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Discurso de Lula em São Bernardo antes da prisão

Posted by Cottidianos on 00:42
Segunda, 09 de abril

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O texto abaixo é uma reprodução dos trechos principais do discurso do ex-presidente Lula, na tarde de sábado (07), em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo, São Paulo. O discurso foi feito antes de Lula se entregar a Polícia Federal para começar a cumprir o mandado de prisão expedido contra ele pelo juiz Sérgio Moro, na quinta-feira (5).
Mais considerações sobre o discurso e sobre os fatos que o antecederam serão feitos na postagem seguinte.

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Queridas companheiras e queridos companheiros...
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Agora, nós estamos quase que na mesma situação, eu estou sendo processado e eu tenho dito claramente: o processo do meu apartamento, eu sou o único ser humano que sou processado por um apartamento que não é meu.
E eles sabem que O Globo mentiu quando disse que era meu. A Polícia Federal da Lava Jato, quando fez o inquérito, mentiu que era meu. O Ministério Público, quando fez a acusação, mentiu dizendo que era meu. E eu pensei que o Moro ia resolver, e ele mentiu dizendo que era meu. E me condenou a nove anos de cadeia.
É por isso que eu sou um cidadão indignado. Porque eu já fiz muita coisa nos meus 72 anos, mas eu não os perdoo por ter passado para a sociedade a ideia de que eu sou um ladrão.
Deram a primazia dos bandidos fazerem um Pixuleco pelo Brasil inteiro. Deram a primazia dos bandidos chamarem a gente de Petralha. Deram a primazia de criar quase que um clima de guerra negando a política nesse país.
Eu digo todo dia: nem um deles tem coragem ou dorme com a consciência tranquila da honestidade, da inocência, que eu durmo. Nem um deles.
Eu não estou acima da Justiça. Se eu não acreditasse na Justiça, eu não tinha feito um partido político. Eu tinha proposto uma revolução nesse país.
Mas eu acredito na Justiça, numa Justiça justa, numa Justiça que vota um processo baseado nos autos do processo, baseado nas informações das acusações, das defesas, na prova concreta que tem a arma do crime.
O que eu não posso admitir é um procurador que fez um PowerPoint e foi para a televisão dizer que o PT é uma organização criminosa que nasceu para roubar o Brasil e que o Lula, por ser a figura mais importante desse partido, o Lula é o chefe. E, portanto, se o Lula é o chefe, diz o procurador: “Eu não preciso de provas, eu tenho convicção”.
Eu quero que ele guarde a convicção dele para os comparsas deles. Para os asseclas deles, e não para mim. Não para mim. Certamente um ladrão não estaria exigindo provas. Estaria de rabo preso, com a boca fechada, torcendo para a imprensa não falar o nome dele.
Eu tenho mais de 70 horas de Jornal Nacional me triturando. Eu tenho mais de 70 capas de revistas me atacando. Eu tenho mais de milhares de páginas de jornais e matérias me atacando. Eu tenho mais a Record me atacando. Eu tenho mais a Bandeirantes me atacando. Eu tenho mais a rádio do interior, a rádio do [inaudível]. E o que eles não se dão conta é que quanto mais eles me atacam, mais cresce a minha relação com o povo brasileiro.
Eu não tenho medo deles. Eu até já falei que gostaria de fazer um debate com o Moro sobre a denúncia que ele fez contra mim. Eu gostaria que ele me mostrasse alguma coisa de prova. Eu já desafiei os juízes do TRF-4. Que ele fosse para um debate na universidade que ele quiser, no público que ele quiser, provar qual é o crime que eu cometi nesse país.
E eu às vezes tenho a impressão, e tenho porque sou um construtor de sonho... Eu, há muito tempo atrás, eu sonhei que era possível governar esse país envolvendo milhões e milhões de pessoas pobres na economia, envolvendo milhões de pessoas nas universidades, criando milhões e milhões de empregos nesse país.
Eu sonhei, eu sonhei que era possível um metalúrgico sem diploma de universidade, cuidar mais da educação do que os diplomados e concursados que governaram esse país.
Eu sonhei que era possível a gente diminuir a mortalidade infantil levando leite, feijão e arroz para que as crianças pudessem comer todo dia. Eu sonhei que era possível pegar os estudantes da periferia e colocar nas melhores universidades desse país. Para que a gente não tenha juiz e procurador só da elite.
Daqui a pouco nós vamos ter juízes e procuradores nascidos na favela de Heliópolis, nascido em Itaquera, nascido na periferia. Vamos ter muita gente dos Sem Terra, do MTST, da CUT formado. Esse crime eu cometi.
Eu cometi esse crime que eles não querem que eu cometa mais. É por conta desse crime que já tem uns dez processos contra mim. E se for por esses crimes, de colocar pobre na universidade, negro na universidade, pobre comer carne, pobre comprar carro, pobre viajar de avião, pobre fazer sua pequena agricultura, ser microempreendedor, ter sua casa própria, se esse é o crime que eu cometi, eu quero dizer eu vou continuar sendo criminoso nesse país porque vou fazer muito mais. Vou fazer muito mais.
Companheiros e companheiras, eu, em 1990, em 1986, eu fui o deputado constituinte mais votado na história do país. E nós ficamos descobrindo que dentro do PT, Manuela, companheiros, o Ivan era do PT na época, havia uma desconfiança que só tinha poder no PT quem tinha mandato.
...
Então, companheiros, quando eu percebi que o povo desconfiava que só tinha valor no PT quem era deputado, Manuela e Guilherme, sabe o que eu fiz? Deixei de ser deputado. Porque eu queria provar ao PT que eu ia continuar sendo a figura mais importante do PT sem ter mandato. Porque se alguém quiser ganhar de mim no PT, só tem um jeito, é trabalhar mais do que eu e gostar do povo mais do que eu. Porque se não gostar, não vai ganhar.
Pois bem, nós agora estamos num trabalho delicado. Eu talvez viva o momento de maior indignação que um ser humano vive. Não é fácil o que sofre a minha família. Não é fácil o que sofrem os meus filhos. Não é fácil o que sofreu a Marisa.
E eu quero dizer que a antecipação da morte da Marisa foi a safadeza e a sacanagem que a imprensa e o Ministério Público fizeram contra ela. Tenho certeza. Porque essa gente eu acho que não tem filho, eu acho que não tem alma e não tem noção do que sente uma mãe e um pai quando vê um filho massacrado, quando vê um filho sendo atacado. E eu então, companheiros, resolvi levantar a cabeça.
Não pensem que eu sou contra a Lava Jato não. A Lava Jato se pegar bandido, tem que pegar bandido mesmo, que roubou, e prender. Todos nós queremos isso. Todos nós a vida inteira dizíamos, só prende pobre, não prende rico. Todos nós dizíamos. E eu quero que continue prendendo rico. Eu quero.
Agora, qual é o problema? É que você não pode fazer julgamento subordinado à imprensa. Porque no fundo, no fundo, você destrói as pessoas na sociedade, na imagem das pessoas, e depois os juízes vão julgar e falam “Eu não posso ir contra a opinião pública porque a opinião pública está pedindo pra cassar”.
Quem quiser votar com base na opinião pública, largue a toga e vá ser candidato a deputado. Escolha um partido político e vá ser candidato. Ora, a toga é um emprego vitalício. O cidadão tem que votar apenas com base nos autos do processo. Aliás, eu acho que ministro da Suprema Corte não deveria dar declaração de como vai votar. Nos Estados Unidos, termina a votação e você não sabe o que o cidadão votou exatamente para que ele não seja vítima de pressão.
Imagina um cara ser acusado de suicídio e não tenha sido ele o assassino. O que que a família do morto quer? Que ele seja morto, que ele seja condenado. Então o juiz tem que ter, diferentemente de nós, a cabeça mais fria. Mais responsabilidade de fazer acusação ou de condenar.
O Ministério Público é uma instituição muito forte, por isso esses meninos, que entram muito novos, fazem um curso de direito, depois fazem três anos de concurso, porque o pai pode pagar, esses meninos precisavam conhecer um pouco da vida, conhecer um pouco de política para fazer o que eles fazem na sociedade brasileira. Ter uma coisa chamada responsabilidade.
E não pensem que, quando eu falo assim, eu sou contra. Eu fui presidente e indiquei quatro procuradores. E fiz discurso em todas as posses. E eu dizia: quanto mais forte for a instituição, mais responsáveis os seus membros têm que ser. Você não pode condenar a pessoa pela imprensa para depois você julgá-la. Vocês estão lembrados que quando eu fui prestar depoimento lá em Curitiba eu disse pro Moro: você não tem condições de me absolver porque a Globo está exigindo que você me condene e você vai me condenar.
Pois bem, eu acho que tanto o TFR-4 quanto o Moro, a Lava Jato e a Globo, elas têm um sonho de consumo. O sonho de consumo é que, primeiro, o golpe não terminou com a Dilma. O golpe só vai concluir quando eles conseguirem convencer que o Lula não possa ser candidato a presidente da República em 2018.
Eles não querem, não é porque eu vou ser eleito, eles não querem que eu participe apenas porque tem a possibilidade de cada um de nós se eleger. Eles não querem o Lula, eles não podem [inaudível] que pobre na cabeça deles [inaudível]. Pobre não pode andar de avião, pobre não pode fazer universidade, pobre nasceu, segundo a lógica deles, de comer e ter coisa de segunda categoria.
O sonho de consumo deles é a fotografia do Lula preso. Ah, eu fico imaginando a tesão da Veja colocando a capa minha preso. Eu fico imaginando a tesão da Globo colocando a fotografia minha preso. Eles vão ter orgasmos múltiplos.
Eles decretaram a minha prisão. E deixa eu contar uma coisa pra vocês. Eu vou atender o mandado deles. E vou atender porque eu quero fazer a transferência de responsabilidade. Eles acham que tudo o que acontece nesse país, acontece por minha causa. Eu já fui condenado a três anos de cadeia. [Corte no vídeo] chegando a hora de a onça beber água e os camponeses mataram o fazendeiro e eles acham que essa frase minha era a senha.
O que eu quero transferir de responsabilidade? Eles já tentaram me prender por obstrução de justiça, não deu certo. Eles agora querem me pegar numa prisão preventiva, que é uma coisa mais grave, porque não tem habeas corpus. O Vaccari já está preso há três anos, o Marcelo Odebrecht já gastou R$ 400 milhões e não teve habeas corpus. Eu não vou gastar um tostão.
Mas eu vou lá com a seguinte crença: eles vão descobrir pela primeira vez o que eu tenho dito todo dia, eles não sabem que o problema desse país não chama-se Lula. O problema desse país chama-se vocês, a consciência do povo, o Partido dos Trabalhadores, o PC do B, o MST, o MTST... Eles sabem que tem muita gente.
E aquilo que nossa pastora diz, e eu tenho dito todo discurso: não adianta tentar evitar que eu ande por esse país porque tem milhões e milhões de Lulas, de Boulos, de Manuela, de Dilmas Rousseff para andar por mim. Não adianta tentar acabar com as minhas ideias, elas já estão pairando no ar e não tem como prendê-las. Não adianta tentar parar os meus sonhos porque quando eu parar de sonhar, eu sonharei pela cabeça de vocês.
Não adianta achar que tudo vai parar no dia que o Lula tiver infarte. É bobagem porque o meu coração baterá pelo coração de vocês e são milhões de corações.
Não adianta eles acharem que vão fazer com que eu pare, eu não pararei porque eu não sou mais um ser humano. Eu sou uma ideia. Uma ideia misturada com a ideia de vocês.
E eu tenho certeza que companheiros como os Sem Terra, MTST, os companheiros da CUT, do movimento sindical [corte]. E essa é uma prova. Eu vou cumprir o mandado e vocês vão ter que se transformar, cada um de vocês, vocês não vão mais chamar Chiquinha, Joãozinho, Zezinho, Robertinho, todos vocês, daqui pra frente, vão virar Lula e vão andar por esse país.
Vamos fazer definitivamente uma regulação dos meios de comunicação para que o povo não seja vítima das mentiras todo santo dia. Eles têm que saber, que vocês, quem sabe, são até mais inteligentes do que eu, e poderão queimar os pneus que tanto queima, fazer as passeatas que tanto vocês [inaudível], fazer as ocupações no campo e na cidade... Parecia difícil a ocupação de São Bernardo e amanhã vocês vão receber a notícia de que ganharam o terreno que vocês invadiram.
Portanto companheiros, eu tive chance agora, eu estava no Uruguai, entre Livramento e Rivera. E as pessoas diziam assim pra mim: Lula, você dá uma voltinha ali, é só atravessar a rua, finge que você vai comprar um “uisquizinho”, você está no Uruguai junto com Pepe Mujica e vai embora e não volta mais e pede asilo político. Ô Lula, você pode ir na embaixada da Bolívia, pode ir na embaixada do Uruguai. Ô Lula, vai na embaixada da Rússia, vai na embaixada e de lá você pode ficar falando. E eu falei eu não tenho mais idade.
A minha idade é enfrentá-los de olho no olho e eu vou enfrentá-los aceitando cumprir o mandado. Eu quero saber quantos dias eles vão pensar que estão me prendendo. E quanto mais dias eles me deixarem lá, mais Lula vai nascer nesse país e mais gente vai querer brigar nesse país porque a democracia não tem limite, não tem hora pra gente brigar.
Por isso eu estou fazendo uma coisa muito consciente, mas muito consciente. Eu falei para os companheiros, se dependesse da minha vontade eu não iria, mas eu vou. Eu vou porque eles vão dizer a partir de amanhã que o Lula está foragido, que o Lula está escondido. Não, eu não estou escondido. Eu vou lá na barba deles, para eles saberem que eu não tenho medo, para eles saberem que eu não vou correr e para eles saberem que eu vou provar a minha inocência. Eles têm que saber disso, tá?
E façam o que quiserem, eu vou terminar com uma frase que eu peguei em 1982, com uma menina de dez anos em Catanduva, que eu não sei quem é. E essa frase não tem autor. A frase dizia: “Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a chegada da primavera”.
Porque nós queremos mais casa, nós queremos mais escola, nós queremos menos mortalidade. Nós não queremos impedir a barbaridade que fizeram com a Marielle no Rio de Janeiro? Nós não queremos impedir a barbaridade que fazem com meninos negros na periferia desse país? Não queremos mais que volte a desnutrição, a mortalidade por desnutrição nesse país. Nós não queremos mais que um jovem não tenha esperança de entrar na universidade. Porque esse país é tão cretino que foi o último do mundo a ter uma universidade. O último. Todos os países mais pobres tiveram. Porque eles não queriam que a juventude brasileira estudasse e falaram que custava muito fazer escola. E se perguntar quanto custou não fazer há 50 anos atrás.
Então eu quero que vocês saibam que eu tenho orgulho, profundo orgulho, de ter sido o único presidente da república sem ter um diploma universitário, mas sou o presidente da república que mais fiz universidades na história desse país para mostrar para essa gente que não confunda inteligência com quantidade de anos na escolaridade.
Isso não é inteligência, é conhecimento. Inteligência é quando você sabe tomar decisão. Inteligência é quando você tem lado. Quando você não tem medo de descobrir com os companheiros aquilo que é prioridade. E a prioridade desse país é garantir que esse país volte a ter cidadania.
Não vão vender a Petrobras. Vamos fazer uma nova Constituinte, vamos revogar a lei do petróleo que eles estão fazendo. Não vamos deixar vender o BNDES, não vamos deixar vender a Caixa Econômica, não vamos deixar destruir o Banco do Brasil, e vamos fortalecer a agricultura familiar que é responsável por 70% do alimento que comemos nesse país.
É com essa crença, companheiros, de cabeça erguida, como eu estou falando com vocês, que eu quero chegar lá e falar para o delegado: estou à sua disposição. E a história, a história, daqui a alguns dias, vai provar que quem cometeu crime foi o delegado que me acusou, foi o juiz que me julgou e foi o Ministério Público que foi leviano comigo.
Por isso companheiros, eu não tenho lugar no meu coração para todo mundo. Mas eu quero que vocês saibam, se tem uma coisa que eu aprendi a gostar é da minha relação com o povo. Quando eu pego na mão de um de vocês, quando eu abraço um de vocês, quando eu beijo ---porque agora eu beijo homem e mulher igualzinho--- quando eu beijo um de vocês, eu não estou beijando com segundas intenções. Eu estou beijando porque quando eu era presidente, eu dizia, eu vou voltar para onde eu vim e eu sei quem são meus amigos eternos e quem são os amigos eventuais.
Os de gravatinha, que iam atrás de mim, agora desapareceram. Quem estão comigo são aqueles companheiros que eram meus amigos antes de eu ser presidente da República. São aqueles que comiam rabada aqui no Zelão, que comiam frango com polenta no Demarchi, aqueles que tomavam caldo de mocotó no Zelão. Esses continuam sendo nossos amigos.
Aqueles que têm coragem de invadir um terreno para fazer casa. Aqueles que têm coragem de fazer uma greve contra a Previdência, aqueles que têm coragem de ocupar um campo para fazer uma fazendo produtiva. Aqueles que, na verdade, precisam do estado.
Então companheiros, eu vou dizer uma coisa para vocês, vocês vão perceber que eu sairei dessa maior, mais forte, mais verdadeiro e inocente porque eu quero provar que eles é que cometeram o crime. Um crime político, de perseguir um homem que tem 50 anos de história política. E por isso eu sou muito grato.
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Por isso companheiros, um grande abraço.
Pode ficar certo, esse pescoço aqui não baixa, a minha mãe já fez um pescoço curto para ele não baixar e não vai baixar porque eu vou de cabeça erguida e vou sair de peito estufado de lá porque vou provar a minha inocência.
Um abraço companheiros, obrigado, mas muito obrigado a todos vocês pelo o que vocês me ajudaram. Um beijo querido, muito obrigado.


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