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Textos inéditos de Fernando Pessoa: Um tesouro revelado
Posted by Cottidianos
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13:16
Sábado,
16 de janeiro
“Eu nunca guardei rebanhos,
Mas
é como se os guardasse.
Minha
alma é como um pastor,
Conhece
o vento e o sol
E
anda pela mão das Estações
A
seguir e a olhar.
Toda
a paz da Natureza sem gente
Vem
sentar-se a meu lado.
Mas
eu fico triste como um pôr de sol
Para
a nossa imaginação,
Quando
esfria no fundo da planície
E
se sente a noite entrada
Como
uma borboleta pela janela”.
(O Guardador de Rebanhos – Fernando Pessoa)
Hoje,
gostaria de falar para vocês de pessoas, não de pessoas de modo geral, mas de
uma pessoa de modo particular. Sem trocadilhos, gostaria de falar de Pessoa,
Fernando Pessoa, um gênio das palavras. Que não era uma pessoa: era ele mesmo,
e mais quatro, dividido em seus heterônimos, a saber; Álvaro de Campos, Ricardo
Reis, Alberto Caeiro, e Bernardo Soares. E o que é heterônimo? Heterônimo é uma
personagem fictícia que os escritores criam e, a essa pessoa atribuem obras,
com posicionamentos, idéias e visões de mundo próprias, complementarmente
diferentes das de quem os criou. Resumindo, é como se o escritor criasse outro
escritor e, como um Deus, a ele lhe desse vida própria.
O
universal poeta Fernando Pessoa, nasceu em Lisboa, em 13 de junho de 1888, e
faleceu na mesma cidade, em 1935. Foi educado na África do Sul, em uma escola
irlandesa e, devido a essa experiência, possuía grande domínio da língua inglesa.
Pessoa legou à humanidade uma rica e criativa obra que vale a pena ser
conhecida.
Matéria
publicada, neste sábado (16), pela Folha de São Paulo, de autoria de Maurício
Meireles, colunista do jornal, traz informação de caixa com textos inéditos de
pessoa, descobertos por acaso, na África do Sul, pelos filhos do pesquisador
britânico Hubert Jennings.
Abaixo,
compartilho com vocês a matéria da Folha.
***
Caixa
com textos inéditos de Fernando Pessoa é encontrada na África do Sul
MAURÍCIO MEIRELES
COLUNISTA
DA FOLHA
Criança,
Fernando Pessoa gostava de pegadinhas. Metia-se em fantasias horripilantes para
assustar os empregados e, já então um fingidor, recrutava os irmãos para
pequenas peças em casa. Mas sentia um medo danado de trovão. Por isso,
escondia-se em locais escuros, cobrindo a cabeça para não ouvir o barulho.
O
relato sobre a infância do poeta está em uma carta inédita de Teca, sua
meia-irmã, enviada nos anos 1970 ao pesquisador britânico Hubert Jennings, um
dos primeiros biógrafos do poeta.
O
manuscrito compõe um conjunto de 2.000 documentos encontrados por um grupo de
pesquisadores, após passar décadas em uma garagem na África do Sul, onde o
poeta viveu criança.
A
descoberta foi feita em julho, quando os filhos de Jennings procuravam um local
para o espólio do pai, morto há 23 anos, e tratada com discrição até agora. O
conjunto de documentos de e sobre Pessoa foi transferido para a Universidade
Brown nos EUA, que conta com um importante centro de estudos da literatura
portuguesa.
Ainda
é cedo para dizer com exatidão tudo que há no espólio, mas um primeiro olhar
acaba de aparecer na "Pessoa Plural", revista de estudos pessoanos
publicada por Brown.
Há
transcrições de documentos do espólio de Pessoa – que Jennings visitou nos anos
1950, muito antes de o acervo ir para a BNP (Biblioteca Nacional de Portugal).
Como
a caligrafia do poeta é difícil de entender, às vezes, não dá para saber nem em
que língua os textos foram escritos, o trabalho de Jennings serve de atalho.
O
inglês chegou a fazer um inventário do espólio pessoano, que deve ser confrontado
com o da instituição portuguesa, a fim de saber que documentos podem ter se
perdido.
CARTAS PERDIDAS
A
esperança de haver materiais que nunca seriam conhecidos tem um motivo: foi
encontrada a transcrição uma carta de Pessoa a seu meio-irmão John, de 28 de
fevereiro de 1934. O documento não está na BNP e, até onde se sabe, tampouco
entre os papéis que a família do poeta ainda tem consigo em Portugal.
Também
foi achado na caixa o livro inédito "The Poet of Many Faces", uma
compilação, reunida por Jennings, de poemas em inglês escritos por Pessoa.
Tivesse saído, o pesquisador teria sido um dos primeiros a publicar a poesia
inglesa de Pessoa.
Como
homenagem ao trabalho de Jennings, o pesquisador argentino Patrício Ferrari,
especialista na obra inglesa e francesa do português, publica na "Pessoa
Plural" 25 poemas inéditos do autor – dois dos quais já haviam sido
transcritos por Jennings. O material já está disponível na versão on-line do
periódico.
"A
vida e a obra d Pessoa são um quebra-cabeça. Sabemos que há milhares de
documentos que não foram publicados. O acervo do Jennings ajuda a montar esse
quebra-cabeça", diz o brasileiro Carlos Pittella-Leite, pesquisador
bolsista da Universidade de Lisboa que foi o primeiro, junto a Patrício
Ferrari, a consultar a papelada.
Pitella-Leite,
editor convidado da "Pessoa Plural", que ajudou na transferência do
acervo para Brown, calcula que ainda deve demorar um ano para a instituição
fazer todo o inventário dos papéis. Só então se terá uma ideia mais exata de
tudo de inédito que há no espólio de Jennings.
Mesmo
que a caixa não tivesse documentos desconhecidos de Fernando Pessoa, a
descoberta ainda assim seria valiosa, por trazer as pesquisas de Jennings sobre
o autor português e as impressões do britânico sobre Portugal.
Um
diário do intelectual, por exemplo, conta o dia a dia em Portugal em 1968 -ano
em que o ditador António Salazar caiu. O documento ajuda a reconstruir a rotina
portuguesa nos meses que antecederam a derrocada do ditador.
A
descoberta dos documentos também permitiu determinar a autoria de um ensaio
sobre os heterônimos pessoanos em poder Manuela Nogueira, sobrinha do poeta
lusitano. Uma carta de Michael, outro meio-irmão de Pessoa, no qual ele dá
dicas a Jennings sobre um livro, sugere que o próprio pesquisador seja o autor
do ensaio.
O
britânico é mais um caso notório de estrangeiro que se desenvolveu uma relação
profunda com a obra de Fernando Pessoa, ao lado do mexicano Octavio Paz e do
italiano Antonio Tabucchi.
Jennings
- que, como Camões, perdeu um olho em batalha, ao lutar na Primeira Guerra
Mundial - descobriu o poeta, aos 70 anos, ao escrever a história da Durban High
School, escola na África do Sul onde Pessoa estudou na infância, entre 1899 e
1904. Mudou-se para Portugal a fim de estudar a obra do autor.
ÁFRICA DO SUL
A
caixa com seus documentos estava na garagem de sua sobrinha, na África do Sul.
Os papéis foram encontrados quando ela se mudou de Joanesburgo para a Cidade do
Cabo. Como os filhos de Jennings queriam escrever a história da família, eles
os enviaram ao escritor americano Matthew Hart em Nova York.
Hart
procurou a Universidade de Brown para entender a importância dos documentos. A
instituição, por sua vez, foi atrás do colombiano Jerónimo Pizarro, hoje uma
das principais autoridades na obra pessoana. Pizarro pediu para Carlos Pittella
-Leite e Patrício Ferrari viajarem a Nova York para avaliar os documentos.
"Esses
papéis ficaram fora de circulação por 23 anos. Fiquei surpreso ao ver como era
volumosa a quantidade de escritos sobre Pessoa, traduções, contos e as memórias
do meu pai", afirma o geólogo Christopher Jennings, filho do intelectual.
POEMAS INÉDITOS
Às vezes, repentinamente olhando pra
cima, acho
Ter compreendido a forma vazia das
coisas
Outro aspecto que o absurdo
Toma-me um repentino terror
Havia olhos em tudo - onde estão as
coisas agora?
Havia um mal misterioso na sem vida das
Presenças...
Tudo era mais Deus, mais Vida, do que é
agora.
Onde está o ouvir deste sempre amanhecer
_[quando olhei para cima demasiado
repentinamente?_
O que está escondido de mim que é tudo?
A mão que repentinamente nublou quando
olhei o que continha?
Ou podem os homens virar a esquina do
Ver e do Ouvir
E buscar o mistério das coisas?
(Tradução
de Patricio Ferrari)
“O que há de errado com o que há de
certo em meu coração é outra
Coisa bem diferente de (...)
Minha dor não é por não ser pai
Minha dor é mesmo por não poder ser mãe
Apenas ser mãe preencheria sem perder
uma gota
O copo de doçura que aguarda em mim
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