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As relações promiscuas do poder público com o setor privado reveladas – Parte II
Posted by Cottidianos
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Terça, 18 de abril
Os donos do império criminoso: Emilio Odebrecht e seu filho Marcelo |
Assim como no Mito da Caverna, de Platão
— a mais importante alegoria do mundo filosófico — a ignorância faz o monge,
assim também, no dito popular, o hábito faz o monge.
O Mito da Caverna conta-nos a história
de prisioneiros que viviam presos em uma caverna escura, com as costas voltadas
para a entrada da caverna, ponto de onde entrava alguma luminosidade. De costas
para entrada do ambiente, e de frente para a parede, os prisioneiros,
diariamente, viam, projetadas na parede, as sombras do mundo real, e as tomavam
por verdade. O ilusório era para eles real. As sombras era para eles a verdade,
e eles as achavam belas. Através das cenas projetadas na parede eles davam
nomes aos objetos, faziam conjecturas. Coitados, nem sabiam que atrás deles,
esplendido, vibrante, com suas benesses e mazelas, alegrias e dores, estava o
mundo real.
Assim também, quando entramos em um
ambiente escuro, mal iluminado, nossos olhos tem, no inicio, dificuldade em
acostumar-se aquela realidade, mas aos poucos nossa visão vai se acostumando a
cena, e passamos a achá-la normal.
No caso das delações da Odebrecht,
quando vemos o Sr. Emilio Odebrecht, o Sr. Marcelo, filho dele, os delatores,
os políticos envolvidos, falando do assunto, vemos que eles falam da prática de
crimes de uma forma tão natural que chega até a ser espantoso. Falam do desvio
de milhões de reais dos cofres público para alimentar a goela sedenta de
políticos desonestos, como se isso fosse, de fato, a realidade. E as práticas
de pagamento de propina, de caixa dois, de contratos irregulares, concorrência
desleal, não é normal, caros leitores e leitoras. Isso são desvirtuamentos de
conduta. É o império do crime. Império que jogou o nosso país em um crise ética
e moral sem precedentes, e numa crise econômica idem.
As relações econômicas e empresariais
nesse Brasil que nasceu do ventre promiscuo da corrupção, é o que se pode chamar
de capitalismo selvagem. Aqui, no Brasil, quando o assunto refere-se a esfera publico-privado,
em termos de contrato, pode-se dizer que não vence o melhor. Vence aquele cuja
propina comprou. E esse jogo de indicações políticas, apadrinhamento, essa
troca de favores é péssimo para a nossa sociedade, e para a nossa economia.
Algumas falas do Sr. Emilio Odebrecht nos humilham a nós brasileiros. São um
verdadeiro tapa na cara.
Segundo Emilio Odebrecht, esse sistema
podre de se fazer política com o Estado é uma coisa que já tem pelos menos uns
trinta anos. “... Então, tudo o que está acontecendo era um negócio
institucionalizado. Era uma coisa normal. Em função de todo esse número de
partidos, onde o que eles brigavam era por quê? Por cargos? Não. Todo mundo sabia
que não era. Era por orçamentos outros que eles queriam sabe? Ali colocavam, os
partidos então colocavam seus mandatários com a finalidade de arrecadar
recursos para o partido e para os políticos.”, disse o patriarca da Odebrecht.
A relação viciada entre setor privado e
setor público é podre mesmo quando é legal. Isso fica claro na delação de
Marcelo Odebrecht quando ele se refere ao etanol. Em 2007, 2008, no auge do
combustível, a Odebrecht acabou investindo alto nesse setor, segundo o delator,
o maior investimento nessa área feito pela empresa. Logo após esse megainvestimento,
o governo começou a ter problemas tributários, e tirou a CID, aumentou o preço
da gasolina. Isso gerou um enorme problema para a Odebrecht.
Em uma reunião com o ministro Guido
Mantega, em Brasília, Marcelo, apresenta a ele, o pacote do etanol que sairia
no dia seguinte. O empresário não fica nada satisfeito com esse pacote. Marcelo
pede então para que Guido Mantega segure o pacote, até que ele, Marcelo,
coloque técnicos para analisar a situação e encontrar a solução de um pacote
mais razoável.
Os empreiteiros precisavam que voltasse
a Cide (imposto dos combustíveis) na gasolina, porque essa contribuição cria um diferencial para o etanol.
Pra controlar o preço da gasolina, o governo tinha tirado essa contribuição.
O governo sabia que Marcelo Odebrecht
era um grande doador, então, apressou-se em solucionar o problema, não porque
isso fosse bom para os negócios, mas porque o empresário era um grande doador,
o maior deles, e se o governo não solucionasse o problema, então teria
problemas mais á frente na época das eleições. Em qualquer governo, é normal
que o setor privado dialogue com o setor público, e com ele encontre soluções
para os problemas. Mas nesse caso, percebem como a relação que se estabeleceu
no Brasil entre empresas e governo é viciosa? E como isso afeta os princípios
republicanos?
A relação entre os políticos e os
empresários sempre foi uma relação baseada no toma lá dá cá. “Eu não conheço
nenhum político no Brasil que tenha conseguido fazer qualquer eleição sem caixa
2. O caixa 2 era três quartos o que eu estimo. Não existe no Brasil, ninguém
eleito sem caixa 2”, diz Marcelo, mostrando que o caixa 2 não era exceção, mas
sim a regra entre a politicagem brasileira. Como já foi dito, os políticos
caiam em cima da Odebrecht como urubus em cima de carniça.
Desse modo, coisa pública se tornava uma
via de duas mãos, um modo de pagar aqueles que haviam contribuído com suas
campanhas. Eleitos os políticos, esses apresentavam leis e projetos no
Congresso, não que agissem em benefício da sociedade, mas que beneficiassem a
si mesmos, ou aos empresários. Até mesmo obras inviáveis eram realizadas para
atender os interesses das empresas. É por isso que vemos tantas obras que ligam
nada a lugar nenhum pelo Brasil afora. Com as delações da Odebrecht tudo vai
ficando muito claro, e aquilo que estava entre nevoas vai sendo revelado. E é
estarrecedor.
É humilhante ver Emilio Odebrecht dizer que
a corrupção em nosso país é tão vultosa que seus funcionários não tinham a
noção do que era uma concorrência honesta, justa, e leal, e, para que tivessem
noção disso, eram enviados ao exterior para que eles vissem o que é de fato, era
uma concorrência de verdade. “Todos companheiros dessa organização já passaram
pelo exterior pra eles terem uma visão de mundo, convivessem com concorrência,
efetiva, real, disputar, baseada em produtividade”, disse Emilio.
Se observarmos atentamente as delações
premiadas da Odebrecht, vemos que a empreiteira funcionava muito mais como uma
quadrilha, do que, propriamente como uma empresa. A moeda de troca, em qualquer
situação, era sempre a propina. Até mesmo o os índios e a CUT receberam sua
parte na propina.
O setor de Minas e Energia, especialmente,
as obras da usina hidrelétrica do Rio Madeira, tiveram maior empenho da
Odebrecht. Henrique Serrano, afirmou em depoimento que pagava R$ 5 mil por mês
para o chefe de uma tribo indígena, e mais R$ 2 mil para outro cacique da
empresa, e mais R$ 2 mil para a Associação dos Povos Karitarianos, e ainda R$
1.500 para pequenas associações indígenas. Policiais da região também recebiam
propina, segundo Henrique. A propina recebida pelos policiais era pela proteção
aos canteiros de obras, principalmente, quando havia ameaça de invasões, ou em
momentos críticos.
Ainda segundo Henrique, a Central Única
dos Trabalhadores cobrava da empreiteira uma espécie de pedágio, para que eles
não apoiassem greves. “O pessoal da CUT costumava cobrar, de fato, pedágios
mensais pra eles não apoiarem greves, atos de violência, esse tipo de coisa,
era preciso pagar a CUT”, disse Henrique.
Não só a CUT era cortejada pela
Odebrecht, mas também outras centrais sindicais. Segundo os delatores, a empreiteira
teria repassado R$ 1.200 mil ao deputado Paulo Pereira da Silva, mais conhecido
como Paulinho da Força Sindical.
A questão da ilegalidade disfarçada de
legalidade era tão normal entre a organização criminosa, que o promotor,
coordenador da Lava Jato em Brasília, Sérgio Bruno, irritou-se, durante o
depoimento de Emilio Odebrecht, e o repreendeu. É que Emilio não estava dando
“nomes aos bois”, a propina, o pagamento de caixa dois, eram referidos por ele,
com grande naturalidade, como “ajuda”, “pedido”, ignorando complemente que isso
é crime.
De tanto ouvir durante o depoimento, as
palavras citadas, em certo momento, o investigador se irritou, e disse a
Emílio: “Essa ajuda se chama propina, só pro senhor saber.”
E durante muito tempo, segundo o
patriarca do grupo — , dentro do
contexto, merece muito mais o nome de organização criminosa do que de empresa —
as aves de rapina foram roubando nossas riquezas, nossos sonhos, minando nosso
poder econômico, deteriorando nossas escolas, afundando nossa educação a níveis
ridículos, precarizando nossos hospitais.
Será que os ferrenhos defensores do PT,
que saiam às ruas dispostos a defender o ex-presidente Lula com unhas e dentes,
terão a mesma coragem de fazer isso, após todas essas revelações? Antes eles se
escondiam atrás do argumento de que era a oposição, as “elites” que jogavam
pedra neles e os queriam difamar. Agora, não. As palavras vieram fortes do
patriarca da Odebrecht, Emilio Odebrecht, e de seu pequeno príncipe, Marcelo.
Agora é diferente. Agora são os relatos dos chefes, dos poderosos, daqueles que
estão no topo da pirâmide econômica, e na base da pirâmide moral que estão
falando.
O mesmo vale para os defensores dos
grandes partidos como PMDB e PSDB, por exemplo, que gritavam exaltados nas
ruas, “fora Lula”, “fora Dilma” fora PT”, será que eles terão a mesma coragem
de sair ás ruas e gritar essas palavras de ordem sabendo que seus líderes
charfudaram na mesma lama em que o PT chafurdou? Que eles beberam na mesma
fonte corrupta que o PT bebeu?
Aí estão as tão esperadas delações do
fim do mundo. Elas não dão — dizendo ironicamente — uma verdadeira aula de corrupção,
e de como agir com retrocesso. Nelas, nossos políticos nos dão uma verdadeira
aula de como dar as costas para o povo que o elegeu, a abraçar os interesses
dos grandes empresários, e os deles próprios.
A organização criminosa Odebrecht loteou
o Brasil. Comprou tudo e todos: policiais, índios, políticos, empresários,
medidas provisórias, e quem mais ousasse atrapalhar seus planos, bem como
também “recompensou” muito bem aos políticos que se dispuseram a ajudá-la.
A Lava Jato, demorou, mas chegou. Mas a
Lava Jato é apenas uma operação policial, investigativa. Ela passará. E depois?
O que faremos com as revelações que ela nos trouxe? O que faremos com as lições
que aprendemos dela? O que faremos em relação aos traidores que ela nos
revelou?
Bateremos palmas para eles e os
aclamaremos, ou também lhe daremos ás costas, assim como também eles nos deram
as costas. Mais do que nunca, é hora de passar o Brasil a limpo.
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