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Liberdade, ainda que tardia
Posted by Cottidianos
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23:02
Sexta-feira,
21 de abril
“Joaquim José da Silva Xavier
Morreu
a vinte e um de abril
Pela
Independência do Brasil
Foi
traído e não traiu jamais
A
Inconfidência de Minas Gerais
Foi
traído e não traiu jamais
A
Inconfidência de Minas Gerais
Joaquim
José da Silva Xavier
Era
o nome de Tiradentes
Foi
sacrificado pela nossa liberdade
Este
grande herói
Pra
sempre deve lembrado”
(Exaltação a Tiradentes - Mano Décio da
Viola,
Estanisláu Silva
e Penteado)
Não
importa se aquele homem era barbudo, ou não. Se ele era loiro ou moreno. Também
não importa quem roubou sua cabeça, colocada no alto de um poste, em Vila Rica,
Minas Gerais, logo após o enforcamento, e que até hoje não se tenha descoberto
quem fez isso. O que importa é que ele é dono de um feriado nacional. E olha que
para merecer um feriado nacional o sujeito tem que ter feito algo grandioso. José Joaquim José da Silva Xavier era o nome
desse homem, ou Tiradentes, como passou a ser conhecido nacionalmente.
Essa
coisa de sobrecarga de impostos dos quais o brasileiro tanto reclama vem de
tempos bem antigos. Deve ser mesmo uma herança maldita que o país carrega. E este
foi um dos motivos que levaram Tiradentes a participar de um movimento
revolucionário que culminou em sua morte.
Tiradentes
não teve o que se pode chamar de uma vida fácil. Era o quarto dos nove filhos
da família de Domingos da Silva Xavier, um português casado com Maria Paula da
Encarnação Xavier, brasileira descendente de portugueses. Aos nove anos perdeu
a mãe, e aos 11 , o pai. A partir daí, foi criado sob a tutela do tio e
padrinho, Sebastião Ferreira Leitão, que era cirurgião dentista, com quem o
adolescente aprendeu o ofício de dentista, que lhe valeu o apelido de Tiradentes.
Não
teve tempo de fazer os estudos regulares. Precisava ganhar o sustento e, para
isso, trabalhou como mascate, minerador, comerciante, dentista. Mais tarde
tornou-se militar, e depois, ativista político.
Em
1780, Tiradentes alista-se na tropa da Capitania de Minas Gerais, e, no ano seguinte,
é nomeado comandante do destacamento dos Dragões na patrulha do Caminho Novo — caminho
que servia como rota de escoamento da produção de minérios da capital mineira
para o porto do Rio de Janeiro. Trabalhando num lugar que era um constante vai
e vem de gente, Joaquim José, acabou conhecendo muitos críticos da forma como
Portugal conduzia a colônia brasileira.
Passado
o tempo, e insatisfeito por não ter conseguido uma promoção na carreira militar,
— era alferes, a patente inicial para os oficiais da época — em 1787, o jovem
pede licença do cargo, e vai para o Rio de Janeiro, cidade na qual permanece
por um ano.
Tiradentes
não era o que se pode chamar de um acomodado. No Rio, apresenta projetos
importantes para a melhora do abastecimento de água na cidade . Entretanto, os
projetos não foram aprovados pela coroa portuguesa. Mais um motivo de
descontentamento do jovem para com as autoridades veio se somar ao fato de não
ter recebido promoção na carreira militar.
De
volta a Minas Gerais, começa a espalhar pela região ideias libertárias. Ele queria
ver a Capitania de Minas Gerais livre da dominação portuguesa.
Era
uma época em que a exploração do ouro em Minas Gerais estava em plena
atividade. A coroa portuguesa não perdoava a cobrança de impostos sobre o metal,
e a cobrança era severa. Os brasileiros eram obrigados a pagar o quinto — ou
seja, 20% do ouro encontrado nas minas da colônia acabavam indo abastecer os
cofres portugueses. O leão daquela época era imperdoável: quem fosse apanhado
com ouro não declarado, estavam sujeito à duras penas, sendo o degredo, uma
delas.
Como
todos sabem, o ouro é um recurso natural que não nasce da terra como nascem os
grãos de feijão. Com a exploração, ele vai rareando. E foi isso o que aconteceu
na região mineira. Com a exploração intensa, a extração do metal começou a
rarear. Ávida por lucros, a coroa não reduziu a cobrança de impostos,
castigando ainda mais os habitantes da colônia.
Foi
nesse contexto, que, em 1789, a coroa portuguesa adotou uma medida mais
drástica, chamada Derrama. A medida visava ao cumprimento das receitas do
Quinto. Na verdade, a Derrama era um tipo de cobrança forçada de impostos. De
acordo com essa medida, cada região
mineradora deveria repassar anualmente à colônia, 100 arrobas de ouro, o
equivalente a 1.500 quilos. Se esse valor não fosse atingido, os soldados da
coroa entravam nas casas dos habitantes e de lá retiravam bens, e assim
continuava até que o valor proposto pelo governo português fosse pago.
Além
desses abusos econômicos, havia ainda leis elaboradas por Portugal que
prejudicavam o bom andamento da economia e da indústria, foi o caso, por
exemplo, de da decretação de uma lei proibindo o funcionamento das indústrias
fabris em todo o território nacional. Para isso, o alvará expedido por D. Maria
I, usava como argumento o fato de que, desenvolvendo-se as fabricas, os
colonos, em contrapartida, deixavam para segundo plano o cultivo das riquezas
da terra, e não cuidariam devidamente da agricultura das sesmarias.
Dizia
o alvará:
“Eu a rainha, faço saber aos que este
alvará virem: que sendo-me presente o grande número de fábricas, e manufaturas,
que de alguns anos a esta parte se tem difundido em diferentes capitanias do
Brasil, com grave prejuízo da cultura, e da lavoura e da exploração das terras
minerais daquele vasto continente; porque havendo nele uma grande e conhecida
falta de população, é evidente, que quanto mais se multiplicar o número dos
fabricantes, mais diminuirá o dos cultivadores; e menos braços haverá, que se
possam empregar no descobrimento, e rompimento de uma grande parte daqueles
extensos domínios, que ainda se acha inculta, e desconhecida: nem as sesmarias,
que formam outra considerável parte dos mesmos domínios, poderão prosperar, nem
florescer por falta do benefício da cultura, não obstante ser esta a
essencialíssima condição, com que foram dadas aos proprietários delas. E até
nas mesmas terras minerais ficará cessando de todo, como já tem
consideravelmente diminuído a extração do ouro, e diamantes, tudo procedido da
falta de braços, que devendo empregar-se nestes úteis, e vantajosos trabalhos,
ao contrário os deixam, e abandonam, ocupando-se em outros totalmente
diferentes, como são os das referidas fábricas, e manufaturas: e consistindo a
verdadeira, e sólida riqueza nos frutos, e produções da terra, as quais somente
se conseguem por meio de colonos, e cultivadores, e não de artistas, e
fabricantes: e sendo além disto as produções do Brasil as que fazem todo o
fundo, e base, não só das permutações mercantis, mas da navegação, e do
comércio entre os meus leais vassalos habitantes destes reinos, e daqueles
domínios, que devo animar, e sustentar em comum benefício de uns, e outros,
removendo na sua origem os obstáculos, que lhe são prejudiciais, e nocivos: em
consideração de tudo o referido: hei por bem ordenar, que todas as fábricas,
manufaturas, ou teares de galões, de tecidos, ou de bordados de ouro, e prata...
todas as mais sejam extintas, e abolidas em qualquer parte onde se acharem nos
meus domínios do Brasil, debaixo da pena do perdimento, em tresdobro, do valor
de cada uma das ditas manufaturas, ou teares, e das fazendas, que nelas, ou
neles houver, e que se acharem existentes, dois meses depois da publicação
deste; repartindo-se a dita condenação metade a favor do denunciante, se o
houver, e a outra metade pelos oficiais, que fizerem a diligência; e não
havendo denunciante, tudo pertencerá aos mesmos oficiais...”
Todas
essas arbitrariedades foram, evidentemente, cada vez mais insatisfação por
parte da população. Fazendeiros, mineradores, intelectuais, militares, parte da
elite brasileira da época começou, secretamente, a se reunir a fim de encontrar
uma solução que acabasse com todos aqueles problemas. Eles queriam um Brasil
liberto de Portugal, e isso também significava a redução do pagamento de impostos,
e maior participação na vida política do país.
Por
trás desse movimento, chamado de Inconfidência Mineira, estava o Joaquim José
da Silva Xavier, o Tiradentes. Junto com ele estavam o Pe. Rolim, Inácio Alvarenga,
dono de uma mineradora, e os poetas, Tomas Antonio Gonzaga e Cláudio Manuel da
Costa. Conspiradores já haviam até planejado um nova bandeira para o país
liberto sonhado por eles. Ela teria um triangulo vermelho posto sobre um fundo
branco, e em latim, a inscrição: Libertas
Quae Sera Tamen (Liberdade ainda que Tardia). Posteriormente essa bandeira
inspirou a criação da bandeira do estado de Minas Gerais.
Tudo
pronto. Tudo planejado. A revolução se iniciaria no dia em que o governo havia
escolhido para instituir a Derrama. Porém, as coisas não saíram como o
planejado. Três dos participantes, traíram a causa, traíram Tiradentes, e
traíram o Brasil: Joaquim Silvério dos Reis, Basílio de Brito Malheiro do Lago,
e Inácio Correia de Pamplona. Os três fizeram um espécie de delação premiada às
avessas, e, em troca do perdão de suas dívidas para com a coroa portuguesa. Delataram
o movimento.
O processo
que julgou os inconfidentes demorou três anos. Tiradentes chamou para si a
responsabilidade pelos planos de liberdade, inocentando, desse modo os demais
envolvidos no movimento. Ao final do julgamento, todos receberam a pena de
degredo, à exceção de Tiradentes que recebeu a sentença de morte por
enforcamento.
Foi
manhã de sábado de 21 de abril de 1792, não se sabe se chuvosa ou não, mas
certamente uma triste manhã, que Tiradentes foi percorrendo, em cortejo, as
ruas silenciosas do centro do Rio de Janeiro. O trajeto entre a cadeia pública
e o lugar onde havia sido armado o patíbulo deve ter sido para ele uma
eternidade. Enfim, chegaram a Praça da Lampadosa — atual Praça Tiradentes. O sentenciado
subiu os 21 degraus que levavam ao alto do patíbulo, e lançou um olhar de
esperança sobre o Brasil. Sabia que, um dia, a liberdade chegaria. Encerrando o
último ato daquela vida de luta em prol de Brasil melhor, seu corpo mergulhou
no vazio, enquanto sua alma e sua vida entravam para a história.
Em
um momento tão conturbado da vida nacional, onde o brasileiro olha para o
horizonte e o que vê à sua frente é um vazio total de lideranças que possam
conduzir o Brasil aos picos da glória, esse blog achou importante lembrar esse
herói que deu sua vida pela liberdade de uma então colônia de Portugal.
Nos
tempos de hoje, seria pedir demais que surgissem heróis. Esses, como diz o
poeta Cazuza “morreram de overdose”. Se não existem heróis, esperávamos, ao
menos por líderes que nos fizessem avançar nos campos político, econômico, e
social, mas a Lava Jato veio enterrar essa esperança, pelo menos nos políticos
que aí estão.
Resta-nos
fazer o esforço de renovar Congresso e Senado para ver se surge gente com
pensamento renovado e fora desse circulo vicioso e criminoso no qual se tornou
a política brasileira. Será pedir demais?
Assim
como na Inconfidência Mineira teve por traidores os senhores, Joaquim Silvério
dos Reis, Basílio de Brito Malheiro do Lago, e Inácio Correia de Pamplona,
assim hoje temos em nossa sociedade os traidores dos ideais republicanos e da
esperança de ver um Brasil vencedor no campo da educação, da saúde, da
segurança, da economia, e da política. Esses traidores são os políticos
corruptos, as empresas que agem muito mais como organizações criminosas, e
todos aqueles que por essa gente se deixa corromper.
Se
a luta de Tiradentes era por causa dos abusos da coroa portuguesa, e por
liberdade do Brasil, em relação à dominação portuguesa, a nossa luta hoje é
contra a corrupção. E que a libertação desse venha, ainda que seja uma
libertação tardia.
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