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Todas as formas de amor
Posted by Cottidianos
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00:23
Quinta-feira,
04 de junho
"E
a gente vive junto
A
gente se dá bem
Não
desejamos mal a quase ninguém
E
a gente vai à luta
E
conhece a dor
Consideramos
justa
Toda
forma de amor”
(Toda
forma de amor – Lulu Santos)
Certa
noite deste ano, estava eu voltando para casa, quando aproveitei para passar em
um supermercado e fazer algumas compras. Depois disso, me dirigi à parada de
ônibus. Já passava um pouco das onze da noite e os ponteiros do relógio, que
haviam corridos separados desde o meio dia, como dois amantes, estavam ansiosos
para se novamente se encontrarem, e por um poucos momentos, roçarem seus corpos
metálicos, em excitantes cenas de amor no filme das horas.
Àquela
hora, o trânsito estava tranquilo, as pessoas quietas. Umas pensando na vida,
outras cansadas do trabalho, não viam a hora de chegar em casa e, simplesmente,
descansar.
Quando
cheguei à parada de ônibus, poucos bancos havia para que os passageiros
pudessem esperar com maior comodidade. A maioria estava em pé, cada qual a
espera do ônibus que os levaria para casa. Se vocês me pedirem para descreverem
algum dos que ali estavam, serei sincero e direi que não lembro. Ah, lembro
sim. De duas moças eu lembro. Elas representavam o diferente, e aquilo que é
diferente, ou que, pelo menos, consideramos diferente do que somos, nos chama a
atenção, nos provoca, nos irrita, nos apavora.
Uma
dessas jovens era negra, não era exatamente magra, mas também não se podia
dizer que fosse gorda. Tinha uma beleza proporcional ao seu corpo. Seus cabelos
eram crespos e curtos. A outra era branca, cabelos lisos e longos. Era um pouco
mais magra que a outra. As duas eram de estatura mediana. Elas estavam
abraçadas. Trocando caricias. Eram namoradas.
Fiquei
olhando aquelas belas moças. E o que mais me chamou a atenção nelas foi o
brilho no olhar, principalmente da moça branca. Parecia que tinha estrelas no
lugar dos olhos. Na verdade não era o brilho das estrelas que estavam sobre
elas, era o brilho do amor.
Não
vi atitude hostil para com essas jovens por parte de nenhum dos usuários do
transporte coletivo que estavam ali naquele momento. Todos pareciam mais
preocupados com suas próprias vidas do que com o modo de vida daquelas moças.
Acho que deveria ser sempre assim.
Ainda
observando aquela cena romântica na quase meia noite, fiquei pensando. Não
teriam elas não tem o direito de se amarem? Em que o amor entre elas pode
prejudicar a humanidade? Em que medida esse amor pode prejudicar a mim, ou a
qualquer daqueles que estavam ali? Que ameaça para a sociedade representa a
união entre duas pessoas do mesmo sexo?
Muitos
usam a bandeira da religião para justificar seus atos de intolerância ou
racismo. Que me desculpem os moralistas de plantão, eu diria aos fanáticos
religiosos que se Jesus Cristo voltasse ao mundo hoje, ele, provavelmente,
diria: “Os homossexuais vos precederão no reino dos céus”. Por que penso assim?
Ora,
atitudes racistas e preconceituosas não foram inventadas agora. Elas existem
desde tempos imemoriais. Na Judeia do tempo de Jesus não era diferente. Havia o
preconceito contra os pobres, contra os cobradores de impostos, e contra as
prostitutas. Certa vez, disse Jesus aos seus interlocutores: “As prostitutas e
os cobradores de impostos vos precederão no reino dos céus, porque João veio
até vocês para mostrar o caminho da justiça e vocês não creram nele. Os
cobradores de impostos e as prostitutas acreditaram nele”. Essa pregação se deu
no Templo em Jerusalém, e não era dirigida a homens não instruídos, mas a
homens altamente instruídos e conhecedores da lei. Certamente, Jesus sentia na
pele as discriminações sofridas pela gente simples de sua região, pois ele
também era parte do povo simples e pobre, e como tal, também ele, discriminado.
Tomemos
como exemplo a figura de Hitler. O alemão foi o responsável pelo genocídio de milhões
judeus inocentes. Todos erguem as mãos para atirar pedras nele. Porém, os
preconceituosos não deveriam fazer isso. Ao contrário, deveriam aplaudi-lo. Por
quê? Porque eles se parecem com Hitler na paranoia de suas tortas ideias. O que
muda nesse caso é apenas e tão somente o objeto da ação: a aversão do Führer
pelos judeus, e os intolerantes do tempo presente, contra os negros, contra os
gays, contra os pobres e tantos outros grupos de marginalizados e crucificados.
Sem
querer dar uma de profeta, mas ainda continuando nessa linha, faço a sociedade
moderna, o mesmo questionamento que Jesus: Quem não tem pecado que atire a
primeira pedra. Foi assim: Estando no Monte das Oliveiras a pregar, os mestres
da lei e os fariseus, homens “retos e cumpridores da palavra”, trouxeram uma
mulher para ser apedrejada, pelo fato de ela ter sido surpreendida em adultério.
Perguntaram eles: “Mestre, esta mulher foi surpreendida em ato de adultério. A
lei, Moisés nos ordena apedrejar tais mulheres. E o senhor, que diz?” Na
verdade, tanto o gesto de levar a mulher diante de Jesus, como o questionamento
eram uma armadilha. Tanto fazia se a resposta do profeta fosse sim, ou fosse
não, ela seria usada pelos religiosos hipócritas da época para incitar o povo
contra ele. Percebendo essa artimanha, Jesus não disse uma única palavra.
Simplesmente, ajoelhou-se e começou a escrever no chão com o dedo. Como os
homens continuassem a interrogá-lo, calmamente ele disse: “Se algum de vocês
estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra nela”, continuando novamente
a escrever na areia. Um por um seus questionadores foram embora. Depois
perguntou a mulher se ninguém a havia condenado. Obtendo uma resposta negativa,
disse a ela que fosse embora e não pecasse mais.
Para
a Lei do Amor, o que importa não é o que as pessoas aparentam ser, mas sim o
que elas são. Se elas tem bons pensamentos e são capazes de amar
verdadeiramente, são bem-vindas no universo celeste, se não, elas mesmas se
afastam desse ambiente luminoso, não importam se sejam padres, pastores, gays
ou heteros.
Escrevo
estes fatos ao ver a confusão provocada por uma peça publicitária da fabricante
de perfumes, Boticário. A Campanha
publicitária é relacionada ao ato de presentear com perfumes por ocasião do Dia
dos Namorados — que será no próximo dia 12 de junho. No comercial do Boticário
aparecem diversos casais heterossexuais e homossexuais se presenteando com
artigos da empresa. Há uma troca de carinho que se traduz em olhares e abraços.
Enfim, uma peça publicitária cheia de ternura.
O
vídeo foi lançado no dia 25 de maio, em TV aberta e na Internet. Muitos elogios
foram feitos a peça publicitária, mas também muitas reclamações. Muitos
consumidores consideraram a peça um desrespeito à sociedade e à família.
Note-se que no comercial não há nenhuma cena de beijos entre os casais, ou
outras atitudes mais ousadas, apenas carinho e afeto. Mesmo assim, a pagina da
empresa foi invadida com uma enxurrada de mensagens homofóbicas e até
reclamações no CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária).
Em
defesa própria o Boticário lançou a seguinte nota: “O Boticário acredita na beleza das relações, presente em toda sua
comunicação. A proposta da campanha “Casais”, que estreou em TV aberta no dia
24 de maio, é abordar, com respeito e sensibilidade, a ressonância atual sobre
as mais diferentes formas de amor – independentemente de idade, raça, gênero ou
orientação sexual - representadas pelo prazer em presentear a pessoa amada no
Dia dos Namorados. O Boticário reitera, ainda, que valoriza a tolerância e
respeita a diversidade de escolhas e pontos de vista", reforçando a
posição da empresa de respeito às diversas formas de amar.
Fiquei
sem entender toda essa confusão, pois, em abril, outro comercial de bombons Sonho de Valsa, foi ainda mais ousado,
mostrando beijos entre casais heterossexuais e um casal homossexual do sexo
feminino. Ninguém reclamou desse comercial, muito ousado em relação ao do
Boticário.
O
que me impressiona em tudo isso é ver que apesar de o homem ser capaz de
grandes avanços na tecnologia e na ciência, ele ainda se perde quando o assunto
envereda pela questão do sentimento, do dialogo. Tudo isso porque nós, humanos,
de modo geral, não somos treinados para mergulhar nesse imensurável oceano de mistérios
que somos todos nós. Dominamos as maquinas, mas não dominamos a nós mesmos. Por
causa disso, os ambientes Judiciários estão abarrotados de processos e mais
processos, muitos deles, absolutamente desnecessários. Bastaria apenas uma
simples conversa, um simples diálogo entre as partes e tudo se resolveria. Mas
por essa dificuldade de o homem não saber dialogar consigo mesmo, consequentemente,
não sabe conversar com o seu semelhante. Daí ser necessário levar questões
íntimas e pessoais ao conhecimento de terceiros, chamados juízes, advogados e
mediadores.
Também
por esse desconhecimento de si mesmo, o homem tem dificuldade de aceitar o
outro, e assim vamos vivendo em um mundo sem paz, não porque a paz não seja um
sonho possível, mas porque nós humanos somos complicados demais.
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