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Presente de Reis na Terra do Sol
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Quinta-feira,
07 de janeiro
A inspiração
para o conto, Presente de Reis na Terra do Sol, nasceu quando ouvi por esses
dias, a belíssima canção, Favola,
interpretada pelo italiano, Eros Ramazzotti. Já conhecia a canção. Ela foi
gravada pela primeira vez no álbum, Tutte storie (1993), e os autores dela são:
Eros Ramazzotti, Piero Cassano & Adelio Cogliat. O conto se passa em duas
cidades brasileiras: Paraty, Rio de Janeiro, e Natal, Rio Grande do Norte. No
conto se mistura uma história de amor, traição, solidão, e de um novo recomeço
nas asas da felicidade.
***
“Os devotos do
Divino vão abrir sua morada
Pra bandeira do
menino ser bem-vinda, ser louvada, ai, ai
Deus nos salve
esse devoto pela esmola em vosso nome
Dando água a
quem tem sede, dando pão a quem tem fome, ai, ai
...
Assim como os
três reis magos que seguiram a estrela guia
A bandeira segue
em frente atrás de melhores dias
No estandarte
vai escrito que ele voltará de novo
E o Rei será
bendito, ele nascerá do povo,ai, ai”
(Bandeira do Divino - Vitor Martins e
Ivan Lins)
Presente
de Reis na Terra do Sol
Fernando
caminhava pelas históricas ruas da pequena e charmosa Paraty, no estado do Rio
de Janeiro. Uns 258 quilômetros de viagem e se chegaria à capital, onde o
Cristo Redentor os recebia de braços abertos. Frequentemente, aproveitando
algum feriado prolongado, ele ia para lá, com a mulher, Lindalva, e as três
crianças: Matheus, Bernardo, e Clara, a fim de visitar alguns parentes no Rio,
e, claro, dar um gostoso passeio pela cidade.
Nos
primeiros quilômetros da viagem, as crianças faziam mais barulho do que
naqueles dias chuvosos, nos quais os trovões ressoam retumbantes e ameaçadores,
de modo que, sem poder travar uma conversa produtiva com a esposa, ele, e ela
também, acabavam fazendo um pouco de bagunça junto com as crianças. Seguiam o
ditado popular que diz: “Se não pode com eles, junte-e se a eles”... E como era
gostoso juntar-se a eles! Todos se divertiam muito. Eram horas alegres que até
serviam para encurtar a distância.
Fernando
trabalhava como corretor, e morava em Paraty há cerca de quatro anos. Antes,
tinha passado uma boa temporada no Rio. Gostava da tranquilidade do lugar. Paz, tranquilidade,
e qualidade de vida, eram tudo o que ele precisava para aproveitar a vida ao
lado da mulher e dos filhos. Não se arrependia de ter escolhido Paraty como
lugar para morar. Nas suas idas ao Rio, vislumbrava a beleza da cidade, de suas
praias, e sua gente hospitaleira. Porém, nos últimos tempos, para sua tristeza,
as praias, e, principalmente, no centro do Rio, estavam acontecendo muitos
assaltos. Apesar de não ter sofrido nenhum, ele já tivera a infelicidade de
presenciar alguns. Paraty, ao contrário, ainda não infectada pelo vírus da
violência. Claro que a pequena cidade não estava imune a esses males da
modernidade, mas em comparação às grandes cidades, ainda se podia caminhar por
aquelas históricas ruas com tranquilidade.
A
cidade apenas ficava mais movimentada no período em que era realizada a FLIP –
Feira Literária Internacional de Paraty. Entretanto, essa invasão de pessoas
era absolutamente saudável. Nesse período, à cidade, acorriam autores e
leitores de todas as partes do Brasil e do exterior. Era gostoso andar pelas
praças naqueles dias, e vê-las tomadas de pessoas, sossegadamente, aproveitando
a sombra das árvores, entrando no túnel do tempo das páginas de um livro, e
viajando pelo fantástico mundo da literatura. Essa era uma invasão que ele
considerava do bem.
Naquele
momento, ele cruzava a praça da matriz, no centro histórico da cidade. Àquela
hora da manhã, poucas pessoas estavam tomando um pouco de sol. Um homem de meia
idade sentava-se tranquilamente, em dos bancos da praça e entregava seu corpo a
um dolce far niente. O melhor amigo
dele, como se costuma dizer dos cães em relação ao homem, cavoucava a grama,
logo atrás do banco onde seu dono estava sentado. Uma mulher com um casal de
crianças passeava pela praça. As crianças corriam serelepes, enquanto a mãe se
desvelava em cuidados para com elas.
Fernando
ia com certa pressa. Precisava encontrar um cliente para realizar a venda de
uma propriedade na região. Distraiu-se ao olhar para o relógio de pulso, quando
uma das duas crianças que estavam brincando na praça, veio correndo, e esbarrou
em suas pernas, quase o derrubando. Ele ficou de pé, porém, a criança levou um
pequeno tombo. Nada grave. Apenas um susto para Fernando, para a criança, e
para a mãe dela. Fernando desculpou-se com a mulher, e com a criança e afastou-se.
Após alguns metros, esqueceu-se da pressa, e voltou os olhos sobre os ombros. A
mãe e seus dois filhos voltavam, novamente, a sorrir um sorriso com gosto de
felicidade. Ele pensou nas suas três adoráveis crianças. Ele vivia feliz junto
com a família. Mas nem sempre fora assim. Uma vez ele havia pensado que era
árvore, bela, produtiva, mas que achava que bastava a si mesma e não precisava
de ninguém para ser feliz.
***
Foi numa Festa de Reis, do dia 06 de janeiro
de 2008.
Ele
morava na bela e ensolarada Natal, capital do Rio Grande do Norte. Havia
assistido a uma celebração religiosa no centro da cidade, celebrada na Catedral
Metropolitana, pelo cardeal arcebispo da cidade. Todos os anos, no dia 06 de
janeiro, a cidade de Natal fervilhava de comemorações religiosas, festivas e
culturais. Afinal, os homenageados são co-padroeiros da cidade e toda festa
lhes é merecida.
Após
a celebração religiosa, Fernando decidira ir assistir à Folia de Reis,
tradicional comemoração folclórica que acontecia pelas ruas da Praia do Meio, e
terminava na beira da praia, com muito batuque, e um grande banquete ao final,
recheado de comidas típicas da região.
O
grupo de foliões seguia pelas ruas do bairro, tocando instrumentos, em sua
maioria, feitos de forma artesanal, tais como; reco-reco, flauta, tambores,
pandeiros, e sanfonas, e cantavam animadas canções de temática religiosa, como
pedia a festa. Misturado ao grupo, dançarinos com roupas cheias de coloridas
fitas, e outras pessoas fantasiadas de palhaço, traziam ainda mais alegria para
a alegre marcha.
Fernando
estava ali para a festa, mas não estava para a alegria. Fechara seu coração, e — como costumava dizer aos poucos amigos que
ainda insistiam em ficar ao seu lado — jogara a chave fora. Isso havia sido no
inverno de 2004. Aquele inverno ficou marcado em sua mente e, principalmente,
em seu coração, como um inverno frio, triste, e muito cinzento.
***
Mais
algumas semanas e seria primavera. Seu casamento com uma bela jovem, moradora
da praia de Pirangy do Norte, praia onde fica o maior cajueiro do mundo, no
município de Parnamirim, estava marcado para acontecer sob o doce perfume das flores e o cheiro de amor,
trazidos pela doce brisa primaveril. Para ele, a moça era o exemplo de esposa
perfeita, e as juras de amor eterno entre os dois eram constantes.
Certo
dia, seu coração inquietou-se, como se lhe pedisse, insistentemente, para que
as doces ondas do mar viessem chorar sob seus pés. Resolveu ir à casa da noiva,
sem avisar. Bateu à porta, e a irmã de sua futura esposa disse-lhe que ela não
estava em casa, que havia ido visitar uma amiga em uma praia vizinha, e que
pernoitaria por lá. Fernando desculpou-se por ter aparecido sem avisar, e
apesar dos insistentes convites para que passasse à noite com eles, resolveu
voltar à Natal. Porém, seu coração continuava a lhe pedir que fosse à beira da
praia. No caminho para a rodoviária, resolveu sair da rua principal e descer
até a praia. Afinal, a noite estava bastante agradável, e respirar um pouco de
mar iria lhe fazer bem aos pulmões, havia pensado.
Sentiu
os pés afundarem na areia solta. A iluminação pública não alcançava aquele trecho
da praia. O último poste de luz havia ficado alguns metros adiante. ‘Melhor assim’,
pensou ele. Na penumbra podia observar melhor a miríade de estrelas acima de
sua cabeça. Ficou observando aquele céu deslumbrantemente decorado com centenas
de milhões de pequenas luzes brilhantes a iluminar o negro firmamento. Além das
estrelas ainda havia uma maravilhosa lua nova a deslizar pelo céu, deixando
sonhar os casais apaixonados.
A luz
da lua coloria de prata o imenso mar, que àquela hora da noite não se deixava
ver, dele apenas se podia ouvir o barulho e quase vislumbrar as espumas das
ondas que vinham rebentar na beira-mar. Ah, aquele cheiro de mar... Era
delicioso. Por sua vontade, ficaria ali à noite inteira, mas era preciso
voltar, afinal, logo cedo pela manhã do dia seguinte teria de estar em Natal
para resolver importantes assuntos profissionais.
Já
dera meia volta e se preparava para voltar à estrada principal em direção à rodoviária,
onde pegaria o ônibus de volta para capital, distante apenas uma hora de viagem
dali de onde estava, quando ouviu vozes e sussurros apaixonados. Um casal, a
poucos metros dele, beijava-se apaixonadamente. Uma súbita desconfiança fez
calar o seu tranquilo coração. Parecia a voz de sua amada murmurando palavras
de amor no ouvido de outro homem. Não, não podia ser. Não podia ser verdade.
Pegou na mochila que trazia às costas um boné, e o pôs à cabeça. Naquela penumbra,
e de boné não seria fácil reconhecê-lo, se passasse por perto do casal em
silêncio.
E foi isso que ele resolveu fazer, passou bem
próximo ao casal. Dessa vez não teve dúvida: Era mesmo seu grande amor fazendo
juras de amor, sob a luz do luar, a outro homem. Naquele momento, intimamente,
seu coração rugiu mais alto que o bramido do mar. Mas, sentiu que era preciso
conservar a calma, o sangue frio, e passou em silêncio pelo casal, deixando
para trás um grande amor que acabava de ser sepultado nas ondas do mar.
Já
em Natal, no dia seguinte, pediu a um amigo de confiança que fosse,
pessoalmente, a Pirangy devolver as alianças. A moça o procurou diversas vezes
após esse fato, mas ele não mais a recebeu. Não havia mais nada a ser dito
entre os dois.
Depois
desse episódio, ele que era um indivíduo extrovertido, passou a ser o oposto. Ficou
dias e dias trancado dentro de casa, apenas saia para o trabalho. Quase entrou
em depressão. Para que isso não acontecesse, decidiu ser como as árvores. Elas são
produtivas, dão flores, e oferecem seus frutos e sua sombra a viajantes
cansados. Do alto de sua singela beleza as árvores veem nascerem novas flores. Em
silêncio servem de refúgio para coelhos e colibris, sem cobrar nada por essa
gentileza. Em sua humildade são propensas a aprender com sabedoria do vento que
lhes ensina a reconhecer os odores de resina e mel selvagem. E quando a chuva
vem é como se uma onda de alegria as inundasse. Assim, vivem esses belos
representantes do reino vegetal. Vivem tão bem que até chegam a ser gabar de
não precisarem de ninguém. Elas se bastam a si mesmas.
De
modo semelhante passou a agir Fernando. Convidado por um amigo passou a fazer
de uma organização não governamental que cuidava de encaminhar, nos trilhos da
arte, crianças carentes que, por si só e por suas famílias, não tinham
condições de desenvolver seus dons artísticos. Tornou-se um dedicado ativista
nessa causa. Ajudou centenas de crianças, e suas famílias. Maravilhava-se
quando via a satisfação do sonho realizado através do sorriso vitorioso das
crianças. Entretanto, quando se tratava de amor, de arranjar uma companhia,
esse coisa do homem precisar da mulher, ah isso, não. Ele não precisava de
ninguém. Podia muito bem viver sozinho. Assim pensava ele. Era ele como estrela
que brilha num céu sem cor.
***
Mas
quem há de compreender os mistérios do amor?
Enquanto
em meio a Folia de Reis, seus pensamentos voltaram ao passado, — uma vez que
ele e a noiva fizeram parte, juntos, muitas vezes, daquelas festividades — uma
morena, jovem, sem querer, esbarrou nele. A moça segurava nas mãos um copo de
refrigerante que foi derramar-se todo na camiseta branca do rapaz. Aquilo irritou
Fernando, e quando ele ia erguer a voz para reclamar, seus olhos encontraram os
olhos de sua “agressora”... Mas sua voz não saiu da garganta. Os olhos, ao
contrário, saltaram para dentro dos olhos da jovem e mergulharam num mar de
emoções que ele jurava ter deixado para trás. Quanta doçura havia nos olhos
dela... Quanta paz. Isso durou coisa de segundos, depois a jovem foi engolida
pela multidão, e seguiu atrás dos foliões.
Fernando
acompanhou o restante de folia, mas seu coração palpitava de uma emoção confusa
e agradável após o encontro que tivera momentos atrás. Aqueles olhos estavam
por ali, bem perto dele, perdidos na multidão, e o olhar dele havia ficado
preso no olhar da jovem. Ele precisava encontrá-la para que pudesse libertar-se
a si mesmo.
Um
dourado sol da cor do ouro se escondia por trás das ondas de um agitado mar, e
a noite já começava a envolver o dia com seu negro manto, quando a folia chegou
ao fim, na beira do mar. Fernando, sentado em um banco de areia, observava o
maravilhoso entardecer na praia natalense. Olhava fixamente o horizonte e tanta
beleza o comovia. Navegava ele num mar de pensamentos que misturavam presente e
passado. Diante de tão maravilhosa criação do Deus altíssimo, refletia no que
fora sua vida até aquele momento. Quando voltou novamente ao planeta realidade,
olhou para o lado e viu, na beira da praia, a sua direita, e alguns metros mais
adiante, a jovem que havia sequestrado seu olhar. Seu vestido branco curto
esvoaçava ao sabor do vento, enquanto suas encaracoladas e longas madeixas
balançavam-se de um lado para outro. Por um momento ele pensou que algumas das
deusas do Monte Olimpo descera à terra para brindar-lhe com sua beleza.
Hesitou
ainda alguns segundos e correu em direção a jovem. Palavras não foram
necessárias. Um longo e profundo silêncio postou-se entre os dois, enquanto
seus olhares tão profundos quanto o infinito se encontravam. E seus olhares ao
se encontrarem de modo tão sublime, — fazendo com que brotassem em seus
corações uma explosão de amor, sentimento e desejo — pediram também que seus
corpos se tocassem. Seus corpos, por sua vez, ao se tocarem, pediram que suas
bocas se unissem num beijo apaixonado. Naquele ardente 06 de janeiro, Festa de
Reis, na Praia do Meio, em Natal, se encontraram lua e sol, rocha e nuvem, dia
e noite. Riso e pranto se misturaram as salgadas ondas do mar. Enfim, Fernando
era novamente um homem que começava a viver.
Se
um grande amor, em alguma triste noite do passado, havia sido sepultado nas
ondas do mar, naquela noite abençoada o mar lhe devolvia amor em dobro.
Ainda
abraçado à bela jovem de tez morena, tão característica dos que vivem na
cidade, cujo apelido é “Noiva do Sol”, — por ser uma cidade na qual faz sol o
ano inteiro, — Fernando sorriu para o infinito o melhor de seus sorrisos... E
agradeceu aos Reis Magos o grande presente que acabava de receber.