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Uma vida que se mistura com águas e com elas se faz eterna
Posted by Cottidianos
on
01:05
Sexta-feira,
16 de setembro
Na
minha postagem de hoje, compartilho um texto de Plínio Marcos, intitulado, O
ator. Plínio Marcos, principalmente, à época do regime militar escreveu várias
peças de teatro. Além de escritor, também atuou como diretor e jornalista. A postagem
e o texto compartilhado, são, na verdade, uma homenagem ao ator Domingos
Montagner, que morreu afogado nas águas do São Francisco, que servia de cenário
e ambiente para o personagem que viva na novela do horário das nove, na Globo,
chamada Velho Chico, que, por sinal, está nos últimos capítulos. O ator foi
tragado pela força das águas na tarde de ontem, quinta-feira (15).
Pense
nas coisas da seguinte forma: A vida é uma novela da qual Deus é o autor e
diretor. Nós somos os atores vivenciando dramas, alegrias e tristezas, choros,
risos e lágrimas. Todos os dias quando acordamos, é como se o autor dissesse: “gravando”...
E lá vamos para o set de filmagens que são os nossos afazeres diários. Como toda novela, um dia gravaremos o último
capítulo dela.
Para
nossa tristeza, e para alegria do mundo espiritual, o último capítulo da novela
da vida de Domingos, chegou ao fim na tarde de ontem, em um momento de lazer. Após
o termino das filmagens na parte da manhã, o ator almoçou, e, logo após, junto
com a Camila Pitanga, seu par romântico na novela, foram mergulhar num trecho
perigoso do rio São Francisco, no qual a correnteza é forte. Camila ainda
tentou salvá-lo, porém a força das águas foi mais
forte.
***
Domingos Montagner |
O
ator
Plínio
Marcos
Por
mais que as cruentas e inglórias batalhas do cotidiano tornem um homem duro ou
cínico o suficiente para ele permanecer indiferente às desgraças ou alegrias
coletivas, sempre haverá no seu coração, por minúsculo que seja, um recanto
suave onde ele guarda ecos dos sons de algum momento de amor que viveu na sua
vida.
Bendito
seja quem souber dirigir-se a esse homem que se deixou endurecer, de forma a atingi-lo
no pequeno núcleo macio de sua sensibilidade e por aí despertá-lo, tirá-lo da
apatia, essa grotesca forma de autodestruição a que por desencanto ou medo se
sujeita, e inquietá-lo e comovê-lo para as lutas comuns da libertação.
Os
atores têm esse dom. Eles têm o talento de atingir as pessoas nos pontos onde
não existem defesas. Os atores, eles, e não os diretores e autores, têm esse
dom. Por isso o artista do teatro é o ator.
O
público vai ao teatro por causa dos atores. O autor de teatro é bom na medida
em que escreve peças que dão margem a grandes interpretações dos atores. Mas o
ator tem que se conscientizar de que é um cristo da humanidade e que seu
talento é muito mais uma condenação do que uma dádiva. O ator tem que saber
que, para ser um ator de verdade, vai ter que fazer mil e uma renúncias, mil e
um sacrifícios. É preciso que o ator tenha muita coragem, muita humildade e,
sobretudo um transbordamento de amor fraterno para abdicar da própria
personalidade em favor da personalidade de sua personagem, com a única
finalidade de fazer a sociedade entender que o ser humano não tem instintos e
sensibilidade padronizados, como os hipócritas com seus códigos de ética
pretendem.
Eu
amo os atores nas suas alucinantes variações de humor, nas suas crises de
euforia ou depressão. Amo o ator no desespero de sua insegurança, quando ele,
como viajor solitário, sem a bússola da fé ou da ideologia, é obrigado a vagar
pelos labirintos de sua mente, procurando no seu mais secreto íntimo afinidades
com as distorções de caráter que seu personagem tem. E amo muito mais o ator
quando, depois de tantos martírios, surge no palco com segurança, emprestando
seu corpo, sua voz, sua alma, sua sensibilidade para expor sem nenhuma reserva
toda a fragilidade do ser humano reprimido, violentado.
Eu
amo o ator que se empresta inteiro para expor para a platéia os aleijões da
alma humana, com a única finalidade de que seu público se compreenda, se
fortaleça e caminhe no rumo de um mundo melhor que tem que ser construído pela
harmonia e pelo amor. Eu amo os atores que sabem que a única recompensa que
podem ter – não é o dinheiro, não são os aplausos – é a esperança de poder rir
todos os risos e chorar todos os prantos. Eu amo os atores que sabem que no
palco cada palavra e cada gesto são efêmeros e que nada registra nem documenta
sua grandeza. Amo os atores e por eles amo o teatro e sei que é por eles que o
teatro é eterno e que jamais será superado por qualquer arte que tenha que se
valer da técnica mecânica.
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