma da estagnação aparece
para cada um de nós. Mas é este hiper consumo que está prejudicando o planeta.
E este hiper consumo tem que ser gerado através de coisas que duram pouco,
porque você tem que vender muito. Uma lâmpada elétrica, então, não pode durar
mais que mil horas. Mas existem lâmpadas que podem durar cem mil ou duzentas
mil horas! Mas estas não podem ser fabricadas porque o problema é o mercado,
porque nós temos que trabalhar e temos que sustentar uma civilização que
"usa e descarta", e por isso estamos presos em um círculo vicioso.
Estes
são os problemas de caráter político que estão nos mostrando que é hora de
começar a lutar por uma outra cultura.
Eu não
estou dizendo que devemos voltar ao tempo do homem das cavernas, ou erigir um "monumento
ao atraso". Mas não podemos continuar assim, indefinidamente, regidos pelo
mercado, mas nós temos que dominar o mercado.
É por
isso que eu digo, na minha humilde forma de pensar, que o problema que temos é
político. Os antigos pensadores, Epicuro , Sêneca ou Aymara definem que
"homem pobre não é aquele que tem pouco, mas aquele que precisa
indefinidamente de mais, e querem mais e mais". Esta é uma questão
cultural.
Então,
eu saúdo os esforços e acordos que estão sendo feitos. E eu vou aderir a eles,
como governante. Eu sei que algumas coisas que eu estou dizendo não são fáceis
de digerir. Mas temos que perceber que a crise da água e a agressão ao meio
ambiente não são a causa.
A causa
é o modelo de civilização que nós criamos. E o que temos a fazer é reexaminar
nosso modo de vida.
Eu
pertenço a um país pequeno bem dotado de recursos naturais para a vida. No meu
país há pouco mais de três milhões de pessoas. Mas há cerca de treze milhões de
vacas, das melhores do mundo. E cerca de oito ou dez milhões de excelentes
ovinos. O meu país é um exportador de alimentos, laticínios, carnes. É uma
planície e quase 90% de seu território é fértil.
Meus
colegas de trabalho lutaram muito para ter a jornada de oito horas de trabalho.
E agora eles estão conseguindo seis horas. Mas quem faz seis horas tem dois
empregos, portanto, trabalha mais do que antes. Por quê? Porque ele tem que
pagar uma quantidade de coisas: a moto, o carro, e pagar anuidades e taxas e
pagar e pagar. E quando perceber é um velho reumático como eu e sua vida já
estará acabada.
E
fazemos esta pergunta: este é o destino da vida humana? Estas coisas que eu
digo são muito básicas: o desenvolvimento não pode ser contra a felicidade. Tem
que ser a favor da felicidade humana, do amor sobre a Terra, das relações
humanas, do cuidado com os filhos, ter amigos, ter o básico.
Precisamente
porque este é o tesouro mais importante que temos, a felicidade. Quando lutamos
para o meio ambiente, devemos lembrar que o primeiro elemento do ambiente é
chamado de felicidade humana.
Obrigado".
Postar um comentário