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Brasil: 126 anos de história constitucional republicana
Posted by Cottidianos
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10:20
Sábado, 25 de fevereiro
Constituição brasileira de 1891 |
O que dá vida e ânimo ao corpo? A alma. Depois
que esta abandona o corpo ele não é mais que algo inanimado, sem vida, sem
ação. Entretanto, mesmo a alma estando no corpo, e este esteja em sua total
condição de andar, respirar, correr, e tantas outras atividades inerentes ao
ser humano, é necessário algo que lhes sustente as carnes. A coluna vertebral,
nossa espinha dorsal, cumpre muito bem esse papel.
Assim como o corpo precisa de uma alma
que lhe dê animosidade, e de uma espinha dorsal que o torne reto e firme, assim
também as nações precisam de uma alma que as anime, e de uma espinha dorsal que
as sustente. Em nações democráticas, a alma que anima o corpo é a Constituição,
e a coluna vertebral desse corpo constitucional são os direitos fundamentais.
A Constituição Federal de uma nação é a
lei por excelência. Marcos José Pinto, Promotor da Justiça Militar, em Campo
Grande/MS. Membro do Ministério Público Militar da União, diz em seu artigo, Um breve histórico das Constituições
Brasileiras, que “A Constituição é a
base da pirâmide das leis que regulam vida de um povo, servindo como parâmetro
de validade para todas as outras espécies normativas, localizando-se como
sabidas, no topo do ordenamento jurídico de uma nação".
Mas de que adiantaria um Estado
Democrático de Direito com uma Carta Magna bem redigida se ela não fosse posta
a tornar efetivos os direitos fundamentais dos seus habitantes seja em nível
individual, seja enquanto parte de uma coletividade?
É essa espinha dorsal da Carta Magna de
uma nação que deve ter seus braços voltados para a proteção daqueles que mais
necessitam, e que, pondo limites à sede de poder dos governantes, garanta uma
sociedade mais justa e mais igualitária.
Falando de nossa história constitucional
pode-se dizer que o Brasil tem sete almas, sendo uma monárquica e seis
republicanas. Também é possível afirmar que em quase todas as nossas
constituições, inclusive na do período monárquico, sobressaiu-se os fatores de
poder, em detrimento das garantias e direitos fundamentais. Mas deixemos de
lado nossa alma monárquica, e fiquemos com as almas republicanas de nossa
nação.
Nossa história de constituição
republicana fez aniversário no dia ontem (24): 126 anos.
Em 24 de fevereiro de 1891, após um tumultuado
fim de império, e de um golpe dados pelos militares pondo fim ao regime
imperial, surgiu nossa primeira constituição republicana, inspirada no modelo
norte-americano. De lá para cá temos oscilado entre Constituições democráticas
e ditatoriais. Estamos desde 1988 com uma Constituição democrática.
As Constituições das nações o que são
senão apenas pensamentos traduzidos em palavras, textos? Quem dirá ou não se
elas apenas ficarão no plano das utopias serão os seus dirigentes das classes
jurídicas e políticas a garantir que as ideias nela postas se tornem efetivas
no plano real, e a própria sociedade como um todo a garantir que seus direitos
sejam cumpridos.
Desde 1988 temos uma alma democrática. Mas
mesmo dentro desse espírito democrático, temos visto como essa alma tem sido
ignorada, e como a espinha dorsal que a sustenta tem sido ignorada.
A começar dos partidos políticos que
mais parecem abutres a querer abocanhar cada pedaço de propina obtidos,
principalmente, na parceria com a iniciativa privada. Direitos fundamentais? Algum
dos senhores e senhoras lembra-se de quando nossos políticos, salvo raríssimas exceções,
lograram trazer à tona essas questões? Hoje, a pauta a ser discutida é que
partido vai ocupar tal e qual cargo, tal e qual ministério. Se ainda houvesse
por trás disso tudo um objetivo de querer tornar pujante as ideias de fazer brilhar
o sol da igualdade, da prosperidade, e do desenvolvimento no céu da nação,
ainda se entenderia a questão, mas...
Infelizmente a Lava Jato está
aí para nos mostrar que em todo esse balcão de negócios, o que menos interessa
são os direitos fundamentais dos indivíduos. Ora os indivíduos! Esses que
morram em hospitais sem a menor falta de estrutura, que estudem em escolas
deterioradas, que os filhos deles andem quilômetros à pé se quiserem aprender
as primeiras letras. Ah, indivíduos! Vocês que andem em ônibus, trens e metrôs
superlotados, espremidos tal qual sardinhas em latas, e que, ao descer deles
vão para suas casas caminhando por ruas mal iluminadas, e com medo de sofrer um
assalto a qualquer momento.
Falo dos menos abastados, mas, no fim
das contas, toda a nação paga a conta pelos desgovernos praticados pelos
governos.
Brasil, é preciso mais do que nunca ter
consciência, exercer o direito à cidadania, pois os lobos estão por aí
disfarçados em pele de cordeiro, e que com promessas fáceis, ou mesmo se
passando por vítimas, estão à postos para abocanhar a primeiro eleitor desavisado
que lhe passar pela frente.
Para
brindar esses 126 anos de história republicana, este blog compartilha, com
autorização do autor, artigo referente ao assunto. O autor do artigo é Marcos
da Costa, presidente da Ordem dos Advogados do
Brasil, do Estado de São Paulo, e foi publicado na seção Palavra do Presidente,
do site da OAB/SP. O artigo também foi publicado na seção Opinião do Estadão.
No artigo intitulado, Refundar a República, Marcos da Costa
traça uma interessante panorâmica de nossa história constitucional republicana.
***
Marcos da Costa |
Refundar a República
Marcos da Costa
Presidente da OAB SP
Estamos comemorando o aniversário de
nossa primeira Constituição republicana, cujo nascimento se dá nos estertores
de um Império que não mais se sustentava, corroído por anarquia militar e
corporativismo, insultado por federalistas, proprietários de escravos que
exigiam indenização pela abolição e, é claro, pelos republicanos. Um golpe
militar acabou fechando o ciclo monarquista no Brasil, em 1889.
Dois militares, Deodoro da Fonseca e
Floriano Peixoto, assumiram a Presidência e só depois veio o primeiro presidente
civil, Prudente José de Morais Barros. Dois anos depois, em 24 de fevereiro de
1891, surgia a primeira Constituição republicana, abrindo a era democrática no
País.
Prudente de Morais e Ruy Barbosa, ambos
egressos da Faculdade de Direito de São Paulo, plasmaram as diretrizes da Carta
que permitiu ao País ampliar o conceito de cidadania, garantir a participação
popular e implantar o federalismo, eixos centrais da democracia tão sonhada
pelos republicanos.
É bem verdade que a luta começara antes,
com os abolicionistas Joaquim Nabuco, Pimenta Bueno e Perdigão Malheiros
determinados a combater pela República, e ganhou ainda os esforços de Campos
Salles, Rangel Pestana, Bernardino de Campos e outras figuras proeminentes do
campo do Direito.
Inspirada no modelo norte-americano, a
primeira Constituição buscava a trilha da legalidade e da justiça, realçando as
peculiaridades da nova República. Mas foi deformada ao logo dos tempos. A cada
ciclo político, o País passou a conviver com novas Constituições, algumas mais
permissivas, outras menos republicanas. Um olhar nestes 126 anos de nossa
História revela apenas desencanto. Por isso os advogados paulistas precisam de
novo se debruçar sobre os ideais daqueles primeiros republicanos da Faculdade
de Direito e proclamar: chegou a hora de refundar a República.
A dura constatação é que a ordem
republicana foi desconstruída, estraçalhada, está agora muito distante da
concepção pioneira. É evidente que tal desconfiguração tem como pano de fundo
as crises que têm solapado as bases do edifício democrático, aqui e alhures,
sob as intempéries que abalam as instituições políticas e sociais. Entre nós, é
patente a ciclotimia que se verifica entre as nossas fases de democracia e
autoritarismo.
A Constituição de 1891 continha preceitos
preservadores de direitos individuais e garantias democráticas que permaneceram
até 1930, quando passamos a conviver com desajustes que nos trouxeram o
autoritarismo da Constituição de 1937. O ciclo duro persistiu até 1945, quando
caiu a ditadura e se reinstalou a democracia, por meio da Constituição de 18 de
setembro de 1946. Passamos então a viver tempos bem democráticos, até cairmos
na ditadura de 1964, que derrubou as liberdades individuais e expressou
desprezo pela autonomia e pela independência dos Poderes do Estado.
Essa situação persistiu até 1982, quando
foram eleitos governadores de oposição pela via direta, fazendo nascer o
movimento que resultou na Constituição de 5 de outubro de 1988, esta bastante
farta no ajuntamento de princípios democráticos.
O fato é que nossas Constituições
refletem os altos e baixos dos sistemas democráticos. O bem-estar não se
desenvolve no mundo ocidental no ritmo e na qualidade tão ansiados pela
sociedade. Ao contrário, as democracias parecem regredir, conforme atesta o
pensador Maurice Duverger.
Por nossas plagas, temos herdado um
conjunto de mazelas que desfiguram as funções essenciais do Estado, deslocando
o poder, cuja soberania é do povo, para novos senhores feudais. A imagem pode
ser forte, mas reflete a verdade.
Os remendos que se colocam sobre o pano
velho da nossa cultura não têm conseguido melhorar a qualidade da vida
institucional, a ponto de serem visíveis, nos espaços da administração pública
e nas três esferas de poder, as famigeradas sequelas de patrimonialismo,
caciquismo, feudalismo, familismo amoral, grupismo e fisiologismo.
Ao longo de décadas, alastrou-se o
processo de corrupção que devasta a seara política. As denúncias diárias de
corrupção, por exemplo, nada mais são do que a confirmação da herança maldita
que se projeta sobre os costumes políticos.
Quanto à atual Constituição,
assemelha-se a uma grande colcha de retalhos, com seu detalhismo
regulamentador, plena de visões cartorialistas que remontam às sesmarias
coloniais. Não é à toa que a toda hora se evoca a questão da governabilidade,
pautada por negociações entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
A provisoriedade do sistema normativo
toma o lugar da permanência, a demonstrar que a lei acaba servindo de
instrumento para cobrir distorções causadas pela ausência de planejamento de
longo prazo. É assim, por exemplo, no campo dos tributos, em que predomina o
chamado “manicômio tributário”.
Nosso sistema político-partidário
reflete instabilidade institucional. São 35 as siglas que detêm condições
legais de funcionamento e outras seis aguardam aprovação pelo Tribunal Superior
Eleitoral. Apenas cinco ou seis partidos representam efetivamente as visões dos
grupamentos sociais. As outras formam um sistema auxiliar, um grupo de siglas
de aluguel, em evidente transgressão das normas eleitorais.
Temos de impedir os privilégios de
grupos e castas, respeitar os espaços públicos, impedir a distribuição de
cargos em comissão para apaniguados políticos. Urge reservar a estrutura
pública para escolhidos pela competência, sob o império da meritocracia.
Significa implantar os verdadeiros
princípios da República e fazer da Pátria o espaço onde todos são iguais em
deveres e direitos. Por uma República mais equilibrada e mais justa. Essa é a
conclamação da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), por
ocasião do 126.º aniversário da nossa primeira Constituição.
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